Daredevilish Subtitling III – Especial Netflix

Intrépid@s leitor@s,

Hoje, fazemos uma pausa após quatro semanas seguidas comentando estreias. Ufa! Mas isso não é motivo para lamentações. Nesta quinta, essa janelinha dará espaço à terceira edição do “Daredevilish Subtitling”, nossa série de posts sobre ousadias em legendagem. Se você perdeu as duas primeiras edições, clique aqui.

Anteriormente, nos dedicamos basicamente a mostrar exemplos internos. Para democratizar a bagaça, hoje trazemos apenas exemplos encontrados externamente, mais especificamente na Netflix. A qualidade das legendas do Netflix é sempre tema de muita discussão na nossa área, mas principalmente junto aos assinantes da plataforma. Pasmem, chegou até no Reclame Aqui!

Se todos os espectadores fossem educados assim, eu até pensaria em ser legendadora.

O aprendiz de língua japonesa só se equivocou em um aspecto: qualidade de tradução não é um aspecto bobo. Não sabemos se as reclamações específicas dele procedem, porém sabemos que um punhado de gente em geral tem as mesmas queixas. Quem trabalha legendando para a Netflix há algum tempo sabe que as diretrizes mudaram de uns tempos para cá, e agora ela exige vários tipos de padronização que não existiam no início do serviço. Também foi lançada a plataforma Hermes para seleção de tradutores em resposta a uma suposta “dificuldade em arranjar legendadores” (os desempregado pira). Qualquer pessoa pode se candidatar através da plataforma para tentar a sorte, e o feedback geral é que a maioria das pessoas não é aprovada – a nota de corte é altíssima.

Notem que minha observação a seguir é baseada meramente em percepção, mas a qualidade da tradução das séries originais produzidas pela Netflix mais recentemente está melhor. Melhor não somente por não apresentar tantos erros básicos ou mais graves, mas a naturalidade dos diálogos me parece mantida com mais facilidade, com mais coloquialidade e maior fluidez gramatical. Isso sem contar as muitas ousadias que já testemunhei, causando reações que vão desde engasgar com o lanche da tarde até me pegar gargalhando alguns dias depois por causa de uma legenda.

Apesar de o ratinho estar todo saidinho na capa chamando as miga de loca, os exemplos de hoje são ousadias mais sutis, mas que deixaram a legenda tão luminosa que deu vontade de levantar para polir a tela. As ousadias tradutórias envolvendo assuntos relacionados a sexo e linguagem vulgar são as mais fáceis de encontrar (não que sejam de fato fáceis de encontrar) e abundaram nas duas primeiras edições. Então, hoje, fiquem com essas pequenas pérolas de inocência.

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Exemplo ousado #1

ODIOSO

O primeiro exemplo de hoje não é particularmente ousado tanto quanto é um excelente uso da língua portuguesa. A verdade é que o trecho todo que separamos aqui é um show de naturalidade em tradução de diálogos. Mas vamos ao vídeo:

Primeiramente, a fala “Why do you smell like Christmas?” foi traduzida como “Que cheiro de Natal é esse?”, uma adaptação não literal tão natural que passa pela fala de qualquer brasileiro. Depois, a expressão “feels right” foi traduzida como “tem a ver”, dando sequência impecável à naturalidade. E aí, para fechar numa reviravolta chocante, “I hate this day” foi traduzido como “Que dia odioso”. Esse adjetivo, “odioso”, é uma palavra que usamos pouco, causa estranhamento. Numa tradução em outro contexto, em que talvez o termo “hateful” fosse empregado, provavelmente o leitor já sentiria a necessidade de uma adaptação. No entanto aqui, onde nenhum adjetivo foi empregado em inglês, o tradutor optou por usar um em português e o jeito de falar ficou muito peculiar, meio engraçado. Soa como se alguém em português estivesse propositalmente empregando esse vocábulo meio incomum para chamar a atenção, não é? Mil pontos para esse tradutor que equilibrou todas as bolas no nariz e criou um trecho invejável!

 

Exemplo ousado #2

GOIABINHA

Essa série “Big Mouth” chegou roubando o meu coração, foi um binge-watching lascado. É o exemplo mais recente de todos, e me pareceu que a tradução da série toda tomou muita liberdade e foi uma experiência muito agradável ler as legendas. O trecho a seguir mandou ver na adaptação e, enfim, dispensa comentários!

 

Exemplo ousado #3

SEMANCOL

Todo mundo que assiste a “Stranger Things” se apaixona por aqueles meninos e o jeito deles de falar. Cada um com seu jeito peculiar, eles são juvenis e sofisticados ao mesmo tempo. Isso sem contar que trata-se da década de 80, com todas as suas características marcantes. Dá uma olhada no trecho abaixo:

O Semancol, esse remédio que a gente às vezes tem vontade de prescrever mesmo sem diploma de médico, foi uma solução genial e bastante ousada para adaptar “obliviousness”. Essa palavra difícil de sofisticada que o Dustin usou poderia ter encontrado uma tradução mais literal e perfeitamente adequada, mas o efeito não teria sido o mesmo, e nem a comicidade da fala teria permanecido a mesma. Mandar um semancol ali conjurou toda a aura que o momento pedia para o personagem: maturidade, superioridade e um certo quê de coisa antiquada.

E vocês, como teriam traduzido?

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Seguimos firmes recolhendo material para as próximas edições! Mandem seus próprios exemplos audazes ou de outrem para ola@www.littlebrownmouse.com.br/toca-do-mouse e nos ajudem a dar sequência na série 🙂

A LBM em cartaz: “Uma Razão Para Viver” e “Maria”

Car@s colegas,

Voltamos hoje com a programação normal de quinta-feira, depois do pequeno bug que nos fez perder a mão no calendário das últimas duas semanas! Procuramos da melhor forma nos redimir com um post no último domingo. Se você ainda não leu, clique aqui.

Anyways, vida que segue né, amoras? Esta semana, chegamos chegando com uma dobradinha nas estreias: um nacional e um internacional; um documentário e uma ficção; uma protagonista mulher e um protagonista homem. Affe, diz aí: é muita versatilidade, né não?

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Depois de um longo trajeto (o documentário concorreu no festival É Tudo Verdade, passou pelo Festival do Rio e pela Mostra de SP), o filme “Maria – Não se Esqueça que Eu Venho dos Trópicos” finalmente chega ao circuito cult nacional. A produção é uma visão geral sobre a carreira e vida pessoal da artista brasileira Maria Martins, pouco conhecida no próprio país, mas um expoente internacional no mundo das artes. Para simplificar, a mulher era um lacre sem fim. No começo do século passado, ela se divorciou de um homem poderoso, casou de novo, virou escultora, teve ateliê em NY, onde reunia a nata da arte mundial, tinha um casamento aberto e teve um romance com Marcel Duchamp, tendo sido uma grande influenciadora da arte dele (e não o contrário, valeu, críticos machistas do universo?). Assista ao trailer:

A obra de Maria Martins foi uma parte importante do nosso surrealismo, e se conectava com a sexualidade humana em vários níveis. Em sua crítica ao filme, Leonardo Ribeiro aponta: “Se valendo de um vasto acervo de imagens dos trabalhos, cartas, vídeos e fotografias particulares, o longa transmite com eficácia o olhar instigante e o desejo de subversão da protagonista, externado através da exploração do corpo humano (…).” Em tempos de reacionarismo quase medieval na nossa sociedade, em que a nudez e a relação orgânica com o corpo nu têm sido colocadas em foco como algo problemático, entrar em contato com a obra de Maria pode ser um sopro de ar fresco. Leia a crítica na íntegra aqui.

“O Impossível”. Qualquer associação a corpos nus e sexualidade NÃO É MERA COINCIDÊNCIA.

A produção é falada em português e inglês, e ganhou legendas by LBM nas duas línguas para ser exibido internacionalmente e agora por aqui, em salas selecionadas.

Hoje também, a Diamond Films traz para as telonas “Uma Razão Para Viver”. O drama no estilo cinematográfico britânico num estilo mais clássico foi dirigido por Andy Serkis, responsável pela caracterização de personagens épicos como a criatura Gollum (“O Senhor dos Anéis”) e o macaco César (“Planeta dos Macacos”). É no mínimo surpreendente que alguém associado a criações tão futuristas tenha dado início à sua carreira de diretor com um filme tão conservador, ainda retratando a trajetória de um homem que fica tetraplégico por causa da polio. Ou seja: zero movimento! 😨

O fato obviamente não passou despercebido por nenhum crítico. Dessa vez, no entanto, preferimos focar na reação do coração. Trouxemos para vocês o vídeo do canal The Reel Rejects, com o pessoal reagindo ao trailer em tempo real e fazendo comentários interessantes sobre Andrew Garfield! Sem spoilers, em inglês.

Aqui para os lados do ratinho, a novidade ficou por conta da assinatura: pela primeira vez, um colaborador nosso pôde assinar sua tradução junto ao crédito da LBM. A estreia da nova política nos deixa muito contentes e esperamos que traga satisfação e bons frutos para nossos colaboradores também! Para marcar a ocasião, convidamos a tradutora do filme, Samantha Silveira, para dividir conosco um pouco da experiência dela:

O filme tem um pano de fundo histórico, da época em que o Quênia era uma colônia britânica, mas o foco é a história pessoal do casal central. Apesar da gravidade da doença, os personagens são bem-humorados. Isso ajudou na tradução! Claro que, por ser um filme de época, foi preciso tomar cuidado com o registro, mas a linguagem dos diálogos era irreverente. A parte mais complicada foi a terminologia relativa ao cuidado médico, mas não era um jargão maçante que pesava no filme. Além disso, a fotografia é linda, e isso trazia leveza pra um tema tão complicado.

Parece que alguém gostou do filme!

Sempre bom renovar as esperanças com uma história de superação!

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Assim acaba mais uma edição do LBM em cartaz! Gostou ou amou? Deixe seus comentários e até semana que vem 😉

 

A LBM em cartaz: “Mark Felt”

Car@s coleg@s,

Para a estreia desta quinta nublada, trouxemos nosso espião gerente João Artur de volta. Ele veio comentar “Mark Felt – O Homem que Derrubou a Casa Branca”, coisa sigilosa e ultrassecreta!

Se não quiser virar cúmplice, não leia!

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No atual cenário político do Brasil, a história de Mark Felt ganha contornos bem especiais. Afinal, um agente do FBI que provoca a renúncia (ou era isso ou era o impeachment) de um presidente (Nixon) após um escândalo de espionagem eleitoral poderia levantar vários pontos em comum com situações recentes na memória do povo brasileiro e cujos desdobramentos ainda estamos vivendo.

Nós também!

Em “Mark Felt – O Homem que Derrubou a Casa Branca”, Liam Neeson (“A Lista de Schindler”, “Busca Implacável”, “Silêncio”) dá vida ao agente do FBI que, secretamente, vazou informações para a imprensa americana sobre a invasão da sede do partido democrata no edifício Watergate, que virou sinônimo de escândalo. É sério! A língua inglesa e sua maravilhosa plasticidade logo adotou “-gate” como sufixo que indica escândalo. Divirta-se com essa incrível lista de escândalos com o sufixo “-gate”.

O atuação de Neeson dispensa comentários e mostra uma faceta humana do agente do FBI que é frequentemente reduzido aos feitos entregues por sua infame alcunha, “Garganta Profunda” – analogia que foi fruto do sucesso do filme pornográfico de mesmo nome naquele ano de 1972.

MOMENTO CURIOSIDADE!

“Lovelace”, a cinebiografia de Linda Boreman, a estrela de “Garganta Profunda”, foi traduzida pelo sócio-pai nos idos de 2013. No filme, Linda é interpretada por Amanda Seyfried.

O assunto segue polêmico, Seyfried.

Para quem quer fazer o dever de casa completo sobre o Escândalo de Watergate no cinema, o ratinho recomenda “Todos os Homens do Presidente” (1976), filme que venceu 4 estatuetas do Oscar e conta com atuações brilhantes de Dustin Hoffman e Robert Redford. A perspectiva narrativa desta vez é a dos jornalistas do Washington Post que colaboraram com Felt no vazamento de informações sobre as investigações de Nixon e seus aliados. Emocionante? Pode apostar!

Para não dizer que não falamos de tradução… além da dificuldade inerente a um filme recheado de termos políticos próprios de um sistema bem diferente do nosso, que precisam ser traduzidos ou adaptados e exigem muita pesquisa, vale destacar a atmosfera de suspense que envolve vários momentos do filme. Em diversas cenas, Felt encara seus próprios colegas e subordinados no FBI que nem suspeitam de sua atividade e todo cuidado é pouco na escolha do vocabulário para não escorregar e soltar informações antes da hora. Afinal quem sabe o quê? Desde quando? Enfim, todos esses detalhes devem ser levados em conta na hora de traduzir as falas de um homem que detém informações que podem derrubar a Casa Branca.

Espera… esse é outro filme!

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Obrigada Johnny! Voltamos semana que vem com mais uma estreia 🙂

Restrições na TAV: aceita que dói menos!

Nesta quinta, o blog traz um guest post do nosso amigo e colega Paulo Noriega, autor do blog “Traduzindo a Dublagem“. O tema que ele escolheu abordar é bem pertinente: como lidar com as restrições que encontramos na TAV, que nos impedem de incluir na nossa tradução todo o conteúdo que gostaríamos? Pesquisas indicam que clientes também precisam ler este texto!

Segue 🙂

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Primeiramente, muito obrigado à Ligia (e ao ratinho, claro!) pelo convite e a oportunidade de escrever para o blog da LBM que, há anos, faz um trabalho de excelência no campo da legendagem e agora está se aventurando nas águas da acessibilidade com uma equipe incrivelmente competente e composta por amigos queridos.

Pensando sobre o que eu poderia escrever, resolvi aproveitar este espaço e expor um pouco os meus pensamentos acerca de um assunto que não só aparece com frequência nas conversas ao se falar de dublagem e legendagem, como também é algo que os profissionais que visem atuar nessas áreas precisam ter em mente: a tal da restrição.

Espera, que tipo de restrição?

Calma que eu chego lá! Antes vamos pensar em uma das modalidades tradutórias mais antigas: a literária. Com o surgimento de tantas editoras pelo mundo ao longo das décadas, e com a chegada de tantas traduções às livrarias mensalmente, pare para pensar nos livros que você já leu. Quantos tinham notas de rodapé, prefácios, posfácios ou até mesmo notas do tradutor? Muitos podem não ter tudo que listei, mas a questão é que todos são recursos possíveis de serem utilizados em uma tradução literária.

Entretanto, se migrarmos para o campo de TAV (tradução audiovisual), a coisa já muda de figura, né? Afinal, nenhum dos recursos que citei acima pode se aplicar às modalidades de TAV, como a dublagem e a legendagem, foco deste post. Como todos que já viram qualquer obra audiovisual, seja dublada ou legendada, a veiculação da mensagem presente nas produções é imediata. Pescou, pescou. Não pescou, não pesca mais. Não vai aparecer um asterisco com uma nota na parte inferior da tela explicando a adaptação de uma piada ou de um trocadilho. Não há nada que sirva de suporte para justificar as soluções tradutórias, o que há é apenas a imagem e a palavra, escrita ou falada, se retroalimentando a todo instante.

#cerverórepresenta

Entendido isso, chegamos à tal da restrição. Diferentemente do livro em que não há uma limitação para se transmitir a mensagem do original, tanto a dublagem quanto a legendagem compartilham desta característica inerente, mas, obviamente, são  limitações de naturezas diferentes. Enquanto que na legendagem existem os softwares que “apitam” e indicam quando uma legenda ultrapassou o número permitido de caracteres, na dublagem, o buraco é um pouco mais embaixo. Isso porque nela o que dita quais informações conseguirão ser veiculadas na nossa língua é a boca dos personagens, um fator subjetivo e que costuma levar um certo tempo até o tradutor desse segmento conseguir dominar. Em outras palavras, ser capaz de fazer a informação do original “caber” na boca dos personagens, como costumamos falar na área.

Além do caráter restritivo de ambos os campos, ainda há um agravante: diversos estudos linguísticos mostram que as palavras não só da língua portuguesa, como das demais línguas neolatinas, a exemplo do espanhol, do italiano e do francês são, por excelência, maiores do que as da língua inglesa, idioma de partida predominante no mercado de TAV brasileiro. Levando tudo isso em consideração, como é possível, não só o telespectador como nós mesmos, tradutores dessas áreas, exigirmos que o conteúdo presente em cada fala nas produções seja repassado integralmente para o nosso português brasileiro? É justo que acusem a dublagem e a legendagem de modalidades infiéis de tradução, sendo que existem esses fatores que vão infinitamente além e transcendem qualquer profissional que atue nesses campos? Deixo essa reflexão no ar…

“Mas Paulo, aonde você quer chegar com toda essa história de restrição e o escambau?” Calma que eu chego lá também! Eu me lembro de que quando fiz um curso de tradução para legendas lááá em 2012, sendo que já havia feito um de tradução para dublagem dois anos antes, eu sentia uma agonia constante por ter que condensar TANTO a tradução ao fazer os exercícios. Quando a professora do curso de legendagem nos passou um exercício da série House, às vezes, só com o nome da doença, metade do espaço da legenda já ia embora! DESESPERO TOTAL!

Na minha cabeça, a legendagem conseguia ser mais restritiva do que sua modalidade irmã, porém, ao longo do meu tempo de carreira como tradutor especializado no campo de dublagem, vi que, na verdade, ambas sofrem da mesma forma. Eu mesmo já lidei com várias produções em que eu me sentia produzindo “falas de legenda”, como minha amiga tradutora, Dilma Machado, gosta de falar. Já houve casos em que eu tive de enxugar tanto a fala de certos personagens, que era como se eu estivesse legendando.

Rick fazendo apologia ao consumo de filmes dublados?

Acredito que a quantidade de informações que conseguirá ser passada na tradução de ambos os segmentos depende de diversos fatores como o ritmo de fala dos personagens, o número de referências culturais, a quantidade de piadinhas, trocadilhos e piadas, enfim… costumo dizer que há produtos que “colaboram” mais com o tradutor e outros menos, por assim dizer. É vital entender que cada produção sempre terá suas particularidades e, por mais que a produção original “colabore” com personagens falando mais devagar ou não tendo tanto conteúdo que exija um nível maior de adaptação, haverá algumas coisinhas que sempre ficarão de fora, não tem jeito.

Saber filtrar informações é uma das principais qualidades que um tradutor audiovisual precisa ter. Através de muito estudo e muita prática, ele terá que analisar a todo instante quais são as informações do original que não podem deixar de estar presentes em seu ato tradutório.  É um filtro subjetivo? De certa forma, sim. Às vezes o que é crucial para mim, pode não ser tanto para outro colega. No entanto, há casos em que fica muito evidente o que deve ou não ser transmitido, mas como diz o sábio ditado: “a prática leva à perfeição.”

Por fim, ao entendermos a existência desse caráter restritivo, mas sem escapatória, da nossa querida TAV, qual é a dica que posso deixar para que não só os tradutores para dublagem e legendagem já atuantes, como também os aspirantes, possam realizar seu trabalho sem culpa? A saída, meu caro leitor do blog do ratinho, é mais simples do que parece: SE LIBERTA! Se liberta das amarras de querer veicular e transmitir o conteúdo integral das produções estrangeiras, pois, como já disse, é impossível.

Junte-se à seita de tradutores de TAV mais feliz do planeta.

Enquanto esse conflito interno existir (e acredite, ele existiu dentro de mim durante um certo tempo), isso pode atrapalhar seu trabalho e, muitas vezes, te levar a momentos de frustração. Falando em bom português, o melhor é “aceitar que dói menos”. Abrace a restrição existente nessas duas modalidades irmãs e esforce-se para identificar aquilo que é essencial, de modo que os nossos telespectadores possam se aproximar ao máximo da experiência dos telespectadores da língua de partida. Dessa forma, eu, você e todos nós poderemos continuar a desfrutar de tantas produções audiovisuais maravilhosas que não param de chegar, sejam legendadas ou dubladas. 😉

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Paulo Noriega é tradutor do par de idiomas inglês-português especializado no campo de tradução para dublagem. É Bacharel e Especialista em tradução pela PUC-Rio. Presta serviços de tradução para dublagem dos mais diversos gêneros e traduziu mais de 250 horas de produções audiovisuais. É palestrante e autor do blog “Traduzindo a dublagem“, um dos primeiros blogs brasileiros inteiramente dedicado à tradução para dublagem.

A LBM em cartaz: “Amityville – O Despertar”

Bu! Resultado de imagem para emoji scary

Hoje o ratinho chega trazendo para vocês a estreia apavorante da semana: “Amityville – O Despertar”. O filme estreou ontem com boas críticas por toda parte, o que, convenhamos, não é feito fácil de se atingir em se tratando de um filme de terror!

A Carol Moreira fez a crítica dela a “It – A Coisa” e “Amityville – O Despertar” num só vídeo, nos dando já um bom panorama sobre os dois filmes e o que pode dar certo ou errado em filmes de terror em relação ao público leigo:

It, segura aqui minha cerveja que tem Amityville em cartaz e eu tô atrasada!

Recalque do ratinho por não ter traduzido "It"? Talvez.

O motivo para a boa aceitação é uma série de fatores que, combinados, resultam num bom filme do gênero. A tradução audiovisual pode ajudar ou atrapalhar um filme de terror?

Bora descobrir.

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Vamos começar pelo elenco de peso da vila da Amity, impressionante para um filme de terror: Jennifer Jason Leigh, diva de terror dos anos 90; Jennifer Morrison, que passou de serviçal de monstro em “House” a monster herself em “Era Uma Vez” (spoiler!); Bella Thorne, nova queridinha do rolê hollywoodiano; Cameron Monaghan, que andou fazendo boas séries como “Gotham” e “Shameless”; e a baixinha McKenna Grace que, como já disse a Carol Moreira, mandou horrores (ah, a infâmia!) no filme e já está com um currículo filmográfico invejável para quem ainda está aprendendo a tabuada na escola.

Mckenna sem dúvida sabe a tabuada melhor que nós, tradutores.

Bom, mas elenco firmeza não põe mesa (alguém viu “As Duas Faces da Lei” com Robert e Al? G-zuis). Filme de terror bom tem que ter suspense na medida e sustos genuínos. Tudo isso se consegue através de elementos cinematográficos específicos, os quais já começamos a discutir aqui no blog (leia aqui). A música, por exemplo, é essencial nos filmes de terror. A música não pode entregar o jumpscare, ficando mais tensa logo antes de um acontecimento chave.

Um bom jumpscare de Amityville! Sorry not sorry.

De forma semelhante, precisamos evitar certas mancadas na tradução. Uma delas é usar palavras meio, digamos, “bobas”, que podem tirar a seriedade do filme. Por exemplo, quem leva a palavra “malvado” a sério, ainda mais depois de “Meu Malvado Favorito”? “Maligno” ou “diabólico” parecem opções mais tensas e que não estragam a experiência do leitor.

Passando para a acessibilidade, uma coisa é certa: é delicado escrever um roteiro de audiodescrição sem adiantar os sustos, de forma a não interferir na experiência do público com deficiência visual. Encontrar os momentos certos para inserir as descrições e torná-las críveis não é bolinho. Além disso, para este filme especificamente, procuramos referências em audiolivros e radionovelas para dar um tom especial à audiodescrição. Afinal, ela se soma ao filme e ajuda a contar a história e, convenhamos, nada mais legal que uma voz trevosa e no tom certo pra dar vida a cada detalhe do filme.

“Família reunida na sala de estar para tomar sustos”, relatou a fonte histórica.

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Voltamos semana que vem com comentários de uma comédia nacional que vai fazer a jiripoca piar!