A LBM em cartaz: “Bingo – O Rei das Manhãs”

3, 2, 1… NO AR!

Hoje, “Bingo – O Rei das Manhãs” está estreando no circuito nacional e nós viemos contar para vocês como o ratinho anda de palhaçada com esse filme há um bom tempo.

Da legendagem à acessibilidade, ele passou por nós em diferentes momentos. Mas antes de entrarmos nos detalhes de TAV, a gente precisa falar sobre esse filmão. O filme está sendo um baita sucesso de crítica e é uma obra-prima do Daniel Rezende, diretor debutante, porém muito experiente. Ele esteve envolvido como editor desde o início com o projeto de renovação do cinema nacional, em filmes como “Diários de Motocicleta”, “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. Achamos uma vídeo-crítica que resume muito bem o que pensamos sobre o filme:

Mas e aí, mouse? O que você tem a ver com isso?

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Tudo começou há cerca de um ano, quando um corte preliminar do Bingo chegou à LBM através da parceira de longa data Gullane Entretenimento para ser legendado em inglês. E assim foi feito. As legendas foram aprontadas e ficamos no aguardo da exibição do filme em algum festival. Essa é uma trajetória comum para filmes brasileiros; serem exibidos em festivais internacionais antes de estrearem por aqui. São várias versões diferentes que percorrem os circuitos internacionais até o corte final ser fechado e exibido nos nossos cinemas. Em entrevista ao site Adoro Cinema, no entanto, o diretor disse mesmo que não havia feito o filme pensando em festivais. ”Fiz esse filme pensando em fazer um grande filme, o melhor filme que eu pudesse fazer.” Ok, Mr. Rezende! Não há dúvidas de que o filme ganhará o mundo com a tradução do ratinho. Ficamos no aguardo!

Dá uma ligada quando nossas legendas estiverem famosas.

Mais recentemente, perto da sua estreia, o palhaço mais querido do Brasil pediu ajuda ao mouse para chegar a todos os públicos. O filme teve toda a sua acessibilidade feita com a gente, que curtiu muito essa honra e agora queremos dividir algumas curiosidades com vocês. A voz da audiodescrição, por exemplo, ficou por conta do parceiro Christiano Torreão, nosso diretor de audiodescrição, que adorava o palhaço e ficou amarradão de trabalhar com o filme. A audiodescrição, que ocorre nos silêncios, ganha força quando há muita ação sem falas. Dizem as más línguas que as cenas audiodescritas de oba-oba entre Bingo e a mulherada vai mexer com a imaginação da galera!

Torreão e seu buddy Augusto Madeira na pré-estreia no Rio. Augusto interpreta o cinegrafista e amigo de balada do Bingo.

Já para a janela de Libras, muita preparação foi necessária para a interpretação. Nossa intérprete maravilhouser se preparou muito e gastou um tempão criando novos sinais. Para quem não sabe, todas as pessoas são identificadas por um sinal específico em Libras. É possível soletrar o nome com o alfabeto manual, claro, mas um sinal identificador facilita muito e cria uma identidade bacana com a língua também. No filme, em especial, em que precisamos acompanhar a velocidade da fala, soletrar toma muito tempo e é mais difícil de acompanhar. Assim, as personagens principais ganham sinais. Olha como ficou o sinal do Bingo:

Felizmente, a Paloma tem o nariz parecido com o do Bingo, o que ajudou na interpretação do personagem.

É comum que os sinais que referenciam pessoas se apropriem de alguma característica física delas. Nesse sentido, o filme trouxe algo inusitado para nossa tradução em Libras. Durante boa parte da história, o palhaço Bingo interage com Sr. Olsen, um cara meio velho, meio chato, que é um gringo que veio ao Brasil supervisionar o início da franquia do programa no Brasil. Na nossa tradução, o personagem foi identificado por um sinal que fazia menção ao seus óculos, com a intérprete levando uma mão fazendo círculo vazado ao olho.

Mr. Walker, digo, Olsen.

Mas, como diria o Bingo, a vida não é mole, não. Em diversos momentos, o Bingo se dirige ao Sr. Olsen como Sr. Parker, Sr. Walker, e assim vai, cada vez com um sobrenome diferente, mostrando total descaso com quem ele é. Como levar isso para tradução em Libras? Achamos a solução fazendo variações do sinal original dos óculos, por vezes levando as duas mãos ao rosto, outras vezes fazendo os óculos meio tortos. Paloma disse que foi algo inédito para ela! Mas legal mesmo foi interpretar a Gretchen dançando a Conga, não foi, Paloma?

Conga, la conga, conga conga conga

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Por fim, só podemos dizer uma coisa: corram para o cinema para assistir ao filme, é imperdível. Como diz o Tiago Belotti no vídeo, “clássico nacional instantâneo”.

Semana que vem voltamos com a estreia e comentários de tradução e acessibilidade de “Como Nossos Pais”, mais um filme nacional chegando com o pé na porta.

Tchau, amiguinhos!

Meu, aqui em Sampa também teve pré-estreia, meu.

Cinema para tradutores de AV: Os elementos cinematográficos

Car@ tradutor@,

Se você é tradutor de AV, com certeza já interagiu com alguém que babou no seu ofício: “Nossa, que trabalho maneiro!”. Verdade que encontramos dificuldades e percalços pelo caminho, mas nossa profissão é de fato muito maneira. O principal motivo pelo qual se demonstra tanto interesse e admiração pelo que fazemos é que manipulamos muitos materiais audiovisuais. “Você trabalha assistindo a vários filmes e séries!”. Mais uma vez, verdade seja dita, muitas vezes legendamos materiais que não causariam muita inveja na galera, mas trabalho é trabalho e nem tudo são flores.

Mas pendendo para o lado realmente interessante, que é assistir a muitos filmes e séries, você já parou para se perguntar, como tradutor de AV, o quanto você entende de cinema e o quanto o seu conhecimento da área influi no seu trabalho? Ou mesmo como curioso, já pensou em como o seu entendimento dos elementos cinematográficos te ajuda a entender uma produção audiovisual e se relacionar com ela? Interessar-se por cinema é o pré-requisito mais importante para ser tradutor audiovisual, mas se considerarmos a TAV uma etapa da pós-produção do filme, o que ela de fato é, entender de cinema se torna condição sine qua non para atingir um nível de qualidade elevado na tradução.

Pensando nisso, resolvemos trazer para você uma série de posts que vai ajudar a todos a entender mais sobre cinema e transportar isso para os nossos trabalhos com TAV e nossas vidas de espectador também. Em colaboração com o editor e finalizador da m.art.ucci Ivan M. Franco, trazemos nesta quinta a primeira edição da série. Vamos lá?

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Quando imaginamos um diálogo qualquer entre duas pessoas, utilizamos artifícios comuns e já estruturados nas formas narrativas conhecidas: podemos imaginar esse diálogo escrito como em romances, separado por travessões entre cada personagem; talvez com balões mostrando quem diz cada fala num quadrinho. Em um filme, provavelmente nós faríamos como um diretor: as pessoas envolvidas não ficam completamente de frente uma para a outra, mas um tanto perpendicular, para que a câmera possa enquadrá-las e captar um número maior de gestos e expressões.

No cinema, essa maneira de apresentar um diálogo já é considerada como clássica, o enquadramento comumente usado para situar pessoas e diálogos em um determinado ambiente de forma eficiente. Após estabelecer a posição das personagens dentro daquele local, podemos trocar os pontos de vista e acrescentar novos elementos e camadas ao diálogo.  Isso pode ser feito de inúmeras maneiras: um enquadramento baixo virado para cima pode causar a impressão de superioridade de uma personagem sobre a outra; um enquadramento muito fechado nos olhos pode demonstrar surpresa (ou basta contratar o Marlon Teixeira); algumas perspectivas podem ser completamente subjetivas, através do uso de pontos de vista peculiares, seja de animais ou até de objetos inanimados. Tudo isso ainda é considerado clássico.

Quem quiser ter acesso ao precioso material completo de expressões faciais, pode acessar a matéria do BuzzFeed em https://www.buzzfeed.com/raphaelevangelista/e-impossivel-ficar-indiferente-as-sete-caras-do-cinema?utm_term=.ctvzxgeG6#.gn5VDJna7
Expressão de surpresa by Marlon Teixeira. Quem quiser ter acesso ao precioso material completo de expressões faciais, pode acessar a matéria do BuzzFeed aqui.

Esses recursos narrativos vêm de um planejamento anterior e passam, de maneira resumida, pelo roteiro, direção de fotografia, direção de atores e edição. Mas resumir dessa forma é desconsiderar cada outro elemento que acompanha uma narrativa audiovisual: deixamos de citar as cores usadas, caso sejam usadas cores; a produção de arte e todo seu figurino ficam negligenciados; o próprio trabalho dos atores fica em segundo plano.  Queremos dizer que cada profissional ou artista responsável por algum elemento da narrativa precisa considerar os outros elementos para que a obra possa expressar ao máximo o que o autor pretende. Se por alguma razão o filme for preto e branco, não fará muito sentido o diretor de arte trabalhar com milhares de cores diferentes. O cinema é uma arte feita por muitos autores, por mais que seja idealizada por apenas uma pessoa.

Ao chegar à tradução audiovisual, é a nossa vez de considerar o máximo de elementos em cena para fazer o nosso trabalho. Apenas escutar a fala e olhar brevemente para a cena, desconsiderando as sutilezas que marcam aquele momento pode, em menor escala, tirar da beleza que um diálogo traduzido com sensibilidade cinematográfica poderia adicionar à cena; ou, em maior escala, causar discrepâncias e tornar grosseira a TAV. Dar atenção ao enquadramento permite que as falas traduzidas acompanhem a intensidade desejada pela cena. De forma semelhante, a luz e cor apresentadas pela produção dizem muito sobre o que se quer comunicar ao espectador, bem como as palavras escolhidas na tradução. Assim, se luz e iluminação são relevantes para o filme, devem ser para a tradução também.

O filme vencedor do Oscar deste ano “Moonlight – Sob a Luz do Luar”, legendado pela LBM, dá vida à dura vivência do protagonista Chiron, menino negro, pobre, mãe dependente química, que se descobre homossexual, acaba espancado, vai preso e se torna traficante de drogas. Diante dessa sinopse, o tradutor poderia facilmente adotar uma linguagem igualmente dura todo o tempo, que refletisse a realidade ali ilustrada. As cores do filme, no entanto, vêm nos dizer o oposto: ao dividir o filme em três capítulos, cada qual com um tratamento de cor diferente, a produção se afasta de um registro realista e documental para criar uma atmosfera onírica, em que o espectador não só é testemunha dos duros eventos vividos por Chiron, mas também pode mergulhar na sua vida emocional.

Em outubro do ano passado, o IndieWire publicou um artigo extremamente detalhado sobre esse aspecto do filme, com imagens inéditas que comparavam cenas do filme extraídas diretamente da câmera e suas versões pós tratamento (leia o texto em inglês na íntegra aqui). Na imagem abaixo do ator Mahershala Ali, vemos que a alta saturação deixa o visual muito mais quente, trazendo mais textura ao tom de pele. Não coincidentemente, o primeiro capítulo do filme traz diálogos de reflexão sobre a cor de pele negra dos personagens e considerações sobre a luz do luar cubano, contrastando com a paisagem californiana. Confirmando essas relações, o colorista do filme Alex Bickel disse que “foi seu trabalho desenvolver paletas que proporcionassem o impacto emocional desejado pelos criadores do filme”.

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E o impossível aconteceu: não é que conseguiram melhorar a cara do Mahershala Ali?

O diálogo entre a TAV e esse movimento estético, trazido pelos elementos cinematográficos da luz e do tratamento de cor, se dá numa trama muito delicada de legendas que mistura registros formais e informais, gírias e linguagem poética, expressando ao mesmo tempo profundidade e sensibilidade, num contexto em que seria difícil de desvincular o conteúdo do filme a visões clichês de questões sociais sem a ajuda dessa tensão visual. Um filme como “Moonlight”, preenchido de silêncios brilhantes e às vezes até devastadores, determina esse cuidado com as legendas para que a experiência proposta pela obra não fique prejudicada. O resultado é uma narrativa que nunca viola a nossa suspensão da descrença e permite que todas as suas camadas sejam absorvidas e contempladas pelo espectador. O diálogo perfeito entre artistas e público.

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Ivan M. Franco é formado em cinema pelo curso de Imagem e Som da UFSCar, especializado em roteiro e direção, trabalhando há mais de 10 anos com montagem e finalização de obras audiovisuais. Também se dedica a experimentações artísticas com fotografia, vídeo e música.

Dos kung-fus e faroestes aos filmes pornôs

Caras e caros, voltamos para a segunda edição de guest posts. Desta vez,  ele, the one and only, sócio-pai, também conhecido como Claudio Fragano.

Como vocês já sabem, o sócio-pai já trabalha como tradutor para cinema há mais de 40 anos e tem muita história para contar. Para além de especificidades de tradução, ele é muito versado nos meandros da indústria cinematográfica. Sendo assim, ele consultou seu banco de dados de evidências anedóticas e nos escreveu um breve relato imperdível. Vamos lá?

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Voltando um pouco na minha trajetória como tradutor, lembro o período do fim da década de setenta e começo da década de oitenta, em que começaram a proliferar os filmes de faroeste e kung-fu. Foi um período fantástico em termos de produção, pois a quantidade desses filmes era muito grande e eram, em geral, muito pouco falados: a grande maioria dos faroestes era italiana, os chamados faroestes espaguete, e os filmes de kung-fu eram pura ação. Eram filmes bem diferentes dos de hoje, pois se passavam em aldeias, apesar da história girar invariavelmente em torno do mesmo tema: a vingança, assim como nos faroestes.

Saudades do Clint antes de entrar para o Partido Republicano.

O único problema era que quase todos os filmes de kung-fu eram falados em chinês, e vinham com lista de diálogos em inglês ou até mesmo sem lista. Naquela época, fazíamos a pietagem dos filmes em nossa moviola, ou seja, indicávamos para o laboratório a posição das legendas. Conseguimos na ocasião a inestimável colaboração do Liu que nos ajudava tanto na tradução dos filmes sem lista de diálogos como na marcação de todos eles. Uma breve pausa para falar sobre o Liu: ele era sobrinho de um chinês que também fazia importação de filmes chineses para o Brasil. Na verdade, a dele era a pintura, mas, por causa do conhecimento da língua, fizemos dele nosso colaborador. Percebíamos que muita coisa era “chutada” ou faltava alguma coisa, pois a mesma legenda ficava muito tempo na tela. Por isso a ajuda dele era tão bem-vinda. A verdade, no entanto, era que ninguém ligava muito para as falas nesses filmes. Mas, como tudo que é bom dura pouco, a onda passou.

Infelizmente, o sócio-pai não se lembra de nenhum título. Mas ele diz que era algo bem parecido com isto.

Mas eis que mamata semelhante volta a aparecer no fim dos anos oitenta e começo dos anos noventa. Chegam os filmes pornôs, cuja destinação são algumas salas específicas no centro da cidade. Dentre estas, a de maior destaque são as duas salas do Cine Art Palácio na Avenida São João. Antes de falar mais especificamente desse nicho, vale lembrar uma curiosidade. A princípio, a exibição desses filmes era proibida pela Censura (hoje denominada Classificação Indicativa), o que obrigava os distribuidores a entrar com a liminar para poder exibir tais filmes. Essas liminares costumavam ser concedidas e cassadas depois de algum tempo. Mas o tempo que ficavam em vigor era suficiente para que o filme cumprisse sua trajetória nas salas de exibição.

Hoje só tem igreja!

Nos primeiros tempos, a afluência de público era imensa, o que fez com que surgissem muitas distribuidoras que se dedicavam exclusivamente a esse segmento. Vinham filmes pornôs de diversos países, como Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, etc. Por um bom tempo, ocuparam grande espaço em nossa lista de trabalho, pois além da grande quantidade de filmes, eram pouco falados e muito fáceis de se traduzir (por que será?), embora, como dá para imaginar, sempre muito repetitivos. Havia ainda pequenos distribuidores que se preocupavam com a qualidade da tradução de seus filmes. Lembro que numa visita a um desses pequenos distribuidores, na Rua do Triunfo, a quem haviam indicado meu nome para tradução, em determinado momento da entrevista, o distribuidor me perguntou: “Você tem a mente pornográfica?” Hilário.

Mas esse filão, apesar das tentativas de alguns produtores de romantizar mais as histórias, tinha seu tempo de vida contado e durou uns quatro ou cinco anos, para azar dos pequenos distribuidores que se dedicaram exclusivamente à importação desse gênero de filme, pois tiveram que fechar suas portas.

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A LBM nunca traduziu filme pornô, mas temos experiências com muitos outros gêneros cinematrográficos! Quer saber mais sobre nosso portfólio? Clique aqui!

A LBM em cartaz: Janeiro

Querid@s amig@s,

Mais um mês chega ao fim e nos reunimos para a nossa retrospectiva mensal. O mês de janeiro foi pouco movimentado em termos de estreias para a LBM, mas estamos a todo vapor com muitos projetos rolando. Uma notícia incrível que temos para nossos colegas e amig@s é que a LBM agora é uma empresa associada à ABRATES, a maior e mais importante associação de tradutores e intérpretes do Brasil. Olha o selo aí ao lado, chique não?

Vamos lá então?

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CAROL 

Na quinta-feira 14, começamos o ano MUITO bem com a estreia de “Carol”. Sublime, apenas. O filme, que recebeu muitas indicações ao Globo de Ouro e também indicações ao Oscar (Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante para nossas musas Cate Blanchett e Rooney Mara respectivamente), continua em cartaz e é imperdível para 1) quem gosta de filmes incríveis; 2) quem participa de bolões do Oscar; e 3) quem gosta de ler legendas de primeira. Para quem lê em inglês, a crítica do The Telegraph é categórica: Cate Blanchett will slay you (leia na íntegra aqui). O filme tem uma fotografia maravilhosa e muito do seu charme está no não dito. A tradução correu tranquila, um daqueles filme gostosos de traduzir. Nosso diálogo preferido do filme foi quando Carol diz para Terese “My angel, flung out of space”, que em português ficou “Meu anjo, caído do céu”. <3

A Mares Filmes, distribuidora do filme, nos presenteou com o livro e o pôster. Nós adoramos! Olha só:

 

SUÍTE FRANCESA

Esse foi mesmo o mês de estreias lbmísticas em parceria com a Mares Filmes! Outra parceria nossa, “Suíte Francesa”, estreou na quinta-feira 28. O filme se passa na 2ª Guerra Mundial e conta a história de amor entre uma francesa e um soldado alemão da ocupação nazista. Como filme de época, foi importante manter o alerta para não usar termos anacrônicos na tradução. Parece bobagem, mas num descuido, um personagem da década de 40 aparece falando “Legal!”, e isso não seria nada legal! O filme por enquanto está restrito ao circuito cult em SP; você pode assistir no Cine Caixa Belas Artes e no Reserva Cultural (cheque sessões aqui). Para sessões no Rio, clique aqui.

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Outra estreia que estava programada para o dia 21, “Boa Noite, Mamãe!” (PlayArte Pictures) foi remarcada para 25 de fevereiro. Nessa mesma data, teremos as estreias também de “Little Boy – Além do Impossível” (Cinépolis Brasil) e “Deuses do Egito” (Paris Filmes), com Gerard Butler no papel de Set, o Deus do Deserto. Todos #byLBM, certo, Gerard?

Heist Films Entertainment

Fim de semana retrasado, eu me encontrava de folga passeando em Curitiba. Não será grande surpresa para o meu leitor se eu disser que resolvi visitar o Museu Oscar Niemeyer, o MON. O “Olho”, como é comumente chamado em referência ao formato do seu incrível vão livre, é um destino turístico popular não somente por sua óbvia atratividade arquitetônica, mas também pela excelência de suas exposições que, segundo descrição do próprio museu, colocou o MON no mapa dos museus brasileiros importantes, que antes de limitava à rota SP-RJ. Para minha grata surpresa, ao perambular pelo museu visitando seus espaços e exposições, percebi que ele se propunha a ser casa de todas as artes visuais e que o cinema não era exceção. Foi assim que conheci a Heist Films Entertainment, uma produtora de filmes nada convencional.

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O Olho fica lá no alto. Para chegar até o Olho propriamente dito (que abriga uma deslumbrante exposição sobre João Turín), é preciso atravessar um corredor cujo teto não se enxerga, ainda que seja todo iluminado.  Ele dá numa pequena sala, na qual encontrei um gigantesco pôster de um filme intitulado originalmente “Paranormal”, porém com título em português “Garota Diabólica”. Nele, uma moça se sentava à beirada de uma cama com o olhar tresloucado que só os possuídos têm, punhos medonhamente retorcidos. “Até aí”, pensei, “mais um clichê e desinteressante filme de terror”. Porém, à direita do pôster, no canto inferior da salinha, uma velha televisão 14″ ligada, sem nenhum sinal. Olhando o pôster mais de perto, entre as clássicas folhinhas de louro que anunciam a participação dos filmes em festivais importantes, em vez de Cannes ou Sundance, lia-se Hoax Festival. Hum.

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Gustavo Von Ha tem sido apontado por muitos críticos como um dos mais inventivos artistas contemporâneos por aqui. É ele o criador da Heist Films Entertainment, uma empresa fictícia dedicada a produzir e distribuir trailers de filmes que jamais serão feitos. Não, “Garota Diabólica” não é um filme de verdade, embora tivesse tudo para ser.  Na pequena sala introdutória do MON citada acima e em mais três pequenos espaços verticalizados a caminho do Olho (a parte amarela que sustenta o Olho), estão em exibição os mais variados objetos sobre quatro trailers de filmes que não existem. Pôsteres, fotos, vestimentas, perucas, roteiros em papel (quem saberá se realmente há alguma coisa escrita neles?) e os próprios trailers se juntam para uma celebração improvável do trailer como obra de arte, absoluto em si mesmo. A fragmentação narrativa proporcionada pelo trailer, que normalmente serviria para motivar o espectador a assistir a obra completa, passa a ser um gênero narrativo completo, algo de muito pós-moderno. Saber que não há nada além do próprio trailer para ser visto causa um estranhamento muito grande, uma reação muito intensa que se contrasta com a simplicidade da exposição. A exposição é open-ended; um convite à imaginação para montar sua própria narrativa final. Muito tentador.

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É difícil ignorar, no entanto, que os quatro trailers de filmes em exibição, a saber “Garota Diabólica (Paranormal),  “Hollywood em Chamas 1” (Gasoline 1), “Hollywood em Chamas 2” (Gasoline 2) e “A Busca do Amor” (TokyoShow), fazem alusão aos grandes clichês dos gêneros cinematográficos (a começar pela tradução de seus títulos para o português). Não seria difícil imaginar desenvolvimentos e finais para tais filmes, mas talvez não fossem dos mais originais. Mas tudo isso não parece ser à toa. Segundo o encarte da exposição, “[Todos os trailers] possuem peças publicitárias, atores e atrizes profissionais, páginas na internet e nas redes sociais, DVDs distribuídos em bancas de filmes piratas e cartazes – em suma, tudo o que um filme real deve ter por convenção”. Mas que filme real deve ter tudo isso por convenção? Certamente, um filme que visa alcançar grandes públicos, vender bem. E dinheiro é a alma do negócio, não é? Ao produzir trailers que “emulam uma realidade que nunca se concretiza em sua totalidade”, o autor está, ainda que em segundo plano, mostrando a própria desvalorização do filme como objeto final do público e, em oposição, escancarando a ênfase dada ao processo de venda do filme antes mesmo que ele exista. A realidade ou concretização aqui não são importantes, mas sim a fantasia. Fantasia criada em torno da criação cinematográfica, das pessoas nela envolvidas, nos objetos utilizados, tudo elevado a um status de proporção descabida. Por quê? Dinheiro. No mundo em que vivemos, a “realidade” do filme, sua mensagem, sua essência, é pouco importante perto do quanto se pode lucrar com ele. Franquias de filmes, bem simuladas por Hollywood em Chamas 1 e 2, talvez sejam o maior exemplo disso. Filmes muitas vezes sem sentido já têm seus nomes e informações vendidos e marketados antes mesmo de existirem, pois o público parece não se cansar. Será que não nos cansamos mesmo ou somos eternamente levados a verificar algo que foi tão incessantemente martelado em nossas cabeças? Ah, a expectativa.

“Heist Films Entertainment” (que é, a propósito, o nome da exposição) pode ser um mágico convite ao universo de possibilidades que o cinema nos proporciona ou um não tão mágico convite ao pobre universo da mesmice a que ele nos condena. Por ambos os motivos, imperdível.

http://www.heistfilms.org/

PS: fiquem, então, com a cena de Alessandra Negrini segurando uma peruca de forma irresistível no trailer de “Em Busca do Amor” (TokyoShow). A peruca, objeto tornado praticamente mítico, pode ser encontrada na exposição (ah, vá?).

tokyoshow