Por que a legenda não inclui todos os surdos?

Caros leitores e leitoras,

Nesta quinta, o papo é sério e reto: acessibilidade audiovisual para surdos e o que não sabemos sobre ela.

É comum haver questionamentos sobre por que a janela de Libras é necessária quando já há legendas descritivas. Não seria a leitura das falas a solução do problema de todos os surdos? Não, senhores.

Nossa parceira intérprete Paloma Bueno, em parceria com a também intérprete e tradutora Juliana Fernandes, escreveu esse incrível texto que trazemos abaixo, explicando as coisas que não sabemos sobre esse público que agora procuramos incluir no mundo audiovisual (postado originalmente no LinkedIn – link para o artigo original no texto).

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Muito além de uma obrigação legal, a acessibilidade (linguística, no caso) é um recurso que permite aos surdos ampla participação nos diversos espaços sociais, bem como o exercício da cidadania; é um direito e não um favor! Vez ou outra recebo questionamentos como “pra que a Libras, ou, por que a legenda em português não é suficiente? Como assim, surdo não sabe ler?”.

Nosso objetivo neste artigo nem de longe é esgotar o assunto, mas sim apresentar alguns dados no sentido de propor algumas reflexões sobre os entraves, o perigo e o erro em generalizar as necessidades.

Neste artigo, comentei especificamente sobre a insatisfação do público surdo na última propaganda eleitoral em 2016.

Alguns dados

Segundo o Censo IBGE (2010), o Brasil tem 10 milhões de surdos. Desses, 2,1 milhões têm muita dificuldade na comunicação em português escrito, pessoas com surdez profunda e usuárias da Libras – Língua brasileira de sinais.

Legislação

Já somamos décadas de lutas e leis que promovem a acessibilidade comunicacional. No entanto, a LBI – Lei Brasileira de Inclusão – é a mais recente.

A Ancine – Agência Nacional de Cinema – prevê a inclusão de recursos de acessibilidade no cinema para obras que utilizam recursos públicos. As propostas iniciais previam que até 2015 esses recursos seriam garantidos. O prazo da Ancine é que até novembro de 2018 as salas devem oferecer equipamentos para promover acessibilidades ao público de pessoas com deficiência. A câmara técnica ainda não decidiu a tecnologia-suporte a ser adotada nas salas de cinema.

Educação

No ensino público, não é novidade a grande problemática da má qualidade do ensino de línguas estrangeiras. Sabemos que é insatisfatória! E vários são os motivos, como a precária formação docente para ensino de segunda língua, por exemplo.

Lembro-me quando estava no primeiro ano do ensino fundamental aprendendo as sílabas e repetindo os escritos do quadro “bá-bé-bi-bó-bú…”, e que acredito que até os dias de hoje essa metodologia permanece, independentemente do público de alunado que a escola tem recebido! Perceba que o sistema ensina a escrita conectando-as com a pronúncia do português falado! Então eu os questiono: como os surdos aprendem a partir de uma abordagem auditiva? Obviamente que esse sistema de ensino não dá conta, nem de longe, de ensinar o português como segunda língua para os alunos surdos. É preciso considerar suas especificidades linguísticas a partir da lógica da modalidade de uma língua sinalizada e enquanto primeira língua para ensinar o português como segunda língua na modalidade escrita.

Condição histórico-linguística dos surdos

A maioria dos sujeitos surdos na atualidade nasceram em famílias de pais ouvintes, em muitos casos também a surdez é descoberta tardiamente, fazendo com que cheguem na fase escolar SEM LÍNGUA. Como aprender português sem antes ter uma primeira língua de uso social? A língua que o torna sujeito neste mundo, desenvolve aspectos de sua subjetividade e tem capacidade de dar sentido às coisas. E, ao chegarem na escola, como acreditar que vão aprender o português com fluência?

Imagine como é até hoje o ensino para surdos: defasado. De abordagem oralista, pela concepção clínico patológica da surdez. Saiba que é bem pior que o ensino de inglês. Então já dá para imaginar qual é a realidade da leitura do português para os surdos como segunda língua? Não há dados objetivos ainda, mas frequentemente vemos notícias como: “surdos não têm intérpretes em sala de aula / demanda por intérpretes é maior do que quantidade de profissionais disponíveis no mercado/ surdo processa escola ou universidade por falta de acessibilidade“, e por aí vai.

Nos dias e condições atuais, ainda não é possível cobrar por algo que não foi oferecido durante o Ensino Básico. Por esses motivos apresentados, o surdo realmente precisa de ACESSIBILIDADE EM LIBRAS!

A importância e a limitação da legenda

A legenda cumpre com seu papel para uma minoritária parcela de surdos, mas não abrange todas as necessidades, faixas etárias e condições/histórico-linguísticas; portanto não atende a todos os cidadãos surdos.

Reflita ainda…

  • No caso das crianças ouvintes analfabetas: elas não dão conta de ler as legendas e apreciar um filme ao mesmo tempo. Vemos vários adultos ouvintes também que não conseguem acompanhar versões legendadas e preferem a versão dublada.
  • Cidadania: imagine quantos eleitores gostariam de votar consciente e quantos dão votos desinformados, já que não tiveram a oportunidade de conhecer os planos de governo propostos pelo candidato. Tudo isso por falta de acessibilidade.
  • E os noticiários? Saiba que os surdos pedem aos ouvintes para explicarem o que está acontecendo no mundo. Há blogs de revistas especializadas, como a Revista D+ Inclusão e a TV INES, que selecionam notícias relevantes e as traduzem para a comunidade surda semanalmente. Somos diariamente e durante 24 horas do nosso dia expostos à informações nesta era do conhecimento, então imagine para um sujeito surdo o que é estar alienado destas oportunidades a partir da privação linguística?
  • Uma sociedade verdadeiramente justa, humana e inclusiva também é aquela que leva em consideração as especificidades das necessidades, onde a alteridade, a equidade e a diversidade são fatores de alta relevância em favor das boas práticas sociais. Os grupos minoritários necessitam ter voz e escuta, pois são a partir deles que tais práticas serão beneficamente balizadas.

Sendo assim, quando falamos em acessibilidade comunicacional ou linguística para sujeitos surdos, é de extrema importância que todas as possíveis opções estejam presentes: legenda em português escrito, janela de libras e até as informações gráficas da audiodescrição, que ajudarão tanto no entendimento contextual de acontecimentos sonoros durante a exibição do material quanto na escolha das opções presentes para melhor acompanhamento e aproveitamento das informações publicadas.

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Tapão na cara da sociedade, hein? Obrigada Paloma e Juliana pelos esclarecimentos. Sigam as intérpretes no LinkedIn para acompanhar os textos e notícias do mundo da Libras:

https://www.linkedin.com/in/palomabuenolibras/

https://www.linkedin.com/in/julianafernandestils/

Quer saber mais sobre o trabalho que fazemos com acessibilidade audiovisual? Conheça os nossos serviços!

2017: Um ano para lembrar

Mais-do-que-querid@s leitor@s,

No último dia do ano, enquanto todos se preparam para estourar a champanhe, nós aqui da LBM sentimos que realmente há muito a ser comemorado. Não pretendemos dizer, é claro, que foi um bom ano por todos os ângulos, ou que não estamos apavorados com o cenário político e social. Mas tivemos, sim, a sorte de ter um grande ano de crescimento como equipe, baseado em muito esforço e aprendizado.

Eu, em meu traje regular de trabalho.

Este post não é para tirar ninguém dos preparativos das festanças de réveillon, mas gostaríamos de compartilhar rapidinho com todos vocês algumas das coisas tão bacanas que tornaram este ano marcante para o ratinho e seus discípulos, começando pelo conjunto das nossas estreias no cinema. Vejam só todos os filmes de cuja legendagem tivemos o prazer de participar!

Eita que esse scroll-down vai longe!

Foram 26 estreias no total. Desse total, 24 filmes de ficção e dois documentários, seis filmes nacionais e 20 internacionais. O Google Analytics da floresta não parou de trabalhar! Foram comédias, dramas, suspenses, filmes de terror a perder de vista; obras americanas, inglesas, francesas, argentinas e, sobretudo, obras cinematográficas brasileiras da primeira grandeza que nos encheram de orgulho mundo afora. Fizemos versões para quatro línguas diferentes que levaram esses filmes para os principais festivais do mundo! E, não podemos esquecer, recebemos a honra máxima da Academia: levamos o Oscar de melhor filme com “Moonlight – Sob a Luz do Luar” com nossas legendas elogiadíssimas.

Nada disso teria sido possível sem nossos maravilhosos colaboradores de tradução e legendagem, que tiveram papel fundamental na construção da qualidade de trabalho pela qual tanto prezamos. Com o coração transbordando, agradecemos a Paula Barreto, Fernanda Leme, Jorge Castagnino, Guilherme Ferreira, Juliana Lopes, Samantha Silveira, Salmer Borges, Eduardo Lasota, Ana Paula Baesso, Lucas Cureau, Jürgen Dittberner e Luiza Frizzo.

Além do circuito tradicional, traduzimos muito outros conteúdos, como vídeos de publicidade, roteiros, pílulas e outros materiais de apoio.

Mas 2017 não foi apenas mais um ano de sucesso na tradução e legendagem; foi o ano da acessibilidade na LBM! Nossas parcerias com as pessoas mais dedicadas, competentes e talentosas do mercado tornaram a nossa empresa uma referência em acessibilidade audiovisual, um trabalho pioneiro que fizemos com muito carinho e nos comprometemos a aprimorar e expandir cada vez mais. Paloma Bueno Fernandes, Christiano Torreão e equipe do Estúdio Eclipse, Ana Paula Schneider, NGB Estúdios e Ivan M. Franco: muito obrigada por fazerem acontecer.

2017 foi só o começo.

Agradecimentos especiais também aos colegas que escreveram textos incríveis para este blog, mantendo nosso diário de TAV interessante e relevante: Paulo Noriega, Vanessa Bocchi, Ivan M. Franco, e mais todos que aqui e ali escreveram parágrafos que ajudaram a contar a história dos filmes que traduzimos.

E, por fim, precisamos dar o salve maior para aqueles que nos confiam seus preciosos materiais, sabendo que ninguém cuidará deles como nós. Nossos parceiros deste ano: Diamond Films, Paris Filmes, Gullane Entretenimento, Maria Farinha Filmes, Instituto Alana, PlayArte Pictures, Academia de Filmes, Filmland, Imovision, Mar Filmes, Bossa Nova Films, REC Filmes, Fox Films, Losbragas, e nossos amigos e colegas Laura Futuro, Juca Diaz e Gaby Ruffino – um sincero obrigada!

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Escrevo aqui pela equipe de gerência da LBM, mas já que estou no papel da registradora de emoções, aproveito para agradecer meu parceiro de todas as horas e jobs, João Artur “Johnny”, que só faz me salvar em meio ao olho do furacão profissional, além de ser meu irmão gêmeo separado na maternidade; e ao sócio-pai, por nos dar força e sustentação para corrermos atrás dos nossos sonhos de TAV que cada vez mais se tornam realidade. <3

Espero daqui a um ano reescrever este post com muito mais coisas pelas quais ser grata e pessoas fantásticas para agradecer. Para encerrar, um brinde aos nossos leitores! Até 2018 😉

A LBM em cartaz: “A Noiva” e “Um Perfil Para Dois”

E, com vocês, ele. O único, incomparável e indispensável gerente de projetos da LBM: Johnny.

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Semana passada o ratinho não deu as caras aqui, mas como vocês já sabem, isso só acontece quando ele está muito atarefado, aka trabalhando pra caramba, e não sobra um tempo digno pro blog. Mas não tem problema, hoje a gente se redime! Vamos falar de “A Noiva”, esse terrorzão medonho que estreou semana passada, no Dia de Finados (Paris Filmes, we see what you did you there, OK?), e “Um Perfil para Dois”, o romance francês que tem um pé na comédia e outro no drama, a receita perfeita pra deixar qualquer trama bem interessante. Duvida? Vem comigo! Tá na hora de falar de dois trabalhos bem diferentes e que foram feitos em momentos beeeem diferentes também.

Vai com calma, J!

“Um Perfil Para Dois” é um filme muito agradável, com uma narrativa bem construída e uma boa pedida para os menos habituados com o cinema francês fugirem dos blockbusters americanos… por que, né? Nem tudo é filme de herói. Vale a pena “arriscar” ver algo diferente de vez em quando! Não vou me alongar na trama do filme, mas posso dizer que quem assistiu gostou  e recomenda. Leia aqui a crítica da Bianca Zasso para o Papo de Cinema para saber um pouco mais.

Por incrível que pareça, o ratinho já trabalhou em “Um Perfil Para Dois” há alguns meses, afinal a película fez parte da programação do Festival Varilux, que ocorreu de 7 a 21 de junho em diversas cidades do país. Perdeu esse festivalzão lindo? Não chora! Ano que vem tem mais! Fica ligado no site e ativa todas as notificações possíveis.

Quando foi a última vez que você viu um filme francês? Amelie Poulain não conta!

O ratinho fez barba, cabelo e bigode e cuidou tanto da legendagem quanto da acessibilidade de “Um Perfil Para Dois”, e duas coisas chamaram a atenção da nossa equipe dessa vez. A leitura de diálogos e a preparação para a interpretação de Libras. “Um Perfil…” não conta com cópias dubladas nos cinemas, isso significa que, para tornar o filme completamente acessível ao público com deficiência visual, gravamos além da audiodescrição, a leitura dos diálogos, ou seja, um profissional que não pode ser o mesmo audiodescritor do filme, lê os diálogos dos personagens ao longo do filme.

Não decepcione o Pierre e vá ver o filme nas telonas antes que ele saia de cartaz.

Muita gente pode achar estranho ter uma única voz responsável pelas falas de todos os personagens, mas acreditem, é questão de costume e, com uma boa mixagem, fica bacana. O que está se convencionando chamar de leitura de diálogos aqui, na verdade, nada mais é do que o bom e velho voice-over, que desde sempre é a modalidade de tradução preferida de alguns países do leste europeu como a Polônia. Confiram aqui a Julia Roberts e o Hugh Grant trocando uma ideia com a mesma voz. Depois de alguns minutos, já estou curtindo o filme. Sem entender lhufas, é claro! kk

Em seguida, partimos para a janela de Libras, que foi um desafio à parte. Nos dias que antecederam a gravação, eu e a Paloma Bueno, nossa incansável e dedicadíssima intérprete, seguimos o protocolo para esse tipo de filme: uma decupagem simples do roteiro, com todo tipo de anotação pertinente para a interpretação. Paloma dá a letra sobre o processo:

Num primeiro momento, durante o estudo da obra, trabalhamos com base no arquivo de legenda em português, claro! Nosso gerente Johnny estava presente, esclarecendo e dando dicas do francês que não tenho, contribuindo com a tradução para a Libras.

Os três principais desafios foram: primeiro, decidir as expressões equivalentes para a Libras, considerando que isso não é tão explícito nos falantes do francês; a expressividade não é entonada se comparada ao português. O segundo foi decidir quando e como fazer indicações da trilha sonora, que acabamos indicando como “música”, e sons ambiente como “som de sirene de ambulância”; esse último relevante para a compreensão do contexto [ação-reação] em cena. Já o terceiro e não menos importante foi diferenciar “voz em off” quando uma imagem aparece. Decidimos por redução articulatória, uma forma equivalente para fazer narração discreta sem aparição de falante.

Ufa! Não parou por aí… na decupagem, identificados os personagens, partimos para a criação dos sinais com base na característica física mais marcante e permanente no decorrer do filme. Por fim, tivemos a alegria de compartilhar esse processo na XXXVI Semana do Tradutor/II Simpósio Internacional de Tradução e II Encontro do Setembro Azul em Campos do Jordão – Surdez e Acessibilidade.

Nem tudo é romance no Rio Sena e aventuras em Libras na vida do ratinho! Às vezes, ele se mete numa história de amor pra lá de macabra nos recônditos sombrios da Rússia. Em “A Noiva”, um fotógrafo descobre uma forma de perpetuar a presença de sua falecida esposa ao seu lado. (Terapia pra quê, migo?) Só que coisa boa não podia sair dessa situação, convenhamos. Mas meus posts são spoiler free, então paro por aqui.

A grande curiosidade de “A Noiva” ficou por conta de o filme, uma produção original russa, ter sido lançado no Brasil com o áudio dublado em inglês, o que fez muita gente torcer o nariz  e se perguntar: “Por que não deixar o áudio original?”. Além disso, optamos por manter os nomes dos personagens como no original, sem adaptações, da mesma forma que a dublagem americana fez. Tal adaptação seria motivada, principalmente, pelo nome do casal protagonista: Ele = Vanya e Ela = Nastya, o que poderia causar uma confusão para o espectador, mas resolvemos honrar a tradição de Tchekhov e esperamos que ele esteja orgulhoso da gente.

Calma, ninguém tá tentando matar a noiva, não. Ela já está morta!

Tem um comentário bacana? Uma curiosidade? Fala com o ratinho nos comentários ou no Facebook.. Ele adora trocar ideia. Até a próxima!

A LBM em cartaz: “Divórcio”

Arriégua!

O “LBM em cartaz” de hoje vem de chapéu de caubói e fivela no cinto apresentar mais um filmaço nacional. Como a gente é versátil e não gosta de se repetir, desta vez trazemos uma comédia, “Divórcio”. Para quem ainda não está sabendo sobre o filme que estreou ontem, o trailer é um abre-alas bem digno.

O filme, com sua receita hollywoodiana, foi superbem recebido pela crítica brasileira.  Na sua crítica pelo Adoro Cinema, Rodrigo Torres chamou a produção de “Sr. e Sra. Smith à paulista” e elaborou sobre alguns dos elementos cinematográficos que tornam a experiência do espectador tão bacana: “Divórcio adota um high concept típico: Júlio (Murilo Benício) e Noeli (Camila Morgado) são um casal rico que se separa e inicia uma guerra judicial por seus bens — pronto. Uma ideia sucinta, universal, que permite o acréscimo de uma gama de elementos que enriqueçam a trama; e assim acontece. O roteirista Paulo Cursino (Até que a Sorte nos Separe) explora as muitas possibilidades cômicas do argumento escrito pelo produtor LG Tubaldini Jr., fundamentado em um aspecto que o diferencia de outros longas brasileiros: a vida no interior paulista. Mais precisamente, na cidade de Ribeirão Preto.” Para ler a crítica na íntegra, clique aqui.

O filme estreou ontem com acessibilidade completa by LBM. Maior desafio apresentado? Tivemos que regravar cenas de Libras e audiodescrição porque os intérpretes tinham crises de riso. Curiosamente, eis que tropeçamos neste vídeo da Camila Morgado contando sua experiência durante o filme. A vida imitando a arte?

Mas ó benhê, o ratinho já está de caso com esse divórcio há um tempo. No começo do ano, um corte já bem próximo ao final ganhou suas legendinhas em inglês para ser exibido em festivais internacionais. Quem acompanha nosso blog já está careca de saber a trajetória dos filmes nacionais, que saem por aí desfilando internacionalmente para depois estrearem por aqui (prometo que é a última vez que dou essa explicação até o próximo filme).

Então vamos falar de versão. “Divórcio” é um filme bem desafiador de se passar para outras línguas, por trazer fortes referências culturais que encontramos por aqui e não são nada universais. Infelizmente, muito do falar dos personagens que remete ao interior, principalmente sintaxe e sotaque, se perdem na tradução. Por outro lado, como vocês leram ali em cima no texto do Rodrigo, o high concept do filme é típico e, portanto, universal. Muito dos termos relacionados ao divórcio são transpostos com perfeição, mas não só isso: brigas de casal e conversas com advogados são contextos que vêm recheados de vocabulário e jeitos de falar com os quais dá para brincar de uma língua para a outra.

Mas aí como faz pra andar com o plot?

Separamos aqui para vocês três exemplos de expressões legais que conseguimos incluir nas legendas, para entrar para o vocabulário de quem estuda e para o repertório de quem traduz. Vamos lá?

 

Ê, MAS QUE FERVO GOSTOSO!

A chateação-mór de uma fala dessas é pensar que nenhum gringo que não saiba português jamais vai saber o que é um fervo; uma pena. Superada essa frustração inicial, fomos buscar um termo para “festa”, que tivesse aquela conotação extra de uma celebração mais barulhenta e animada. Ficou assim: “What a fantastic wing-ding!”

ISSO É CONVERSA!

Antes do acontecimento que precipita o divórcio, Noeli já está bem #xati com seu marido, Júlio. Conversando com sua amiga, ela descreve mil defeitos do cara, incluindo que o cocô dele não desce com a descarga (!). Sua amiga, que já está vendo que esse papo exagerado não tem nada a ver, joga para a Noeli: “isso é conversa!” E aí, pudemos usar a gíria superbacaninha “hot air”. Veja como ficou a sequência:

It’s a stubborn poop,

it’s like styrofoam.

 

You flush it and it goes down,

but then it comes back up.

 

Then you flush it harder,

but it comes back again.

 

-You try again…

-Noeli!

 

Back and forth poop?

That’s just hot air.

 

ESSE CATANDUVA NÃO PERDOA, NÃO!

Numa cena de rachar o bico, Noeli forja um encontro sexual com o cantor sertanejo Catanduva, que seu marido acompanha através de uma câmera plantada no quarto da ex. Noeli e Catanduva falam baixarias e fazem gemidos para fazer parecer que estão se pegando, enquanto Júlio acompanha o áudio com seus colegas, emputecido (a imagem da câmera foi devidamente coberta por Noeli). Ao ouvir os elogios de Noeli ao cantor, um dos colegas de Júlio fala que dizem que o cara “não perdoa”. Mas não tem erro, R. Kelly salvou nossa pele nessa. Todo mundo aqui conhece o verbo “flirt”, mas também dá pra substantivar e dizer que alguém é um flirt em inglês, querendo dizer que o cara seduz mesmo, não perdoa. Na própria letra do nosso amigo rapper, ele se descreve como flirt, dizendo que não vai perdoar nem a mina dos amigos!

https://www.youtube.com/watch?v=rPr4F8dplFg

Nossa frase ficou assim: “He’s a flirt. That’s what people say.”

Gostou das nossas soluções? Deixe seus comentários sobre como você teria feito!

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“Divórcio” hoje nos cinemas, não perca! Voltamos semana que vem com um guest post especial de um blogueiro de TAV que tá dando o que falar 🙂

A LBM em cartaz: “Amityville – O Despertar”

Bu! Resultado de imagem para emoji scary

Hoje o ratinho chega trazendo para vocês a estreia apavorante da semana: “Amityville – O Despertar”. O filme estreou ontem com boas críticas por toda parte, o que, convenhamos, não é feito fácil de se atingir em se tratando de um filme de terror!

A Carol Moreira fez a crítica dela a “It – A Coisa” e “Amityville – O Despertar” num só vídeo, nos dando já um bom panorama sobre os dois filmes e o que pode dar certo ou errado em filmes de terror em relação ao público leigo:

It, segura aqui minha cerveja que tem Amityville em cartaz e eu tô atrasada!

Recalque do ratinho por não ter traduzido "It"? Talvez.

O motivo para a boa aceitação é uma série de fatores que, combinados, resultam num bom filme do gênero. A tradução audiovisual pode ajudar ou atrapalhar um filme de terror?

Bora descobrir.

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Vamos começar pelo elenco de peso da vila da Amity, impressionante para um filme de terror: Jennifer Jason Leigh, diva de terror dos anos 90; Jennifer Morrison, que passou de serviçal de monstro em “House” a monster herself em “Era Uma Vez” (spoiler!); Bella Thorne, nova queridinha do rolê hollywoodiano; Cameron Monaghan, que andou fazendo boas séries como “Gotham” e “Shameless”; e a baixinha McKenna Grace que, como já disse a Carol Moreira, mandou horrores (ah, a infâmia!) no filme e já está com um currículo filmográfico invejável para quem ainda está aprendendo a tabuada na escola.

Mckenna sem dúvida sabe a tabuada melhor que nós, tradutores.

Bom, mas elenco firmeza não põe mesa (alguém viu “As Duas Faces da Lei” com Robert e Al? G-zuis). Filme de terror bom tem que ter suspense na medida e sustos genuínos. Tudo isso se consegue através de elementos cinematográficos específicos, os quais já começamos a discutir aqui no blog (leia aqui). A música, por exemplo, é essencial nos filmes de terror. A música não pode entregar o jumpscare, ficando mais tensa logo antes de um acontecimento chave.

Um bom jumpscare de Amityville! Sorry not sorry.

De forma semelhante, precisamos evitar certas mancadas na tradução. Uma delas é usar palavras meio, digamos, “bobas”, que podem tirar a seriedade do filme. Por exemplo, quem leva a palavra “malvado” a sério, ainda mais depois de “Meu Malvado Favorito”? “Maligno” ou “diabólico” parecem opções mais tensas e que não estragam a experiência do leitor.

Passando para a acessibilidade, uma coisa é certa: é delicado escrever um roteiro de audiodescrição sem adiantar os sustos, de forma a não interferir na experiência do público com deficiência visual. Encontrar os momentos certos para inserir as descrições e torná-las críveis não é bolinho. Além disso, para este filme especificamente, procuramos referências em audiolivros e radionovelas para dar um tom especial à audiodescrição. Afinal, ela se soma ao filme e ajuda a contar a história e, convenhamos, nada mais legal que uma voz trevosa e no tom certo pra dar vida a cada detalhe do filme.

“Família reunida na sala de estar para tomar sustos”, relatou a fonte histórica.

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Voltamos semana que vem com comentários de uma comédia nacional que vai fazer a jiripoca piar!