Audiodescrição na arte: Informação? Experiência?

Como nos relacionamos com a arte e com a experiência estética da arte? Som, imagem, texto, cultura, inferência. Isso tudo vem trançado. E o que a acessibilidade comunicacional, especificamente a audiodescrição, tem a ver com isso?

Nesse meu tempo como bacharel em Letras, e dentro dele o tempo como audiodescritora-roteirista, passei por várias questões, inquietações, propostas e missões! Isso tudo partiu de observação de vários formatos artísticos, estudo, prática e de ouvir a recepção do público. Pensando principalmente no audiovisual e no teatro, vou compartilhar um pouco dessas reflexões.

A Audiodescrição como fazer técnico e profissional

Se você está chegando e ainda não sabe quem é a Audiodescrição (AD para os íntimos ou necessitados de economia de caracteres) na fila do pão, aqui vai a bio dela: Audiodescrição é uma modalidade de tradução intersemiótica, pois traduz não entre línguas, mas entre linguagens. A linguagem de partida é a linguagem dos signos visuais. Tudo o que é imagético: cores, gestos, símbolos, feições. Existe uma divisão básica entre audiodescrição de imagens estáticas (o que não se move: foto, desenho, card, pôster) e audiodescrição de imagens dinâmicas (o que se move, seja gravado ou ao vivo: filme, série, peça de teatro). Em alguns contextos podemos ter híbridos, como uma aula em que existe o contexto geral que se move e as imagens estáticas de um slide.

Audiodescrição para quem?

O foco dessa técnica é criar acesso para quem apreende informações sem o uso da visão. Por isso é um dos recursos da acessibilidade comunicacional. A experiência de pessoas com deficiência visual (cegas ou com baixa visão) pauta a construção de uma AD, e por isso mesmo nós, audiodescritores-roteiristas, sempre trabalhamos em conjunto com um audiodescritor-consultor, que é uma pessoa com deficiência visual especializada na área. Mas há relatos que mostram que outros perfis se beneficiam dela. Por causa da característica básica da técnica, que é trazer as informações para as palavras, pessoas que têm mais facilidade para receber, se conectar ou manter atenção à informação verbalizada do que à não verbalizada podem acabar tendo na audiodescrição um apoio na construção do acesso. Trazer para o plano verbal e sonoro pode, em alguns casos, aproximar a informação de autistas, pessoas com TDAH, pessoas com deficiência intelectual. Ou alguém que assista a um filme sem ter muita inserção cultural no contexto dele e acabe captando mais nuances do que é apresentado através da verbalização.

E quando a Audiodescrição se encontra com a Arte?

Com base nisso tudo, como você deve imaginar, técnicas, diretrizes e recomendações foram se desenvolvendo para deixar essa modalidade de tradução funcional. E de fato, deixam. Mas quando experiência estética (estética aqui inclui imagem, som, texto, expressividade e significação) entra no jogo, temos que ter mais alguns tipos de cartas no nosso deck. E para isso, defendo a construção de uma audiodescrição que harmonize com a narrativa, que não seja nem intrusiva e nem isenta, aliando a voz discursiva (do roteiro), a intepretação vocal (da locução) e o ritmo (da mixagem do áudio).

Isso pode ser bem desafiador. Existe a reponsabilidade tradutória de definir o que terá destaque e o que será sacrificado em nome do ritmo. Pois audiodescrever é, como traduzir em geral, fazer escolhas. E essas escolhas direcionam o olhar do espectador de forma análoga à iluminação, que escolhe pontos e elementos para priorizar e definir o todo. Uma mesma cena em filmes diferentes pode receber audiodescrições diferentes, pois o foco de importância entre as várias coisas mostradas pode ser outro. Imagine: em uma cena de uma festa com 30 pessoas, é evidente que uma audiodescrição não poderia descrever em detalhes a aparência, as roupas e as atitudes das 30. Então entra a sensibilidade narrativa de entender o que é essencial ali e como transmitir isso. E é nesse como que moram as polêmicas. Mesmo com plena compreensão de que o público com deficiência visual não deve ser subestimado, e cada indivíduo tem seu próprio campo de interpretação, a máxima dos manuais “descreva o que você vê, não interprete” parece não dar conta da realidade da função de audiodescrever um filme. Mesmo que você não enfeite o pavão e não enverede para o qualitativo, descrevendo as coisas como “belas” ou “horrendas”, a escolha vocabular e o jeito de cadenciar as orações vai dar o tom do seu texto.

Alguns manuais de audiodescrição parecem feitos (com ótima intenção) com base em experiências pedagógicas, e não de arte, narrativa e entretenimento. E aí, quando a experiência artística entra em cena e você percebe que as soluções oferecidas por esses manuais soariam pedagógicas demais, anatômicas demais ou totalmente fora do ambiente lexical daquela obra, eles somem da sua frente como o Mestre dos Magos. E aí, coragem, roteirista. É a hora de usar todos os conhecimentos e habilidades que desenvolveu. Inclusive, mas não apenas, o que os manuais trouxeram. “Depende do contexto” são palavras que quem lida com tradução e audiodescrição poderia mandar grafitar na parede do lugar em que trabalha. Meu desafio tem sido nem pisar em ovos e nem viajar na maionese feita com os ovos nos quais estou tentando não pisar. Talvez fazer omelete seja uma boa. Mas não dá pra fazer omelete sem quebrar alguns… tá, parei.

A busca por uma AD nem intrusa nem isenta, e sim diegética

A busca pelo equilíbrio é um caminho que traz riscos, essa busca por não ser nem intrusa na narrativa nem isenta da narrativa. É possível ser direta, comunicativa e ter estilo com pequenas ousadias textuais, tomando liberdades com os pés no chão. Mas não existe deck infalível. Temos que saber combinar as cartas básicas, que dão conta quase sempre, segurando um jogo básico que cumpre sua função, e as cartas situacionais, aquelas que ganham o jogo quando usadas no momento certo, mas não seguram sozinhas (não tente montar um deck só com elas). Isso vale para as diretrizes básicas, para o banco de soluções audiodescritivas que a gente vai montando ao longo do tempo e para aquelas soluções específicas que têm tudo a ver com aquela cena e trazem um léxico autêntico para o texto.

Às vezes o estritamente descritivo não é diegeticamente interessante e vale a pena arriscar e lançar mão de um atalho comunicativo. Dois exemplos:

Estritamente descritivo: Uma criança de camiseta verde corre atrás de outras quatro crianças. A de camiseta verde toca o ombro de outra, de vestido vermelho, e esta começa a correr atrás das outras quatro.

Atalho comunicativo: Cinco crianças brincam de pega-pega.

Estritamente descritivo: Toca a bola com o peito do pé direito e a move para baixo do calcanhar. Posiciona a bola na parte lateral do pé. Corre e empurra a bola pelo campo, alternando-a entre a lateral interna e a lateral externa do pé direito enquanto mantém o pé esquerdo atrás.

Atalho comunicativo: Mantém a posse da bola.

Claro que, como sempre, depende do contexto. Mas percebe como, dependendo do tempo que você tem para inserir o segmento audiodescritivo no filme sem cobrir falas importantes, o atalho pode ser necessário, ou pelo menos ser mais dinâmico e proporcionar um ritmo mais interessante junto com os sons do filme, resultando em uma experiência artística mais afinada com o material?

Aumentando o Deck!

Isso tudo pode ser construído de diversas maneiras dependendo do projeto. A comunicação com a produção, por exemplo, pode dar à equipe de audiodescrição cartas que funcionam naquele material, através de respostas a perguntas, sugestões e divulgação conjunta, levando a AD para um lugar menos tímido dentro do projeto, menos tacanho, menos saindo da festa e se despedindo com “desculpa qualquer coisa” e mais “até a próxima, pode ficar com o resto do bolo salgado, que eu vou levar uns brigadeiros aqui na tupperware”.

Uma pintura tem as cores e os traços para compor uma experiência artística. Uma audiodescrição tem palavras, frases, entonação, pontuação vocal, ritmo em conjunto com o ambiente sonoro da obra. Esses recursos são maravilhosos, e se apropriando deles é possível ir para lugares mais poéticos, mais divertidos, mais formais ou informais.

Acredito que a AD brasileira ainda tem muitos caminhos para percorrer, e vamos construir pontes e sinalizar trilhas nos próximos anos. Bora andar!

Este texto foi escrito especialmente para o blog da LBM por Fernanda Brahemcha, Audiodescritora, Tradutora Audiovisual e amiga do ratinho.

“Cidade Invisível” e as brasilidades em inglês: quando a melhor tradução é não traduzir

No primeiro artigo do ano, Guilherme Gama, gerente de projetos da LBM, já nos brinda com polêmicas tradutórias #gostamosassim

O tradutor principal de Cidade Invisível para o inglês compartilha com os leitores da Toca do Mouse coisas que queremos saber sobre esse processo (mas não necessariamente gostamos de ouvir)!

Vamos lá?

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Em 5 de fevereiro deste ano, estreou a primeira temporada de “Cidade Invisível”, original Netflix que acompanha a trajetória de um agente da polícia ambiental do Rio de Janeiro num enredo cheio de mistérios e beirando o metafísico, envolvendo personagens do folclore brasileiro – queridos para nós, razoavelmente desconhecidos lá fora. E sempre que tratamos desse tipo de material, ouvimos uma pergunta muito frequente: como vocês traduziram X, Y, Z?

“Alô, LBM? É river dolphin ou pink river dolphin?”

A resposta, um tanto anticlimática, é quase sempre que… não traduzimos.

Convido você a uma reflexão: como se diz “pão de queijo” em inglês? “Coxinha”? “Samba-enredo”? São perguntas que surgem frequentemente entre brasileiros que têm contato com o pessoal de fora. Eu mesmo fui professor de inglês por quase 10 anos e tive que responder perguntas desse tipo. Algumas vezes sugeria soluções (meio desajeitadas, até), quando via que a pergunta vinha de uma necessidade genuína de comunicação. Afinal, por que não chamar de cheese bread se é um conceito que vai ser imediatamente entendido pelo interlocutor? Dá na mesma, não dá?

Depende. Anos atrás, eu teria adotado cheese bread sem nem pensar duas vezes, porque minhas responsabilidades eram outras. Minha missão era facilitar a comunicação entre dois ou mais indivíduos. Agora, minha responsabilidade – a nossa responsabilidade, aliás, como empresa – é de facilitar a comunicação de um material. Claro, facilitar às vezes pede adaptações, mas isso deve ser dosado. Quanto adaptar e quanto manter a fidelidade ao original? Onde fica esse limite? Essas são perguntas inerentes ao trabalho de tradução.

Aliás, a Little Brown Mouse nem sempre trabalhou com legendagem em inglês de material brasileiro. Boa parte da nossa história de 40 anos girou quase exclusivamente em torno de legendar para o mercado doméstico filmes que vinham de fora. Exceções a essa regra foram pipocando, a mais notável delas o longa “Que Horas Ela Volta?” de Anna Muylaert. Mas de uns cinco anos para cá, talvez menos, esse quadro mudou bastante. Quase da noite para o dia, tivemos um grande influxo de material tupiniquim para consumo externo: longas, séries, documentários, vídeos para redes sociais – sem contar material escrito, como roteiros, argumentos e bíblias de séries.

Independentemente do gênero, a esmagadora maioria desse material é sobre o Brasil. Sobre brasileiros em suas realidades brasileiras, tangendo a cultura brasileira por todas as perspectivas imagináveis. E traduzir o Brasil para o mundo externo é para nós motivo de muito orgulho. Mas, para fazer uma paráfrase equivocada daquela frase batida de “Homem-Aranha”, com grande orgulho vem grande responsabilidade.

(sim, eu sei que esse post é sobre “Cidade Invisível”. Já chego lá)

Inevitavelmente, quem traduz uma obra brasileira para estrangeiros está se colocando como vetor de acesso a esse material. Muitas vezes, a legenda é o único meio pelo qual uma pessoa não lusófona sequer conseguiria desfrutar daquela produção. Nossa primeira preocupação, portanto, é com essa pessoa que vai assistir. O que interessa a ela?

Esse famoso desastre teria sido evitado pelo Teste do Pão de Queijo.

Aí voltamos à questão do pão de queijo. Cheese bread vai ser entendido? Claro que vai. “Pão de queijo”, com esse rabisco esquisito em cima do “a”, não vai causar estranhamento? Talvez. Mas pensa um pouco: se a pessoa já parou o que estava fazendo para assistir a uma produção brasileira, será que usar o termo em português realmente vai ser um empecilho? Ou poderia ser um convite para ela ir buscar a informação na fonte e no idioma original?

Novamente, não existe resposta fácil, mas ao longo do tempo fomos desenvolvendo maneiras de tornar essa decisão mais consistente. Nosso processo pode ser resumido a duas perguntas de sim ou não. Não quero ser egocêntrico e batizar de Regras do Gama, então doravante vos apresento o Teste do Pão de Queijo:

  1. É importante para a obra que façamos referência especificamente a um pão de queijo?
  2. Existe um termo equivalente, razoavelmente conhecido em inglês, que vai remeter a um pão de queijo com uma margem razoavelmente baixa para ambiguidade?

A primeira pergunta é importante porque, por exemplo, podemos ter alusões figurativas como “ah, tá redondo igual um pão de queijo”. Se não for importante para a história que a pessoa se refira especificamente a um pão de queijo, podemos adaptar com alguma outra figura de linguagem.

Já se a resposta à segunda pergunta for “sim”, usamos então o termo estrangeiro. Senão, não. Aliás, muitas vezes nem consideramos o termo em português como palavra não inglesa! Por exemplo, “jaboticaba” aparece com essa grafia no dicionário Merriam-Webster e, portanto, consideramos como palavra da língua inglesa e vai na legenda sem itálicos. Já “doce de leite”, por exemplo, é vendido lá fora como dulce de leche por influência dos nossos vizinhos, e, portanto, atende à pergunta 2 do teste (sim, sim, eu sei que doce de leite uruguaio é muito diferente do nosso, mas tudo tem limite também, né?). Outra influência dos hermanos entra na nossa decisão de verter “novela” como telenovela e não soap opera, mas o motivo para isso é assunto para outro post.

Häagen-Dazs promovendo a Regra Número 2 pelo mundo.

Enfim chegamos ao “Cidade Invisível”. Traduzimos alguns termos? Algumas coisas sim. “Fubá” é corn flour ou raw corn flour, dependendo do contexto. Atende ao quesito 2 do Teste do Pão de Queijo.

Já os animais exigiram um cuidado especial. Por exemplo, o cetáceo de água doce que conhecemos como “boto” tem nome comum (e pouco criativo) em inglês: river dolphin ou pink river dolphin. Adotamos isso, fazendo questão, sempre que possível, de evitar abreviar como “dolphin” como jeito barato de economizar caracteres na legenda. Porco-do-mato? Peccary. É um termo razoavelmente conhecido e mais específico do que hog, que se refere ao porco mesmo, sem o “-do-mato”. Jacaré, por outro lado, é algo mais delicado. O termo certinho, certinho mesmo é caiman. O parentesco entre um caiman e um alligator, inclusive, é mais distante do que aquele entre o porco e o porco-do-mato. Mas esbarramos no quesito 1: um jacaré é mencionado apenas numa vez nessa temporada (spoilers!), citado de passagem e como parte de uma lista de animais que também inclui um macaco-prego (capuchin monkey). Ficamos – desta vez – com o bom e velho alligator.

E finalmente, as estrelas principais da noite, nossas figuras mitológicas. Com exceção do já citado boto cor-de-rosa, não traduzimos N-A-D-A. Cuca é Cuca, Curupira é Curupira, Saci é Saci. E feliz de quem conhecê-los por essa sensacional produção da Prodigo Filmes. Aqui na LBM somos fãs e aguardamos ansiosamente as próximas temporadas.

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Quer saber de que outros projetos originais Netflix já participamos? Dê uma olhada no nosso portfólio!

Tradução e interpretação do francês

Caro, caras e cares,

No mês de julho, realizamos uma live mara com nosso amigo e colaborador Lucas Cureau. Ele, que fez seus estudos universitários na França, incluindo graduação, pós-graduação e mestrado, tornou-se tradutor em 2009 legendando filmes. Hoje, além de traduzir, atua como intérprete na área de cooperação internacional em Brasília, trabalho que o levou a diversos cantos do mundo, em especial ao continente africano. Marrocos, Argélia, Burundi, República do Congo, Etiópia, Mali, Ruanda, Quênia, Benim e África do Sul são alguns dos países que esse intérprete globetrotter já visitou em missões!

Aqui com a LBM, Lucas já traduziu e verteu diversos materiais, entre filmes, peças publicitárias e locuções originais. Dentre os trabalhos de maior destaque estão a versão para francês da animação “Tito e os Pássaros” e a tradução para português do longa ainda inédito “A Verdade”.

Durante a live, Lucas nos contou sobre sua trajetória e algumas coisas que considera importantes para a atuação na área de tradução e interpretação nos seus pares linguísticos. E nós, que não somos bobos nem nada, trouxemos as partes mais interessantes para vocês!

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1) INTERPRETAÇÃO DE GUERRILHA

Ao retornar ao Brasil após seus estudos na França, Lucas foi contratado por uma embaixada em Brasília e passou a interpretar com bastante frequência em missões diplomáticas. Hoje, seu trabalho é focado na cooperação técnica brasileira, ou seja, ele se dedica a 1) traduzir qualquer documentação relacionada à cooperação técnica, como manuais, projetos e correspondências; 2) interpretar principalmente reuniões políticas de comitês gestores de projetos e sessões de capacitação técnica em missões internacionais.

Com as experiências acumuladas nessas andanças, Lucas cunhou o termo “interpretação de guerrilha”, que ele usa para designar a interpretação feita em condições adversas, frequentemente no campo. Segundo ele, é uma interpretação feita “sem aguinha na cabine”, e muitas vezes sem cabine também! Imagine interpretar um professor brasileiro treinando agricultores africanos francófonos com o vento batendo, pessoas caminhando em direções diversas e falando ao mesmo tempo. Talvez adicione a esse cenário um equipamento de interpretação desatualizado, que não funciona nada bem!

Lucas interpretando sobre tanques-rede à margem do Rio Níger.
Inveja, sim ou sim?

O segredo para a interpretação de guerrilha é um alto grau de reatividade e o foco em viabilizar a comunicação em todos os momentos, independentemente das condições. Citando o próprio Lucas, até a situação boa de interpretação surgir, o ínterim tem que ser interpretado de qualquer jeito. E atenção: esse modo de trabalho pode ser viciante! Apesar do longo background interpretando o alto escalão político, Lucas não dispensa uma guerrilha por nada: a realização profissional de passar conteúdo que vai transformar a vida das pessoas é insuperável.

2) ÉTICA PROFISSIONAL

Durante a live, ouvimos não só do Lucas, mas também de espectadores, que a questão da ética tem sido bastante discutida entre profissionais e acadêmicos da nossa área.

A verdade é que o profissionalismo no mundo da tradução e interpretação tem várias facetas. De forma mais ampla, é preciso valorizar e respeitar a profissão, para que a noção deletéria de que traduzir e interpretar é “bico” seja cada vez menos prevalente. E a principal parte da profissão são justamente as pessoas.

Na nossa área, temos ainda um longo caminho a percorrer em direção à colegialidade que fortalece as profissões. Vemos profissionais experientes culpando iniciantes por diversas falhas do mercado, quando, na verdade, somos nós com experiência que encaminhamos as melhores práticas e damos o exemplo. A ética passa pela troca e aprendizado entre profissionais; pela crença de que não se ganha nada “fritando o coleguinha”, como colocou Lucas.

Os deputados franceses Patrice Anato e Danièle Obono visitam a Câmara dos Deputados com acompanhamento de Lucas. Respira fundo e vai!

Partindo para a postura profissional do intérprete em campo, vemos a importância de manter o emocional sob controle e não levar nada para o lado pessoal. Dentre situações tensas, Lucas relatou que já precisou interpretar uma autoridade estrangeira cobrando uma dívida do Brasil e uma vice-ministra que desconfiava do que ele dizia, fazendo cara feia e correções desnecessárias (o que pode ocorrer quando o interpretado conhece a língua de chegada). Torta de climão!

3) FRANCOFONIA

A diversidade de sotaques e variantes não é uma dificuldade exclusiva de quem trabalha com língua francesa. Então o que a francofonia apresenta de peculiar para quem traduz e interpreta?

Lucas nos conta que o francês da capital é extremamente apegado à norma culta e considera-se o único francês “correto”. Aparentemente, o questionamento à norma culta não foi interiorizado pela elite cultural, e o apego à suposta excepcionalidade do francês padrão segue forte. É frequente que, ao escorregar no francês padrão conversando na França, você ouça em resposta: “Isso não é francês.”

Essa rigidez tem algumas implicações. Para a tradução escrita, que se vale principalmente do francês padrão, há um empobrecimento da língua e suas possibilidades. O francês falado no Canadá, por exemplo, apresenta soluções de tradução bastante diferentes e, muitas vezes, mais criativas. Já para o intérprete, que precisa variar mais o registro para contemplar a audiência, é necessária muita cautela para escolher o registro certo no contexto certo.

Lucas acompanha uma delegação de congoleses na Universidade Federal de Lavras, para um projeto de agroecologia. Vai, mundo!

O francês falado nos países africanos, além de apresentar profunda influência das línguas locais, não raro é marcado por uma variedade datada do francês padrão. Somente por esses dois traços, já é possível imaginar línguas completamente diferentes da imposta pelo colonialismo, com toda a riqueza cultural agregada. Em suas passagens pelo Benim, Lucas aprendeu que os falantes locais se despedem nos eventos dizendo Merci pour votre aimable attention (“Obrigado por sua amável atenção”), um jeito totalmente próprio (e simpático) de se comunicar. Ainda no Benim, o posto de gasolina se chama essencerie, algo como “gasolinaria”, sendo, em realidade, uma barraquinha com galões de gasolina dispostos. Conhecer a variedade a fundo, com seus detalhes até poéticos, é o que permite uma interpretação sensível e bem-sucedida.

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Foi um prazer imenso conhecer melhor a trajetória do Lucas e as particularidades do francês no âmbito da tradução e interpretação. Para assistir à live, acesse nosso insta.

Conheça melhor também nossos serviços de tradução e legendagem!

Legendagem de materiais sensíveis

Caros e caras,

No mês de junho, quando é celebrado o orgulho LGBTQ+, tivemos o prazer e a honra de receber um convidado especial para uma live no nosso Insta. Jairo Sarfati recentemente defendeu sua tese de mestrado sobre a legendagem da série RuPaul’s Drag Race (RPDR) feita por fãs, um material considerado sensível, e contou pra gente alguns pontos importantes dessa pesquisa.

Então, agora, convido a todos a deixarem o mimimi na porta e entrarem nesse universo delicado, porém esclarecedor, que é traduzir materiais sensíveis, retomando os destaques da nossa live. Com a visibilidade cada vez maior das lutas sociais, é nossa obrigação entender e aplicar esse conhecimento e respeito ao nosso ofício.

Vai lá e arrasa, bicha.

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O que são materiais sensíveis?

Como nos explicou Jairo, a sensibilidade textual é um conceito historicamente criado e aplicado aos textos sagrados. Traduzir textos religiosos significa afetar crenças, valores e tradições de uma sociedade, com impacto direto na sua cultura e ideologia. Hoje, com a ascensão das lutas sociais de grupos minoritários, entendemos que essa mesma noção de sensibilidade se estende a materiais que trazem tópicos que podem afetar como esses grupos são percebidos.

É interessante notar que a sensibilidade do material não é intrínseca a ele e tem correlação direta com o público que o recebe. Um bom exemplo está na análise da Declaração de Pequim, cuja tradução foi estudada na tese de mestrado da Ana Luisa Treichel como material sensível. Ela diz que “a Declaração de Pequim, ao tratar da promoção e defesa dos direitos das mulheres, acaba tocando em um tópico sensível para muitas nações: a posição da mulher na sociedade, o reconhecimento de seus direitos, a necessidade de sua proteção contra a violência e a crença, majoritariamente fundamentada na religião, de que mulheres são inferiores aos homens e, portanto, devem ser submissas a eles. Ao defender a igualdade entre os sexos, a Declaração de Pequim está inevitavelmente entrando em choque com essa crença. É justamente nesse ponto que reside a sensibilidade desse texto, pois ele mobiliza as crenças individuais” (pg 44).

Assim, em nações onde os direitos das mulheres é bem estabelecido, a sensibilidade do texto é menor. Já onde a defesa da igualdade é tabu, a sensibilidade do texto é altíssima.

“Eu compreendo.”

Por que RPDR é considerado um material sensível?

RuPaul’s Drag Race é um reality show de competição estadunidense, em que drag queens competem pelo título de Next Drag Superstar (Próxima Superestrela Drag). Durante algumas semanas, elas demonstram habilidades diversas, como canto, dança, comédia e costura, lideradas por RuPaul, a drag queen mais rica, famosa e influente da atualidade.

A percepção de que RPDR era um material sensível veio para Jairo durante o desenvolvimento da sua pesquisa. Ao analisar as unidades línguísticas, ele percebeu que um grande cuidado era necessário para traduzir o conteúdo sem ferir o movimento LGBTQ+. Esse cuidado é especialmente importante pois o programa é hoje considerado mainstream, tendo sido abraçado com devoção por diversas audiências além da comunidade LGBTQ+.

Um exemplo disso foi a escolha dos pronomes da legendagem. Quem assiste RPDR sabe que os episódios intercalam as aparições dos participantes em drag e sem drag. Na temporada estudada, Jairo identificou que os pronomes masculinos eram usados para as aparições sem drag, e os femininos para as aparições em drag. No entanto, havendo uma participante trans, o pronome feminino era empregado todas as vezes. Ponto pros fãs!

Por outro lado, a legendagem da primeira temporada da série na Netflix, na época do lançamento, traduzia “drag” como “travesti”, o que é uma grande bola fora. Tamanha é a confusão com os termos, que Jairo dedicou uma seção inteira da sua tese a definir termos como “drag”, “travesti” e “trans”. Felizmente, a Netflix revisa a tradução de seu conteúdo a cada 6 meses com base nas críticas dos fãs, e hoje a tradução é feita com muito mais cuidado. Ponto pra Netflix!

“Que orgulho de você.”

Como garantir que a tradução de um material sensível está adequada?

E agora? Héteros podem traduzir conteúdo LGBTQ+? Pessoas brancas podem traduzir conteúdo sobre pessoas não-brancas? Homens podem traduzir conteúdo feminista?

Jairo nos garantiu que tradução e legendagem podem sim ser feitas por pessoas que não integram uma determinada luta, porém todo cuidado é pouco. Muita pesquisa se faz necessária, e é imprescindível procurar deixar pré-concepções de lado, para que isso não afete o julgamento em relação à linguagem.

Sempre que possível, contar com o auxílio de alguém de dentro da luta é o melhor caminho. A consultoria de alguém que entende do movimento vai legitimar as escolhas e garantir não somente um texto respeitoso em relação à comunidade, mas também um que cumpra a função de levar para a sociedade em geral a percepção correta do grupo retratado.

A LBM fornece consultoria para materiais sensíveis através do serviço de leitura sensível. A leitura sensível é um trabalho de análise textual com o objetivo de identificar inadequações em um texto original ou sua tradução do ponto de vista da representação de um grupo. Ela pode e deve ser feita em materiais que tratam de minorias étnicas e raciais, questões de gênero, da comunidade LGBTQ+, infância, entre outros, sempre em parceria com profissionais dentro desse lugar de fala.

[julgando você]

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Em breve, a tese do Jairo estará disponível no repositório da UFC! Obrigada por dividir com a gente um caminho melhor e mais empático de exercer nossa profissão 🙂

“Todas juntas: ‘amor’!”

Guia de sobrevivência ao home office

Galera da quarentena,

Hoje nosso blog foi remotamente sequestrado por nosso novo tradutor e gerente de projetos, Guilherme Gama – ou só Gama, para os mais íntimos (saiba mais sobre nossa equipe clicando aqui)!

Deixo a introdução para ele, que já chegou trabalhado na relevância, dando informações valiosas para quem está tendo que encarar o home office de improviso nesses tempos aventurescos de coronavírus.

Vamos lá?

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Alô internautas e internautos de todo o Brasil e afora, e sejam bem-vindos ao nosso terceiro artigo da série A LBM, a pandemia e você. O assunto de hoje é home office (ou teletrabalho, ou “teletrampo”, como tenho lido em alguns círculos). Antes mesmo da COVID-19 tomar o mundo de sobressalto, a parcela da população que trabalha de casa já estava em alta no Brasil e agora, em tempos de crise de saúde pública e inúmeros apelos para que a população #FiqueEmCasa, não é de se espantar que um grande número de empresas peça para que seus colaboradores, bem, fiquem em casa.

Aqui na LBM, entretanto, home office não é nenhuma novidade. O ratinho já trabalha remotamente – cada um na sua toca – há muito tempo, sempre fazendo nossas entregas com a qualidade, a pontualidade e o carinho com que nossos clientes estão acostumados. E já que estamos nessa há algum tempo, agora ficamos como os Ewoks em “O Retorno de Jedi” acolhendo os recém-chegados e distribuindo colares. Pois é. Vocês agora são parte da tribo.

Sem mais delongas, aqui vão algumas dicas essenciais a quem quer mergulhar de cabeça no home office (pode descer a escadinha da piscina se preferir), em ordem de dificuldade:

1. Talvez conectar o computador à internet com um cabo de rede

Isso não é bem uma política da LBM. É mais uma recomendação minha para você que está lendo aqui, especialmente se precisar fazer muitas reuniões com vídeo.

Wi-Fi é uma tecnologia incrível, mas ainda tem suas limitações. Se as suas chamadas de vídeo estão parecendo mais aqueles depoimentos de imagem borrada dos noticiários policiais, talvez seja hora de instalar um cabo Ethernet. Dá pra comprar por metro na internet e é de fácil instalação (basta plugar uma ponta no seu roteador e outra no seu PC e voilà!). Quando seus colegas te perguntarem: “Uau! Como você faz para seu vídeo ficar com uma qualidade tão incrível?”, você pode quebrar a quarta parede e dar uma piscadela para a câmera, no melhor estilo de comerciais de TV dos anos 50.

“Dr. Strangelove, ou Como Eu Aprendi a Amar o Cabo Ethernet”

2. Centralizar toda a comunicação interna em um lugar só

Uma das inovações que fizeram o maior sucesso aqui dentro da LBM foi a adoção de uma plataforma de comunicação. Aqui a gente optou pelo Slack, mas existe um número grande de equivalentes no mercado (Hangouts Chat, Chanty, Microsoft Teams, Rocket.Chat etc.), para equipes de todos os tamanhos e com necessidades diferentes.

O conceito é simples: Em vez de ficar navegando um labirinto de e-mails, mensagens de WhatsApp, anexos e lembranças vagas de ligações telefônicas, toda a comunicação interna da equipe passa por um lugar só. A maior parte dessas plataformas permite criar canais públicos ou privados para projetos, conversas diretas e trocas de arquivos entre usuários, além de oferecer integrações com outra plataformas e serviços.

Tudo isso diminui bastante a carga de e-mails (que ficam restritos à comunicação externa) e evita aquelas situações desagradáveis de ir buscar uma mensagem enviada em agosto do ano passado para descobrir qual o prazo combinado para a etapa X do job Y, e antes que você se dê conta, você está como o Jack Nicholson em “Questão de Honra” gritando “You can’t handle the truth!”

Não vai ser dessa vez, Tom Cruise de 1992: Basta procurar dentro do canal específico do projeto, e todas as informações estarão lá.

3. …mas ter um lugar para a equipe jogar conversa fora

Parte do que torna nosso trabalho tão especial são as excelentes relações com clientes e também entre membros da equipe. Home office é prático e conveniente, mas não tem hora do cafezinho e nem bate-papo no almoço. Nem happy hour. Nem quinta-feira de trazer cupcakes. Interessante como nossas atividades sociais todas giram em volta de comida e bebida.

De qualquer modo, um espaço para bate-papo geral, sem tocar em assuntos de trabalho, é importante para uma equipe que quase nunca tem contato presencial. O Slack tem, por padrão, um canal especificamente par isso, o #random, mas como nem todos os LBMers estão no Slack, resolvemos transferir o conceito para o WhatsApp, criando um grupo chamado… #random.

Pra ser justo, uns 90% da comunicação no grupo tem sido na forma de GIFs, vídeos e fotos de gatos, cachorros e outros bichanos que encontramos pela internet. Mas ao longo da semana, às vezes é tudo isso que precisamos para manter o astral lá em cima – especialmente numa época como essa.

Um dia normal no #random

4. Autocuidado

Pois é. Eu avisei que a lista seria em ordem de dificuldade. A peça mais importante do home office é a pessoa que o ocupa. E cada pessoa é um microcosmo que inclui personalidade, experiência de vida, relações pessoais e um sem-número de outras circunstâncias.

No meu caso específico, estou chegando perto dos 40 e, portanto, a adaptação ao home office passou por uma adequação do espaço de trabalho: cadeira, teclado e mouse ergonômicos, monitor de tamanho adequado e ajustado corretamente para não forçar a vista, fones de ouvido à altura do material que recebo.

Passou também por respeitar meus limites, saber que não vou resolver todos os problemas em um dia só, e que tirar uns 10 minutos em silêncio na sacada pode fazer uma baita diferença na produtividade do resto do dia.

E finalmente, passou por aprender a desligar a cabeça quando o dia ou a semana termina e dar atenção a todas as outras coisas, pessoas, bichos e plantinhas no parapeito da janela que precisam dela.

Mas isso sou eu. Você que está lendo pode ter circunstâncias totalmente diferentes, e minha mensagem final aqui é que, caso não tenha já feito isso, você encontre o que funciona para você e seu home office. E para as suas plantinhas.

Como o blog é de cinema, termino com uma cena que me marcou muito na infância, em “Indiana Jones e a Última Cruzada”, quando o arqueólogo-título cruza o último abismo que o separa do Cálice Sagrado que trará vida a seu velho pai. Sejamos como o Dr. Jones (o filho, não o pai): atravessemos o abismo um passo tranquilo de cada vez.

Indiana Jones e os Caçadores do Equilíbrio Vida Pessoal/Vida Profissional

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