Restrições na TAV: aceita que dói menos!

Nesta quinta, o blog traz um guest post do nosso amigo e colega Paulo Noriega, autor do blog “Traduzindo a Dublagem“. O tema que ele escolheu abordar é bem pertinente: como lidar com as restrições que encontramos na TAV, que nos impedem de incluir na nossa tradução todo o conteúdo que gostaríamos? Pesquisas indicam que clientes também precisam ler este texto!

Segue 🙂

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Primeiramente, muito obrigado à Ligia (e ao ratinho, claro!) pelo convite e a oportunidade de escrever para o blog da LBM que, há anos, faz um trabalho de excelência no campo da legendagem e agora está se aventurando nas águas da acessibilidade com uma equipe incrivelmente competente e composta por amigos queridos.

Pensando sobre o que eu poderia escrever, resolvi aproveitar este espaço e expor um pouco os meus pensamentos acerca de um assunto que não só aparece com frequência nas conversas ao se falar de dublagem e legendagem, como também é algo que os profissionais que visem atuar nessas áreas precisam ter em mente: a tal da restrição.

Espera, que tipo de restrição?

Calma que eu chego lá! Antes vamos pensar em uma das modalidades tradutórias mais antigas: a literária. Com o surgimento de tantas editoras pelo mundo ao longo das décadas, e com a chegada de tantas traduções às livrarias mensalmente, pare para pensar nos livros que você já leu. Quantos tinham notas de rodapé, prefácios, posfácios ou até mesmo notas do tradutor? Muitos podem não ter tudo que listei, mas a questão é que todos são recursos possíveis de serem utilizados em uma tradução literária.

Entretanto, se migrarmos para o campo de TAV (tradução audiovisual), a coisa já muda de figura, né? Afinal, nenhum dos recursos que citei acima pode se aplicar às modalidades de TAV, como a dublagem e a legendagem, foco deste post. Como todos que já viram qualquer obra audiovisual, seja dublada ou legendada, a veiculação da mensagem presente nas produções é imediata. Pescou, pescou. Não pescou, não pesca mais. Não vai aparecer um asterisco com uma nota na parte inferior da tela explicando a adaptação de uma piada ou de um trocadilho. Não há nada que sirva de suporte para justificar as soluções tradutórias, o que há é apenas a imagem e a palavra, escrita ou falada, se retroalimentando a todo instante.

#cerverórepresenta

Entendido isso, chegamos à tal da restrição. Diferentemente do livro em que não há uma limitação para se transmitir a mensagem do original, tanto a dublagem quanto a legendagem compartilham desta característica inerente, mas, obviamente, são  limitações de naturezas diferentes. Enquanto que na legendagem existem os softwares que “apitam” e indicam quando uma legenda ultrapassou o número permitido de caracteres, na dublagem, o buraco é um pouco mais embaixo. Isso porque nela o que dita quais informações conseguirão ser veiculadas na nossa língua é a boca dos personagens, um fator subjetivo e que costuma levar um certo tempo até o tradutor desse segmento conseguir dominar. Em outras palavras, ser capaz de fazer a informação do original “caber” na boca dos personagens, como costumamos falar na área.

Além do caráter restritivo de ambos os campos, ainda há um agravante: diversos estudos linguísticos mostram que as palavras não só da língua portuguesa, como das demais línguas neolatinas, a exemplo do espanhol, do italiano e do francês são, por excelência, maiores do que as da língua inglesa, idioma de partida predominante no mercado de TAV brasileiro. Levando tudo isso em consideração, como é possível, não só o telespectador como nós mesmos, tradutores dessas áreas, exigirmos que o conteúdo presente em cada fala nas produções seja repassado integralmente para o nosso português brasileiro? É justo que acusem a dublagem e a legendagem de modalidades infiéis de tradução, sendo que existem esses fatores que vão infinitamente além e transcendem qualquer profissional que atue nesses campos? Deixo essa reflexão no ar…

“Mas Paulo, aonde você quer chegar com toda essa história de restrição e o escambau?” Calma que eu chego lá também! Eu me lembro de que quando fiz um curso de tradução para legendas lááá em 2012, sendo que já havia feito um de tradução para dublagem dois anos antes, eu sentia uma agonia constante por ter que condensar TANTO a tradução ao fazer os exercícios. Quando a professora do curso de legendagem nos passou um exercício da série House, às vezes, só com o nome da doença, metade do espaço da legenda já ia embora! DESESPERO TOTAL!

Na minha cabeça, a legendagem conseguia ser mais restritiva do que sua modalidade irmã, porém, ao longo do meu tempo de carreira como tradutor especializado no campo de dublagem, vi que, na verdade, ambas sofrem da mesma forma. Eu mesmo já lidei com várias produções em que eu me sentia produzindo “falas de legenda”, como minha amiga tradutora, Dilma Machado, gosta de falar. Já houve casos em que eu tive de enxugar tanto a fala de certos personagens, que era como se eu estivesse legendando.

Rick fazendo apologia ao consumo de filmes dublados?

Acredito que a quantidade de informações que conseguirá ser passada na tradução de ambos os segmentos depende de diversos fatores como o ritmo de fala dos personagens, o número de referências culturais, a quantidade de piadinhas, trocadilhos e piadas, enfim… costumo dizer que há produtos que “colaboram” mais com o tradutor e outros menos, por assim dizer. É vital entender que cada produção sempre terá suas particularidades e, por mais que a produção original “colabore” com personagens falando mais devagar ou não tendo tanto conteúdo que exija um nível maior de adaptação, haverá algumas coisinhas que sempre ficarão de fora, não tem jeito.

Saber filtrar informações é uma das principais qualidades que um tradutor audiovisual precisa ter. Através de muito estudo e muita prática, ele terá que analisar a todo instante quais são as informações do original que não podem deixar de estar presentes em seu ato tradutório.  É um filtro subjetivo? De certa forma, sim. Às vezes o que é crucial para mim, pode não ser tanto para outro colega. No entanto, há casos em que fica muito evidente o que deve ou não ser transmitido, mas como diz o sábio ditado: “a prática leva à perfeição.”

Por fim, ao entendermos a existência desse caráter restritivo, mas sem escapatória, da nossa querida TAV, qual é a dica que posso deixar para que não só os tradutores para dublagem e legendagem já atuantes, como também os aspirantes, possam realizar seu trabalho sem culpa? A saída, meu caro leitor do blog do ratinho, é mais simples do que parece: SE LIBERTA! Se liberta das amarras de querer veicular e transmitir o conteúdo integral das produções estrangeiras, pois, como já disse, é impossível.

Junte-se à seita de tradutores de TAV mais feliz do planeta.

Enquanto esse conflito interno existir (e acredite, ele existiu dentro de mim durante um certo tempo), isso pode atrapalhar seu trabalho e, muitas vezes, te levar a momentos de frustração. Falando em bom português, o melhor é “aceitar que dói menos”. Abrace a restrição existente nessas duas modalidades irmãs e esforce-se para identificar aquilo que é essencial, de modo que os nossos telespectadores possam se aproximar ao máximo da experiência dos telespectadores da língua de partida. Dessa forma, eu, você e todos nós poderemos continuar a desfrutar de tantas produções audiovisuais maravilhosas que não param de chegar, sejam legendadas ou dubladas. 😉

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Paulo Noriega é tradutor do par de idiomas inglês-português especializado no campo de tradução para dublagem. É Bacharel e Especialista em tradução pela PUC-Rio. Presta serviços de tradução para dublagem dos mais diversos gêneros e traduziu mais de 250 horas de produções audiovisuais. É palestrante e autor do blog “Traduzindo a dublagem“, um dos primeiros blogs brasileiros inteiramente dedicado à tradução para dublagem.

2 respostas para “Restrições na TAV: aceita que dói menos!”

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