Cinema para tradutores de AV: O diálogo como elemento gráfico

Olar, 2018!

Chegamos nesse janeirão lindo com o segundo post da série “Cinema Para Tradutores de AV”, em colaboração com nosso finalizador e editor Ivan M. Franco (saiba mais sobre a nossa equipe!). Se você perdeu o primeiro, clique aqui. Se não, vamos que vamos.

***

Como uma arte recente, o audiovisual ainda é uma área com possibilidades vastas. Há poucas décadas que o som foi introduzido aos filmes como elemento diegético. O maior medo de Eisenstein era o de sons serem introduzidos aos filmes sem contexto, como, por exemplo, trilhas musicais. Isso significa que muitos elementos surgiram – e irão continuar surgindo – frutos de necessidades técnicas, ou então apenas experimentações.

Aceita que dói menos, Eisenstein.

Antes do som, elementos gráficos cumpriam seu papel comunicativo no cinema mudo: liam-se os diálogos apresentados antes ou depois, em cartelas. Somente essa opção já compreende diversas interpretações sobre o contexto do diálogo. A arte da montagem e da edição andava de mãos dadas com o uso das cartelas que traziam os diálogos, ordenando sequências para contar uma história que fazia uso de todos os elementos possíveis, dando sentido e ritmo para o espectador. Se um diálogo tiver uma edição apenas funcional, teremos algo parecido com uma novela: um plano geral para situar o diálogo num espaço. Vez ou outra, vemos a reação da personagem que apenas ouve, para efeitos dramáticos. Mas tirando a linguagem corporal e audiovisual, teremos questões com o idioma falado pelas personagens. 

Então, temos legendas. Elas não interferem nas atuações e nem exigem alterações drásticas de áudio. São o artifício final quando se trata de baixo custo e globalização de uma obra. Mesmo legendas tendo surgido em filmes antes da sincronia de som com imagem, ainda são negligenciadas como recurso narrativo. Ainda entendemos legendas como uma muleta para a cisão que são as línguas humanas. Em se tratando de legendas tradutórias, descritivas ou transcritivas, podemos afirmar com toda a certeza que a montagem/edição não é feita levando em consideração o espaço que ocuparão na tela e, consequentemente, como irão interferir na narrativa visual.

Montagem  + legenda = ?

As soluções, é claro, ficam a cargo dos legendadores, e nem sempre são satisfatórias. Muitas vezes, é preciso escolher: respeitar o corte de cena e deixar o tempo leitura ruim, ou respeitar o tempo de leitura e deixar a legenda vazar para a cena seguinte, interferindo com a estética. Uma solução elegante para que legendas possam coexistir com a arte de um filme são as legendas eletrônicas: projetadas fora da tela – mas dentro do campo de visão do espectador – elas cumprem sua função sem a exigência de adaptação da linguagem audiovisual. Mas o fato de estarem fora da tela também exige do olhar, que precisa viajar muito, e acaba tornando a leitura mais cansativa e desconectada da imagem. Ou seja: em algum aspecto, saímos perdendo.

Das poucas vezes em que as legendas foram utilizadas como ferramentas da narração, destacam-se as comédias: “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de Woody Allen – onde legendas numa cena mostram o que as personagens estão pensando; e “Máquina Quase Mortífera”, na qual o policial interpretado por Emilio Stevez tropeça nas legendas durante uma perseguição. No primeiro, a legenda insere uma nova camada narrativa: o espectador tem mais capacidade para compreender a trama e seus personagens. Já no segundo, as legendas estão dentro do universo do filme, de uma maneira surreal, mas que o espectador é capaz de compreender. O interessante é entender que a piada no filme com Emilio Stevez é justamente a de que legendas podem atrapalhar. Elas entram no campo de visão destinado para contemplação fotográfica. Voltamos à questão da edição: quando um filme é feito, raramente se considera a possibilidade de legendas sendo incorporadas ao quadro.

Legendas de diálogos internos em “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” trazem verdades.

Não é que os roteiristas, diretores e montadores precisem se limitar enquanto autores. É o contrário: estamos num momento em que se exige criatividade para solucionar uma questão da legendagem. Talvez seja o melhor momento para inovações na área e a quebra de paradigmas clássicos, ao que se somam as questões de acessibilidade. Não é à toa que quadrinhos e jogos eletrônicos só foram considerados arte neste século: eles trazem as possibilidades de exploração que só a marginalidade pode fornecer. Aguardamos cenas dos próximos capítulos!

***

Legal, né? Descubra mais sobre nossos serviços de pós-produção e legendagem!

2017: Um ano para lembrar

Mais-do-que-querid@s leitor@s,

No último dia do ano, enquanto todos se preparam para estourar a champanhe, nós aqui da LBM sentimos que realmente há muito a ser comemorado. Não pretendemos dizer, é claro, que foi um bom ano por todos os ângulos, ou que não estamos apavorados com o cenário político e social. Mas tivemos, sim, a sorte de ter um grande ano de crescimento como equipe, baseado em muito esforço e aprendizado.

Eu, em meu traje regular de trabalho.

Este post não é para tirar ninguém dos preparativos das festanças de réveillon, mas gostaríamos de compartilhar rapidinho com todos vocês algumas das coisas tão bacanas que tornaram este ano marcante para o ratinho e seus discípulos, começando pelo conjunto das nossas estreias no cinema. Vejam só todos os filmes de cuja legendagem tivemos o prazer de participar!

Eita que esse scroll-down vai longe!

Foram 26 estreias no total. Desse total, 24 filmes de ficção e dois documentários, seis filmes nacionais e 20 internacionais. O Google Analytics da floresta não parou de trabalhar! Foram comédias, dramas, suspenses, filmes de terror a perder de vista; obras americanas, inglesas, francesas, argentinas e, sobretudo, obras cinematográficas brasileiras da primeira grandeza que nos encheram de orgulho mundo afora. Fizemos versões para quatro línguas diferentes que levaram esses filmes para os principais festivais do mundo! E, não podemos esquecer, recebemos a honra máxima da Academia: levamos o Oscar de melhor filme com “Moonlight – Sob a Luz do Luar” com nossas legendas elogiadíssimas.

Nada disso teria sido possível sem nossos maravilhosos colaboradores de tradução e legendagem, que tiveram papel fundamental na construção da qualidade de trabalho pela qual tanto prezamos. Com o coração transbordando, agradecemos a Paula Barreto, Fernanda Leme, Jorge Castagnino, Guilherme Ferreira, Juliana Lopes, Samantha Silveira, Salmer Borges, Eduardo Lasota, Ana Paula Baesso, Lucas Cureau, Jürgen Dittberner e Luiza Frizzo.

Além do circuito tradicional, traduzimos muito outros conteúdos, como vídeos de publicidade, roteiros, pílulas e outros materiais de apoio.

Mas 2017 não foi apenas mais um ano de sucesso na tradução e legendagem; foi o ano da acessibilidade na LBM! Nossas parcerias com as pessoas mais dedicadas, competentes e talentosas do mercado tornaram a nossa empresa uma referência em acessibilidade audiovisual, um trabalho pioneiro que fizemos com muito carinho e nos comprometemos a aprimorar e expandir cada vez mais. Paloma Bueno Fernandes, Christiano Torreão e equipe do Estúdio Eclipse, Ana Paula Schneider, NGB Estúdios e Ivan M. Franco: muito obrigada por fazerem acontecer.

2017 foi só o começo.

Agradecimentos especiais também aos colegas que escreveram textos incríveis para este blog, mantendo nosso diário de TAV interessante e relevante: Paulo Noriega, Vanessa Bocchi, Ivan M. Franco, e mais todos que aqui e ali escreveram parágrafos que ajudaram a contar a história dos filmes que traduzimos.

E, por fim, precisamos dar o salve maior para aqueles que nos confiam seus preciosos materiais, sabendo que ninguém cuidará deles como nós. Nossos parceiros deste ano: Diamond Films, Paris Filmes, Gullane Entretenimento, Maria Farinha Filmes, Instituto Alana, PlayArte Pictures, Academia de Filmes, Filmland, Imovision, Mar Filmes, Bossa Nova Films, REC Filmes, Fox Films, Losbragas, e nossos amigos e colegas Laura Futuro, Juca Diaz e Gaby Ruffino – um sincero obrigada!

***

Escrevo aqui pela equipe de gerência da LBM, mas já que estou no papel da registradora de emoções, aproveito para agradecer meu parceiro de todas as horas e jobs, João Artur “Johnny”, que só faz me salvar em meio ao olho do furacão profissional, além de ser meu irmão gêmeo separado na maternidade; e ao sócio-pai, por nos dar força e sustentação para corrermos atrás dos nossos sonhos de TAV que cada vez mais se tornam realidade. <3

Espero daqui a um ano reescrever este post com muito mais coisas pelas quais ser grata e pessoas fantásticas para agradecer. Para encerrar, um brinde aos nossos leitores! Até 2018 😉

A LBM em cartaz: “Suburbicon”

Car@s leitor@s,

“É só um chute, mas me deu a sensação de que, na opinião de Clooney, os Estados Unidos da época de Eisenhower tinham um problema com racismo. Caramba, quem poderia adivinhar?”

Moradores superbacanas de Suburbicon dando as boas-vindas à nova vizinha.

***

A frase aí em cima é uma tradução livre de um trecho da crítica de Anthony Lane para a revista (maravilhosa) The New Yorker sobre o filme “Suburbicon – Bem-vindos ao Paraíso”. Clooney (George para as groupies) é o diretor da obra, que desengavetou esse roteiro dos Irmãos Coen, além de assiná-lo junto com eles. Pelo comentário de Lane, já sabemos que a temática está um pouco batida para o público americano. Porém, para nós por aqui, esse imbroglio racial estadunidense da década de 50 não é tão óbvio, e a mão dos Irmãos Coen torna tudo mais peculiar!

Para além de conexões óbvias com a gestão Trump e paralelos com eventos fascistoides recentes aqui no Brasil, aqui da parte da LBM nos chamou a atenção o fato de o filme conversar com um fenômeno real dos centros urbanos, que é o isolamento das pessoas em condomínios e bairros planejados. Numa versão ainda mais assustadora, vimos surgir cidades que são conglomerados de condomínios, como a nossa Alphaville aqui em São Paulo.

Em uma palestra para o Café Filosófico, o psicanalista Christian Dunker – que já amamos desde “Nunca Me Sonharam” – conta como essa tendência pela busca do isolamento entre iguais para escapar ao mal-estar social acaba agravando nossas neuroses individuais e sociais, já dando a dica de que esse escape causa mais problemas do que soluções. Em “Suburbicon”, a presença da nova  (e única) família negra no bairro traz à tona esse mal-estar dentre os que não toleram a diversidade, mostrando nos subsequentes atos violentos contra a família a real faceta da comunidade. Vale a pena tirar um tempinho para assistir aqui.

Ainda no tema, recomendamos o longa brasileiro “O Som ao Redor”, do diretor Eduardo Coutinho.

Mas voltando ao nosso paradisíaco Suburbicon, algo que parece ser unanimidade entre críticos e o público maior são as atuações. O elenco de peso conta com Julianne Moore, as incríveis crianças Noah Jupe e Tony Espinosa, além de Matt Damon num papel que, talvez pela primeira vez na história, é tão odioso que fica impossível torcer por ele. Para coroar, um brilhante Oscar Isaac sequestra o filme com apenas duas cenas (Academia, cadê o Oscar do Oscar?). Jeremy Jahns não resistiu aos talentos de Isaac e confundiu as coisas. Assista ao vídeo em inglês na íntegra aqui.

 

Por essa riqueza de discussões que o filme traz, com personagens interessantes e bem interpretados e legendagem da equipe liderada pelo roedor mais incrível do Brasil, recomendamos o filme como programa de fim de ano 😉 Em vez de ficar fazendo sala pro Tio do Pavê (todo mundo tem um!), vai esperar a ceia de Natal vendo “Suburbicon” no cinema!

A LBM em cartaz: “Perfeita é a Mãe 2”

Dezembrão chegou e a gente tá como? Estreando o primeiro filme natalino do ano!

A incrível tradição hollywoodiana de lançar filmes temáticos na época das festas de fim de ano se mantém e, nesta quinta, a estreia de semana vai para quem se amarra numa aventura de Natal. Exceto que, dessa vez, tem que se amarrar num palavrão também!

Pra quem ainda não pegou o espírito da coisa.

***

“Perfeita é a Mãe 2” é a sequência da comédia que o ratinho legendou no ano passado. Para quem não assistiu, está lá na Netflix com a nossa tradução! O filme original foi uma boa comédia, que introduziu um grupo de jovens mães frustradas com a sobrecarga da jornada dupla entre casa e trabalho que decide tacar o ****-se e se divertir um pouco. A gente esperava uma sequência bacana, mas ficou surpreso com a qualidade do filme. Some às pressões da vida materna a pressão do Natal e da relação das mães com as suas próprias mães e XABLAU! Comédia histérica de engraçada.

Sim, essa cena existe. Sim, o filme é imperdível.

O filme tem muitas piadas incríveis e já adiantamos que vai render uma edição especial de “Daredevilish Subtitling” só dele. Porém, para não dar spoilers e acabar com a brincadeira, resolvemos focar hoje num aspecto importante e não muito discutido da nossa área: a revisão. Um processo de revisão bem estabelecido é essencial para legendas de qualidade. Já percebeu quando um texto desce redondinho? Pode ter certeza de que ele tem a mão do revisor. Afinal, ele não está ali apenas para corrigir erros, mas para fazer que um texto atinja todo o seu potencial; em outras palavras: para transformar um bom texto num excelente texto.

Num filme com muitas piadas, trocadilhos e sacadas inteligentes como é o caso de “Perfeita é a Mãe 2”, a revisão tem o papel extra de dosar e tarimbar as escolhas do tradutor, validando o que ele entende como boas soluções. Sabemos que os tradutores costumam ser heróis anônimos, mas… e os revisores? São eles que salvam! Não à toa, eles também tem seu dia: 28/3. Aproveite as liquidações de começo de ano para comprar um presente bacana para quem salva sua pele!

Revisar exige um conjunto de habilidades que vão além de conhecimento linguístico. Como a Mitsue Siqueira e o Bruno Fontes apontaram em um texto para o blog Revisão Para Quê?, é necessário ter “discernimento para propor correções pertinentes, paciência para trabalhar textos de baixa qualidade e muito tato para enviar feedbacks, principalmente quando não são agradáveis”. Para tanto, experiência em revisão inclui não só revisar os textos de outrem, mas ter suas traduções revisadas e aprender com isso. Além disso, há cursos de especialização em revisão; você pode conferir uma lista deles feita também pelo blog Revisão Para Quê? clicando aqui.

Medo encontra a curiosidade mórbida enquanto aguardamos a revisão do nosso material.

Para esse nosso filme boca suja, contamos com um tradutor principal, uma revisora e um controle de qualidade.  Juliana Lopes é revisora de TAV com ampla experiência na TV a cabo e paciência de Jó com tradutores perfeccionistas. Ela colaborou recentemente com o ratinho e veio contar um pouco sobre a experiência de revisar “Perfeita é a Mãe 2”. Juliana não usa collant ou capa (usa?), mas é nossa heroína hoje.

Particularmente, sempre achei a revisão de legendas um trabalho divertidíssimo. Perfeita é a Mãe 2 é um daqueles filmes que consegue deixar a tarefa ainda mais divertida, a ponto de eu precisar dar pausas no vídeo para rir das piadas. Como moro no Porto, em Portugal, decidi checar a experiência de ver o filme no cinema com uma audiência portuguesa – e, é claro, com uma legenda portuguesa também. Apesar de terem sido mais conservadores na tradução dos palavrões, o que diminuiu o impacto e a graça de algumas cenas para mim, isso não impediu que o público gargalhasse, sem exageros, o filme praticamente todo.

Por falar em palavrões, confesso que a quantidade que encontrei nas legendas brasileiras me assustou à primeira vista (nada de puritanismo, é só mesmo o costume à censura das legendas para a TV). Passado o susto inicial, no entanto, comemorei. Levando em consideração que este filme fala sobre mulheres que estão cansadas de serem perfeitas para agradarem os outros, os palavrões e a decisão de traduzi-los na legenda funcionam como um dedo do meio para aqueles que ainda cobram determinados comportamentos das mulheres em geral. Não dá para imaginar a desbocada Carla ou sua mãe falando expressões suavizadas para agradar a moral e os bons costumes. Além disso, o estresse do Natal, com os presentes, as comidas, as decorações, as tradições e, acima de tudo, com a família, é o suficiente para Amy, Kiki e Carla – ou qualquer um de nós – mandarem tudo para a puta que pariu!”

***

Para celebrar a estreia, estamos oferecendo para nossos leitores uma lembrança muito especial. Trata-se de um caderninho com ilustração do designer Renan Salotto, costurado à mão, trazendo o ratinho no papel da protagonista do filme, Amy.

Olha lá o dedinho do meio levantado, coisa mimosa <3

O sketchbook de “Perfeita é a Mãe” foi um dos muitos da série que fizemos ano passado com várias de nossas estreias para presentear clientes, colaboradores e amigos, e agora a última peça pode ser sua! O caderninho vem num lindo saquinho de algodão com a estampa do ratinho apresentando a “LBM e você em cartaz”. Para levar essa peça única para casa, basta compartilhar este texto no Face e mencionar nele o seu palavrão preferido! Pro ratinho saber, compartilhe direto da nossa página do Face, ok?

Até semana que vem!

A LBM em cartaz: “Patti Cake$”

Rapaziada, Johnny Boy na parada

Pra contar a história dessa mina bolada

Que de bolinho não tem nada

Lil B. Mauz, 2017

 

***

Patti Cake$, quem é essa mina? 

Patricia Dombrowski mora com a mãe e a avó, e as três cortam um dobrado pra manter as contas em dia. A saúde debilitada da ácida porém carismática avó da moça, interpretada pela veterana Cathy Moriarty, e o comportamento errático da mãe, Barb (Bridget Everett), apenas tornam a vida da jovem ainda mais complicada. As contas se amontoam e um emprego já não é mais o suficiente. Será que sobra tempo para correr atrás do sonho de ser rapper e dar uma vida melhor para todo mundo? Essa grande pergunta move o filme, mas não sem alguns percalços e personagens adoráveis para nos guiar pelo caminho. O Ministério do Rap adverte: esse post fica muito mais legal quando lido com a trilha sonora INCRÍVEL do filme: Apple Music e iTunes e Spotify.

Essa semana vim falar de um filme que tem os dois pés na quebrada e o linguajar das minas e dos manos. Uma questão de agendas e uma intensa vivência em escolas públicas da capital do Rio de Janeiro me tornaram o mais apto à tarefa. Das várias reflexões que esse filme despertou em mim, destaquei uma bem relacionada à linguagem para compartilhar com vocês e aproveitei para relacionar minhas ideias a um post muito bacana de um colega. Espero que gostem.

 

As (várias) traduções de bitch

Se tem uma coisa que eu adoro num trabalho, é receber carta branca ou o mais perto possível disso, principalmente em obras desafiadoras e/ou naquelas que possuem algum compromisso com a oralidade em seus roteiros. Quem me conhece pessoalmente sabe do carinho que tenho por roteiros com diálogos bem escritos e com uma boa dose de naturalidade; refletida na legendagem, é claro. E “Patti Cake$”, distribuído pela RT Features, é um terreno fértil para isso: gírias aos baldes, tiradas divertidas, sacadas geniais e tudo ao som de batalhas de rap que exalam tensão; afinal, a intenção numa batalha dessas é, digamos… desmerecer o coleguinha. E ao longo de “Patti Cake$”, não só das batalhas, temos uma chuva de bitch! O filme foi traduzido no começo de setembro, a tempo para a pré-estreia no Festival do Rio, mas quiseram os astros que no dia 9 deste mês de novembro o professor John Whitlam, da pós-graduação em tradução da Estácio de Sá, publicasse um post que teve tudo a ver com a tradução desse filme.

Essa é pra quem não sabia que “bitch” tem várias traduções!

Foi muito curioso encontrar um eco tão forte das minhas reflexões no post de um colega. E para deixar isso claro vou citar alguns trechos do post do meu xará inglês. Ah, é claro que ler o post original vai ajudar sua compreensão, mas vamos lá:

 

  1. De forma resumida, Whitlam argumenta que em filmes, séries e realities traduzidos na TV brasileira (essa tá na nossa conta, hein, pessoal da TAV?) o termo bitch constantemente é traduzido como “vadia” ou “vagabunda”, ou seja, fazendo referência ao comportamento sexual da mulher, o que raramente é verdade nos dias de hoje.
  2. Com base nisso, o autor desenvolve um raciocínio muito interessante sobre a etimologia da palavra e seus possíveis usos, apresentando possíveis soluções mais adequadas para o termo. Mas vamos arregaçar as mangas e falar da Patricia Bolinho$ na prática!

 

Logo no começo do filme, um integrante de um grupo de rap com letras pra lá de machistas e agressivas quase atropela nossa heroína e solta um sonoro:

 

“A parada é GSM, vaca!”

 

GSM = Goon Squad Mob, um grupo de rap.

 

Esse é o exemplo clássico em que bitch pode ser traduzido por praticamente qualquer coisa negativa, como “escrota”, “vacilona” ou, se você estiver se sentindo mais conservador, “babaca”.

 

Mais tarde, numa batalha de rap, um dos integrantes do Goon Squad de descendência italiana, manda a letra já num contexto em que mostra desprezo por mulheres:

 

“ganho dinheiro que nem o De Niro

em seu carrão

 

vadias, cheguei,

quero calcinhas no chão”

 

Nenhuma surpresa aí, afinal é a tradução mais esperada para o termo. Mas como muito sagazmente John Whitlam apontou, as rappers feministas se apropriaram do termo e deram uma conotação positiva a ele, uma conotação de “poderosa”, e essa é que mais chama a atenção no filme. Afinal, Patti Cake$ é uma boss bitch, e ninguém a convence do contrário, nem a realidade contrastante com suas letras. Por isso ela diz para o espelho:

 

“Você é gata,

um mulherão da porra

Para mim, por mais que a gente se sinta vivido, “descolado”, culto e por dentro dos assuntos é sempre bom ter humildade e reconhecer a importância dos colegas de trabalho. Nesse filme, por exemplo, o olhar da Ligia foi essencial para chancelar as escolhas tradutórias e percepções sobre as personagens femininas. Na minha leitura, Patti Cake$, sua mãe Barb e avó, Nana, formam um núcleo de três gerações de mulheres fortes e que contam umas com as outras para superar as dificuldades impostas pela vida. Em última instância, “Patti Cake$” é uma história de sororidade e empoderamento, tanto que antes de encarar um grande desafio, nossa heroína diz:

 

“A oportunidade bate à minha porta,

eu chego de sola

 

um brinde à Patti, gatas

 

Vou me despedindo por aqui, mas espero voltar em breve com mais temas bacanas sobre tradução. Espero que esse post, ao expandir a discussão originalmente proposta por John Whitlam, contribua para outros tradutores e entusiastas da tradução. Você tem alguma crítica ou sugestão? Fala que eu te escuto! Eu tenho uma dica: assista “Patti Cake$”.