“Cidade Invisível” e as brasilidades em inglês: quando a melhor tradução é não traduzir

No primeiro artigo do ano, Guilherme Gama, gerente de projetos da LBM, já nos brinda com polêmicas tradutórias #gostamosassim

O tradutor principal de Cidade Invisível para o inglês compartilha com os leitores da Toca do Mouse coisas que queremos saber sobre esse processo (mas não necessariamente gostamos de ouvir)!

Vamos lá?

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Em 5 de fevereiro deste ano, estreou a primeira temporada de “Cidade Invisível”, original Netflix que acompanha a trajetória de um agente da polícia ambiental do Rio de Janeiro num enredo cheio de mistérios e beirando o metafísico, envolvendo personagens do folclore brasileiro – queridos para nós, razoavelmente desconhecidos lá fora. E sempre que tratamos desse tipo de material, ouvimos uma pergunta muito frequente: como vocês traduziram X, Y, Z?

“Alô, LBM? É river dolphin ou pink river dolphin?”

A resposta, um tanto anticlimática, é quase sempre que… não traduzimos.

Convido você a uma reflexão: como se diz “pão de queijo” em inglês? “Coxinha”? “Samba-enredo”? São perguntas que surgem frequentemente entre brasileiros que têm contato com o pessoal de fora. Eu mesmo fui professor de inglês por quase 10 anos e tive que responder perguntas desse tipo. Algumas vezes sugeria soluções (meio desajeitadas, até), quando via que a pergunta vinha de uma necessidade genuína de comunicação. Afinal, por que não chamar de cheese bread se é um conceito que vai ser imediatamente entendido pelo interlocutor? Dá na mesma, não dá?

Depende. Anos atrás, eu teria adotado cheese bread sem nem pensar duas vezes, porque minhas responsabilidades eram outras. Minha missão era facilitar a comunicação entre dois ou mais indivíduos. Agora, minha responsabilidade – a nossa responsabilidade, aliás, como empresa – é de facilitar a comunicação de um material. Claro, facilitar às vezes pede adaptações, mas isso deve ser dosado. Quanto adaptar e quanto manter a fidelidade ao original? Onde fica esse limite? Essas são perguntas inerentes ao trabalho de tradução.

Aliás, a Little Brown Mouse nem sempre trabalhou com legendagem em inglês de material brasileiro. Boa parte da nossa história de 40 anos girou quase exclusivamente em torno de legendar para o mercado doméstico filmes que vinham de fora. Exceções a essa regra foram pipocando, a mais notável delas o longa “Que Horas Ela Volta?” de Anna Muylaert. Mas de uns cinco anos para cá, talvez menos, esse quadro mudou bastante. Quase da noite para o dia, tivemos um grande influxo de material tupiniquim para consumo externo: longas, séries, documentários, vídeos para redes sociais – sem contar material escrito, como roteiros, argumentos e bíblias de séries.

Independentemente do gênero, a esmagadora maioria desse material é sobre o Brasil. Sobre brasileiros em suas realidades brasileiras, tangendo a cultura brasileira por todas as perspectivas imagináveis. E traduzir o Brasil para o mundo externo é para nós motivo de muito orgulho. Mas, para fazer uma paráfrase equivocada daquela frase batida de “Homem-Aranha”, com grande orgulho vem grande responsabilidade.

(sim, eu sei que esse post é sobre “Cidade Invisível”. Já chego lá)

Inevitavelmente, quem traduz uma obra brasileira para estrangeiros está se colocando como vetor de acesso a esse material. Muitas vezes, a legenda é o único meio pelo qual uma pessoa não lusófona sequer conseguiria desfrutar daquela produção. Nossa primeira preocupação, portanto, é com essa pessoa que vai assistir. O que interessa a ela?

Esse famoso desastre teria sido evitado pelo Teste do Pão de Queijo.

Aí voltamos à questão do pão de queijo. Cheese bread vai ser entendido? Claro que vai. “Pão de queijo”, com esse rabisco esquisito em cima do “a”, não vai causar estranhamento? Talvez. Mas pensa um pouco: se a pessoa já parou o que estava fazendo para assistir a uma produção brasileira, será que usar o termo em português realmente vai ser um empecilho? Ou poderia ser um convite para ela ir buscar a informação na fonte e no idioma original?

Novamente, não existe resposta fácil, mas ao longo do tempo fomos desenvolvendo maneiras de tornar essa decisão mais consistente. Nosso processo pode ser resumido a duas perguntas de sim ou não. Não quero ser egocêntrico e batizar de Regras do Gama, então doravante vos apresento o Teste do Pão de Queijo:

  1. É importante para a obra que façamos referência especificamente a um pão de queijo?
  2. Existe um termo equivalente, razoavelmente conhecido em inglês, que vai remeter a um pão de queijo com uma margem razoavelmente baixa para ambiguidade?

A primeira pergunta é importante porque, por exemplo, podemos ter alusões figurativas como “ah, tá redondo igual um pão de queijo”. Se não for importante para a história que a pessoa se refira especificamente a um pão de queijo, podemos adaptar com alguma outra figura de linguagem.

Já se a resposta à segunda pergunta for “sim”, usamos então o termo estrangeiro. Senão, não. Aliás, muitas vezes nem consideramos o termo em português como palavra não inglesa! Por exemplo, “jaboticaba” aparece com essa grafia no dicionário Merriam-Webster e, portanto, consideramos como palavra da língua inglesa e vai na legenda sem itálicos. Já “doce de leite”, por exemplo, é vendido lá fora como dulce de leche por influência dos nossos vizinhos, e, portanto, atende à pergunta 2 do teste (sim, sim, eu sei que doce de leite uruguaio é muito diferente do nosso, mas tudo tem limite também, né?). Outra influência dos hermanos entra na nossa decisão de verter “novela” como telenovela e não soap opera, mas o motivo para isso é assunto para outro post.

Häagen-Dazs promovendo a Regra Número 2 pelo mundo.

Enfim chegamos ao “Cidade Invisível”. Traduzimos alguns termos? Algumas coisas sim. “Fubá” é corn flour ou raw corn flour, dependendo do contexto. Atende ao quesito 2 do Teste do Pão de Queijo.

Já os animais exigiram um cuidado especial. Por exemplo, o cetáceo de água doce que conhecemos como “boto” tem nome comum (e pouco criativo) em inglês: river dolphin ou pink river dolphin. Adotamos isso, fazendo questão, sempre que possível, de evitar abreviar como “dolphin” como jeito barato de economizar caracteres na legenda. Porco-do-mato? Peccary. É um termo razoavelmente conhecido e mais específico do que hog, que se refere ao porco mesmo, sem o “-do-mato”. Jacaré, por outro lado, é algo mais delicado. O termo certinho, certinho mesmo é caiman. O parentesco entre um caiman e um alligator, inclusive, é mais distante do que aquele entre o porco e o porco-do-mato. Mas esbarramos no quesito 1: um jacaré é mencionado apenas numa vez nessa temporada (spoilers!), citado de passagem e como parte de uma lista de animais que também inclui um macaco-prego (capuchin monkey). Ficamos – desta vez – com o bom e velho alligator.

E finalmente, as estrelas principais da noite, nossas figuras mitológicas. Com exceção do já citado boto cor-de-rosa, não traduzimos N-A-D-A. Cuca é Cuca, Curupira é Curupira, Saci é Saci. E feliz de quem conhecê-los por essa sensacional produção da Prodigo Filmes. Aqui na LBM somos fãs e aguardamos ansiosamente as próximas temporadas.

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Quer saber de que outros projetos originais Netflix já participamos? Dê uma olhada no nosso portfólio!

A LBM em cartaz: Outubro

Boas, car@s amig@s!

Como de costume e tradição, trazemos o nosso boletim mensal para a apreciação dos nossos leitores. Neste mês de outubro, provavelmente por ocasião da assombração do Dia das Bruxas, tivemos apenas uma estreia nas telonas. Mas não fiquem tristes; vamos contar outras novidades bacaninhas 🙂 Podemos?

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A MALDIÇÃO DA FLORESTA

Na primeira semana do mês, estreamos com esse terror trazido sempre pela nossa parceira dos filmes apavorantes, a PlayArte Pictures. O filme se passa na Irlanda, o que já é bem refreshing para um filme de terror, e traz a temática do território proibido, sendo esse uma floresta onde habitam criaturas mágicas e não necessariamente muito gente fina. O filme teve uma boa recepção com a crítica, tendo obtido uma média de três estrelas. Eis um bom resumo tirado da crítica do Cinepop: “”A Maldição da Floresta” é um terror cult, sem sustos fáceis, que não deve agradar a todos – mas agradará em cheio aqueles que gostam de filmes nesse estilo.”

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É muita simpatia e carisma. Como resistir?

O título original do filme, “The Hallow”, vem da própria designação dos habitantes da floresta, chamadas de hallow. A tradução em português ficou como “criaturas”, a pedido da própria distribuidora. A ideia é padronizar as traduções para legendagem e dublagem e isso mostra que nem sempre decidimos todos os termos como tradutores. Ah, e como recordar é viver, vale a pena dizer de novo: nós nunca escolhemos o título do filme em português.

Mas para quem acha que traduzir filme de terror é mamão com açúcar, melhor desconfiar sempre. “A Maldição da Floresta”, aparentemente sem pegadinhas, trazia vocabulário do folclore irlandês como “The Good People”. “Os gente boa”? Não! “Os seres mágicos”, aqueles que habitam a floresta.

 

A LBM NO GOOGLE CAMPUS

No dia 14, a LBM participou de um evento no Google Campus a convite da Abrates. Foi uma manhã de palestras muito gostosa que tinha como objetivo informar os atuais e futuros donos de start-ups sobre a importância de se contratar tradução profissional. Falamos sobre tradução audiovisual, passando por diferentes modalidades e seu alcance e aspectos mercadológicos de cada uma. Além da LBM, estiveram presentes o Fabiano Cid, da Ccaps, que introduziu o universo da tradução profissional, e a Val Ivonico, que fechou o evento falando sobre tradução e tecnologia.

O apaixonante material do Google Campus.

Para quem não sabe, o Google Campus é um espaço voltado para o empreendedorismo. São andares e mais andares com espaços para eventos e palestras, um espaço de co-working aberto para qualquer pessoa e um café supergostoso também. O campus oferece um programa de residência em empreendedorismo para quem pensa em seguir esse caminho; vale a pena ficar ligado na inscrições.

Para acessar o Google Campus para um evento, trabalhar no co-working ou apenas tomar um café, basta fazer  a inscrição no site e pegar sua credencial. Todas as atividades e espaços são abertos ao público em geral e gratuitos.

Esse foi o primeiro evento de tradução que a Abrates por lá, mas não será o último! Acompanhe a programação de eventos da Abrates seguindo a fanpage.

 

O COMEÇO DA VIDA – A SÉRIE

Já falamos sobre “O Começo da Vida” muitas vezes aqui no blog. O documentário que está conquistando o mundo foi traduzido com muito amor e carinho em parceria com a Maria Farinha Filmes para seis línguas. No entanto, não paramos por aí: seguimos fazendo micro-conteúdos que são divulgados diariamente pela Maria Farinha e seus parceiros e complementam a missão de espalhar as melhores informações sobre a primeira infância.

A nossa incrível novidade agora é que o nosso CDV virou uma série e ela chega amanhã ao Netflix! Os seis episódios podem ser vistos com legendas em português em inglês by LBM. A série traz partes já encontradas no longa, mas também muitas gravações inéditas. Os episódios estão divididos por tema, o que também ajuda muito na absorção das informações. Uma lindeza.

Resultado de imagem para o começo da vida

Para partilhar da nossa alegria com vocês, estamos oferecendo pôsteres em tamanho cinema do filme para quem quiser ter uma lembrança na parede de casa. Como são grandes, pedimos que os interessados possam retirar os pôsteres em São Paulo ou Rio capital, ok? É só escrever para blog@www.littlebrownmouse.com.br/toca-do-mouse pedindo 🙂

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Voltamos em novembro com mais!