Daredevilish subtitling – quando o seguro não satisfaz a alma criativa

Colegas legendador@s e amig@s curios@s,

Vamos começar com um enigma: o que as palavras (palavras?) vagaba, caixeta e tantufas têm em comum? Pensem bem.

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Como tradutores de diálogos, realizamos nosso trabalho dentro das regras convencionadas para o nosso ramo de tradução ou estabelecidas por nossos clientes e, com os limões em mãos, fazemos nossa limonada audiovisual. Damos nosso melhor para achar soluções bacanas e inventivas para aqueles pepinos tradutórios, tomando o devido cuidado para não sair da linha. Somos bons nisso (ou ficamos, com o tempo).

Às vezes, também, fazemos a escolha de neutralizar nosso texto. Com pesar em nossos corações, desfazemos um brilhantismo oral numa chapada frase objetiva e sem ambiguidades. Estamos pensando em nossos leitores, é claro. Pick your battles, you can’t always win. Saber quando desistir e focar nos desafios que valem a pena também são habilidades requeridas. Certamente não são todos os diálogos que merecem uma noite mal dormida.

Mas há aqueles. Sabe, aqueles? Os que roubam seu sono. Vez por outra nos deparamos com diálogos que merecem nossa dedicação. Mas, é claro, todos os nossos diálogos têm 100% de nós, em teoria. Então, o que vamos dar a mais por esses diálogos?

Bem, voltemos às regras. As regras que norteiam nosso trabalho na maior parte do tempo nos ajudam a desenvolver uma tradução criteriosa e padronizada. Regras muito rígidas às vezes limitam nossa liberdade criativa, mas também limitam nosso escopo e nos ajudam a tomar decisões. Às vezes, não há regras, mas há bom senso. Talvez o bom senso seja a maior regra, a regra internalizada. Aquela vozinha que faz você apagar o que escreveu, pensando: too much, diva darling, too much. A regra interior que faz você temer o que o cliente, o público e os colegas vão pensar. Ela é prudente, e sábia também. Será que a deixamos ditar nossa tradução com demasiada frequência? Provavelmente, não.

Regras e bom senso na legendagem incluem, por exemplo, a não banalização de palavrões e palavras vulgares, o não uso de regionalismos e gírias locais que não alcançam um público mais amplo, o não uso de vocábulos que você encontria no whatsapp de adolescentes e, de forma geral, um respeito à diagonalidade do texto audiovisual, que não quer nem muito do oral, nem tudo do escrito. E não é que a gente fica bom em achar esse equilíbrio? Coisa impressionante. Mas há tempos, eu ganhei uma certeza nessa vida de tradutora: ser um bom tradutor de diálogos é, aqui e ali, jogar tudo pra cima e salvar um diálogo, só um, da morte, esquecimento e pior, da sem-graceza.

Então, o que mais daremos por AQUELES diálogos? Nossa ousadia!

Let’s risk it all.

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Quero agora apresentar alguns exemplos de situações aqui na LBM em que ousamos. Situações bem pontuais em que resolvemos não deixar para lá, fosse usando palavras extremamente informais, do vernáculo oral ou até mesmo inventando um pouco. Vamos lá!

Exemplo ousado #1:

No filme “Canibais” que traduzimos para a Paris Filmes, a tradução não deu trabalho. No entanto, encontramos uma brecha para marcar a memória dos leitores. Quando as amigas se despedem, a vulgaridade rola solta!

A assonância ficou prejudicada, mas a vagaba salvou o dia!

 

Exemplo ousado #2:

Numa dada cena de “Inatividade Paranormal 2” (PlayArte Pictures), Malcolm entra no quarto da sua enteada atrás de uma caixeta amaldiçoada… Caixeta?

https://youtu.be/mDRFiHyr7Uo

Imaginem que coisa mais chata escrever “caixa” naquelas legendas, que tristeza!

Pausa para cultura quase inútil: vocês sabem o que é uma boceta? Mas que pouca vergonha… Peraí gente, uma boceta é uma caixa pequena! Sim, uma caixeta. Juro, olhem:

s. f. || dimin. de caixa: o mesmo que boceta.

Leia mais: http://www.aulete.com.br/caixeta#ixzz3h6JezfF1

Mentes ativas começam a achar conexões de sinonímia, mas e daí? Pouca gente conhece a acepção original do que é hoje um baita palavrão e não ia dar muita sutileza. Mas… e a caixeta? Que bela rima! Final feliz.

Exemplo muito ousado #3:

Este é um personal favorite, sem dúvida. Em “Virando a Página” (Diamond Films), o professor de Screenwriting (Hugh Grant) faz a chamada dos seus alunos. Ele faz muitos trocadilhos com a língua. É também sedutor e não leva as aulas a sério. E agora?

https://youtu.be/gwxarzQd5LI

Either ou either? Tantufas!

PS: a marcação presente nesse vídeo não foi feita pela LBM, apenas a tradução.

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Então, é isso. Pequenas ousadias que lavam a alma e nos mantêm no caminho. Elas são muito importantes! Por isso, convido todos os colegas legendadores a enviar seus exemplos de daredevilish subtitling para nós. Recriarei este post mensalmente com exemplos ousados, engraçados e geniais de todos que quiserem colaborar. Envie seu vídeo legendado para blog@www.littlebrownmouse.com.br/toca-do-mouse. Não precisa ser em inglês, ok?

Beijas e até a próxima!