O Oscar by LBM

Caríssim@s,

Neste domingo, todos nós amantes do cinema estaremos sentadinhos em frente à TV mais tarde para acompanhar a entrega do Oscar 2015. Sim, marcaremos nossa presença como espectadores para ver os vestidos, as beldades, Neil Patrick I-LOVE-YOU Harris (grandes expectativas), acompanhar as performances das músicas originais indicadas e.. Bem, é basicamente isso, pois de filme nós já sabemos que Academia não entende nada.

Aproveitamos o ensejo para rememorar filmes da seleta lista do Oscar, entre indicados e ganhadores, que a LBM traduziu nos últimos anos. Vamos lembrar apenas os bons, deixando-os de recomendação para @s noss@s querid@s leitor@s quando estiverem procurando aquele filminho bão para assistir.

***

Vamos dar a largada então no ano de 2010. Em 2009, pusemos as mãos no filme “Coração Louco” com Jeff Bridges, que levou o Oscar de melhor ator em 2010. Muito merecido: o velho teve que cachaçar muito no papel para ficar tão mal das pernas.

Mas 2011 foi definitivamente um dos anos mais espetaculares dos últimos tempos para o sócio-pai e sua filha em se tratando de Oscar. Os futuros integrantes da LBM orgulhosamente traduziram “O Discurso do Rei” e “Cisne Negro”, que juntos levaram os Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Colin Firth), Melhor Roteiro Original (para o “Discurso”) e Melhor Atriz (para o “Cisne” – Natalie Portman). A LBM traduziu também “Namorados para Sempre” com Michelle Williams, que estava indicada como Melhor Atriz. Filme bom. O maior vencedor do Oscar foi a futura LBM.

Em 2012, começamos traduzindo “Os Descendentes”, que recebeu indicações de Melhor Filme, Melhor Ator para George Clooney, Melhor Diretor, mas só levou mesmo o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado. Membros anônimos da LBM tendem a concordar que a Academia fez bem em não distribuir prêmios para esse filme. Houve, no entanto, quem tenha apreciado ver George Clooney corno.

Também em 2012, fizemos “Tinker Taylor Soldier Spy”, um filme bem bacaninha pelo qual Gary Oldman recebeu indicação de Melhor Ator.

Mas todos foram deixados no chinelo pelo maravilhoso Jean Dujardin em “O Artista”, filme que passou o rodo nos Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator. O filme não era falado, mas as simpáticas cartelinhas foram carinhosamente traduzidas pela futura LBM. Recomendamos fortemente.

Para fechar um ótimo 2012 para nós, Meryl Streep ganhou o Oscar de Melhor Atriz (shocker) por “A Dama de Ferro”, também feitinho por nós.

Por motivos cuja explicação é de difícil entendimento às pessoas de até mesmo meio cérebro, Michael Fassbender não foi sequer indicado ao Oscar de Melhor Ator por “Vergonha”, também traduzido por nós. Deixamos a indicação mesmo assim.

   

Faremos agora um salto para 2014, pois todos queremos esquecer o ridículo Oscar de 2013.

Enfim, em 2014 a participação da LBM (que já era LBM!) foi discreta, mas marcante. O ratinho marrom foi o responsável pela tradução de nada menos que “O Lobo de Wall Street”, aquele filminho pequeno (179 minutos), pouco falado (cerca de 3000 diálogos), que nos foi enviado na semana do Natal para ser entregue antes do Ano Novo. Que delícia!

O filme recebeu zilhões de indicações, mas não levou nada. O Leo merecia muito, coitado. Mas fica a nossa indicação para vocês rirem, chorarem, se indignarem e terem certeza de que nada do que vocês fizeram na vida pode ser tão ruim.

Enfim, neste ano de 2015, convidamos vocês para assistir a partir de 12/3 nos cinemas “Para Sempre Alice” com Julianne Moore, que está indicada a Melhor Atriz e tem grandes chances de ganhar. Filme traduzido no capricho pela LBM 😉

Isso é um adianto – ou, Mais alguns motivos pelos quais é tão difícil trabalhar com legendagem

Amig@s, recentemente em conversa no escritório, que mais parecia conversa de bar, eu e o sócio-pai corriqueiramente reclamávamos do quanto é difícil trabalhar com legendagem (adoro!). Além daquelas condições de trabalho adversas conhecidas por todos os tradutores, como os prazos apertados, maus pagadores, contextos de tradução bizarros, sinal da NET caindo toda hora and so on and so forth, no nosso ramo de tradução de diálogos enfrentamos também dificuldades específicas.

Quando se está trabalhando com filmes para cinema, muito frequentemente temos que assistir aos filmes inacabados. Sim, versões dos filmes que ainda não tem o corte final, muitas vezes não incluem diálogos que temos que traduzir e trazem diálogos que não temos que traduzir. Quando se trata de um filme sci-fi, às vezes os efeitos ainda não foram finalizados e nós temos que assistir a todo tipo de bizarrices. Foi o caso do Planeta dos Macacos, a Origem. Ficamos vendo o Andy Sarkis e o resto dos “macacos” andando envergados com aqueles equipamentos nada atraentes. Devo dizer, tira um pouco do barato!

Outra coisa com a qual temos que lidar ocasionalmente é com padrões impostos por festivais. Fazemos a tradução e marcação de vídeo para filmes brasileiros que serão exibidos em festivais lá fora, e às vezes eles voltam para nós porque estão muito falados (too wordy?). Assim, vamos editando até chegar aos padrões desejados, mas isso às vezes implica cortes muito grandes e escolhas que não cabem somente a nós. Assim, não raro temos que trabalhar junto ao diretor do filme para selecionar diálogos. Foi o que aconteceu ano passado com o filme “Entre Nós”, do diretor Paulo Morelli.

E mais uma coisinha que podemos mencionar, já que estamos falando em diretor@s, é o trabalho persuasivo que vez ou outra nos cabe fazer. Diretor@s são os pais/mães de suas obras e, na maioria das vezes, assumem um papel ativo na elaboração das legendas. Mas, às vezes, eles também exageram. O sócio-pai nos escreveu um depoimento com exclusividade para ilustrar uma tal situação:

“Ainda no tópico das dificuldades de se encontrar termos que agradem diretores, produtores, exibidores, etc, lembro de um trabalho que fizemos há quase 8 anos, que consistia no levantamento e transcrição do roteiro de um filme argentino, realizado por um conhecido cineasta argentino radicado no Brasil, assim como a tradução para o português, a versão para o inglês e as respectivas pietagens. Dentre tantas discussões quanto à tradução de termos de que me recordo, vale destacar duas que ilustram bem o problema. A primeira era a tradução da palavra “adianto” em castelhano, que ele insistia em traduzir ao pé da letra, para que a frase em português ficasse: “isso já é um adianto.”, quando a tradução correta seria: “Isso já é um avanço.”, que é o que foi mantido. Mas o mais complicado foi quando ele contestou a minha tradução de “tesuda” para o termo “conchuda” em castelhano, insistindo que a tradução deveria ser “bocetuda”. Claramente, além de ser um termo de todo inapropriado, com certeza não seria aprovado pela distribuidora, uma conhecida major. E foi o que aconteceu, gerando aí entreveros entre o realizador e distribuidor até que as coisas se acertassem, prevalecendo naturalmente o distribuidor.  Ainda recebi o telefonema de uma representante da distribuidora que, conhecedora do meu trabalho, quis se certificar de que certos termos não tinham saído da minha cabeça. Um belo mico!”

É, sócio-pai, não é fácil! Mas a gente gosta de um desafio 😉

A Casa Guilherme de Almeida e a Legendagem

Na última quarta-feira, dia 24, eu estive na Casa Guilherme de Almeida para um debate sobre legendagem. A convite do mediador da mesa, Donny Correia, lá fui eu para a minha primeira palestra acompanhada do sócio-pai e do fiel terceiro membro da LBM, Lucas Mateus. Minha companheira de mesa foi a incrível Sandra Schamas, pioneira do ramo de legendagem, da safra que se encarregou de inventar a legendagem de filmes e séries quando a TV a cabo chegou ao Brasil.

O título da mesa foi “Legendagem: problemas e soluções”, e para ele eu separei alguns exemplos recentes de soluções criativas que arranjei para alguns pepinos tradutológicos que cruzaram meu caminho este ano. Neste post, eu gostaria de fazer algumas considerações para as quais não houve tempo, já que o mesmo foi curto para tanta participação e interesse de todos os presentes 🙂

***

Durante o tempo que tive para falar sobre mim, meu trabalho e meus exemplos, procurei passar para a audiência como traduzir foi parte integrante da minha formação não só profissional, como pessoal. Quem leu o post inaugural do nosso blog sabe como tudo começou, mas falta ainda reforçar como eu aprendi o meu inglês primariamente traduzindo e como meu aprendizado da língua foi aplicado à tradução durante muito tempo, até que outras atividades me levaram a outros usos e proficiências, retornando mais uma vez à tradução de forma mais completa. Portanto, ao meu ver, a superação desses problemas de tradução, que Pedersen chamaria de crisis point na tradução, sempre estiveram presentes na minha prática. O que não significa que eu sempre tenha tido sucesso em superá-los; na verdade, foi bem o contrário! Durante o meu desenvolvimento profissional, houve alguns fatores que atrapalharam bastante e foi preciso um amadurecimento conceitual contínuo para que eu pudesse encarar meus desafios linguísticos da forma mais adequada.

Um exemplo disso foi a total falta de desconfiança que me acompanhou durante um bom tempo. Um bom tradutor desconfia de tudo que vê no seu texto de partida. Eu sei que cansa só de ler, pensar que tudo pode ser uma pegadinha, mas é bem por aí mesmo. Toda combinação de palavras pode ter uma conotação a mais, pode estar ligada a um elemento da cena, pode ser uma gíria do Alasca (alguém aí sabe o que “sourdough” significa?).  Muitas vezes paro para pensar em como o ofício ficava quase impossível para um pobre-diabo-tradutor de décadas atrás com as poucas possibilidades de pesquisa. Como a Sandra contou na palestra, há alguns anos, quem tinha um nativo a quem recorrer ficava se achando depois! Mas hoje em dia não tem desculpa, não. Entre Google, Facebook, dicionários e corpus online, difícil não achar alguma coisa. Mas tem que fuçar. E desconfiar. Sempre.

Outra coisa que atrapalhou muito também foi a gramática. Durante tanto tempo, até bem recentemente, me preocupar com a gramática a ser empregada na legenda era algo que me consumia tanto que muitos dos crisis points que apareciam recebiam importância menor. O que é melhor, go HBO e adotar o português padrão até a morte (“Fornica-me?”) ou escrever como o povo fala? Bem, no final das contas, nenhum dos dois. A legenda é um texto híbrido, diagonal, um cruzamento do escrito com o falado. Assim, deve aceitar características de ambos. Lindo! Mas como fazer escolhas? Seguir a gramática padrão a todo custo é pobre, pode ser horrivelmente irracional e distante da realidade. Porém, querer reproduzir na legenda a forma como as pessoas falam gera problemas conceituais sérios. Reproduzir a fala de quem? Passando do inglês para o português ou vice-versa, já estamos descaracterizando a fala da personagem; se adotamos um estilo de fala semelhante, ele já é diferente. E, se quando você desconstrói imperativos e concordâncias pronominais e emprega gírias você acha que está escrevendo como o povo fala, é melhor abrir a cabeça. O Brasil é um lugar imenso e cheio de falas, e você estará fazendo uma escolha bastante localizada ao selecionar certos desvios da língua padrão achando que todo mundo fala assim. Difícil, né?

Bem, eu aprendi a fazer escolhas gramaticais de forma estratégica. Na LBM, temos tentado seguir um manual gramatical inventado pelo nosso bom senso linguístico e cultural, mas não baseado na nossa própria fala. Somos de São Paulo e não costumamos falar “Olhe para mim”, e sim “Olha para mim”. Mas sabemos que em outras regiões as pessoas usam o imperativo normativo e assim, a solução é ir com a regra, pois todos entendem e aceitam. Nesse caso, a gramática normativa desempata; é mais justo assim.

Mas em outros casos, deixamos a regra de lado para dar lugar a algo mais lógico e que ofereça maior orientação ao leitor das nossas legendas. O pronome “lhe” não se usa mais tanto, mas o problema não é só esse. Esse pronome causa muita ambiguidade de leitura. “Eu lhe amo”. Você ou ele? Ah, não dá. O Pasquale que nos perdoe, mas vamos ter que misturar as estações! Mesmo sem aplicar o tu como pronome do caso reto, usamos sim o “te” nas nossas legendas para designar segunda pessoa no caso oblíquo. Não é porque falamos assim, é porque, mais uma vez, todos vão entender.

Resolvidos os impasses gramaticais, que são muitos, pude me concentrar nos verdadeiros desafios, nos meus crisis points, e usar minha criatividade de forma mais fértil. No final das contas, a gramática não deve subir a um patamar mais elevado do que aquele que deve ocupar: o de uma ferramenta que nos ajuda e não algo a ser venerado e seguido a qualquer custo, seja na sua forma escrita ou falada.

***

Por fim, talvez o que tenha feito a maior diferença na minha prática tradutória foi adquirir mais confiança nas minha ideias. Para superar um crisis point, além de criatividade, é preciso muita coragem também. Superar um crisis point muitas vezes significa escrever algo na legenda que fará com que a mesma se destaque, tirando o tradutor da sua invisibilidade. O conceito do tradutor invisível é muito valorizado, diz-se que a boa legenda é aquela que nem se percebe. Dentro dessa lógica, é comum que tradutores de diálogos lavem duas mãos diante de piadas, trocadilhos e elementos monoculturais através de desambiguação ou até omissão. Acredito que a maior causa disso seja o medo de ser ridicularizado, de que o que se escreve seja notado pelos espectadores de forma negativa.

Fica aqui a minha recomendação: dê uma chance para as suas soluções, mesmo que pareçam ridículas, exageradas ou fora de lugar. Antes de descartá-las totalmente, dê a si mesmo a oportunidade de vê-las escritas na tela do seu computador, analisá-las de uma certa distância. Se não arranjar nada melhor, deixe lá, não apague. Quem sabe amanhã você não volta e descobre que já se acostumou com o que escreveu? Pouco a pouco, você percebe que é capaz de arranjar saídas para os seus crisis points. Afinal de contas, a tradução é sim um trabalho de autoria.

20140924_192737

PS: Agradecimento especial a Donny Correia e a CGA pelo convite e a oportunidade de novas reflexões. Leitores, não deixem de acompanhar a programação da Casa.

http://www.casaguilhermedealmeida.org.br/

Tira esse tira daí: das escolhas de tradução

Recentemente alguém curioso sobre a tradução de legendas surgiu no meu Facebook e, entre mil outras perguntas, incluindo “Quem é Herbert Richers?” (Google?), perguntou-me sobre o uso da palavra “tira” em legendas, comumente usada para traduzir “cop” do inglês, uma gíria para policial. Seu principal argumento contra o uso do termo era que ninguém falava daquele jeito e que ele só via aquilo em legendas/dublagens. Justo.

Preparem-se para uma seleção de memes de tiras ã-mei-zin.

Realmente, pelo menos aqui para os meus lados paulistanos, não se usa muito “tira” para se referir a um policial informalmente/pejorativamente. No entanto, como a maioria das pessoas, meu círculo de relações é muito restrito para afirmar que ninguém fala dessa forma aqui em São Paulo; há muitos meios onde eu não posso nem imaginar como as pessoas se expressam, embora esteja sempre muito atenta aos diferentes falares.

Instintivamente, porém, concordo que “tira” possivelmente é uma expressão algo antiquada para os dias de hoje. “Coxinha”, “meganha”, “os homi” e “cana” (como apontou um leitor do blog nos comentários ano passado) são só alguns exemplos de muitas outras gírias para polícia que estão em circulação por aí, então por que a insistência no bom (ou mau?) e velho tira?

***

O objetivo deste post é oferecer algumas reflexões que podem ser caminhos para responder a pergunta do meu amigo curioso. Então, vamos lá:

1) Uma convenção

Como confidenciado por meu amigo curioso, ele mesmo aprendeu o termo “tira” lendo legendas/ ouvindo dublagens. Isso é um indicador de que já é uma convenção de legendadores escolher esse termo. Mais do que isso, podemos até afirmar que é uma convenção cinematográfica, já que títulos de filmes (que NÃO são escolhidos pelo tradutor, e sim pela distribuidora do filme) que trazem “cop” no original também costumam ter “tira” no meio. “Tira” também é uma opção comum no processo inverso. Explico-me: sendo já uma convenção cinematográfica, virou também um clichê, sendo muitas vezes usada essa palavra no título para torná-lo mais comercial, sem que “cop” esteja presente. Exemplo disso é o filme “Os Tiras de Los Angeles”, cujo título original é “L.A. Takedown”. Sacou?

Veja só alguns exemplos de títulos com os homi tira:

  

Parte-se do pressuposto que um dia “tira” foi um termo assim mais… in. Mas podemos considerar também que, no audiovisual brasileiro, tira virou o termo que se refere especificamente ao policial americano.

2) Uma estratégia

A tal convenção de que falamos acima não tem benefícios somente para o tradutor, que não precisa se aporrinhar muito para achar uma tradução adequada. É possível dizer que, em determinados casos, a escolha de certos termos visa também facilitar a vida do leitor das legendas. A palavra “cop” em inglês se refere à pessoa do policial, porém é uma gíria. Diferentemente de “tira”, essa gíria se mantém totalmente atual. “Tira” em português, embora desatualizada para os mais jovens, tem em si exatamente a mesma qualidade que “cop” no inglês: é um termo para se referir ao policial informalmente, que pode ter carga positiva ou negativa dependendo de quem fala e é um termo que poderia sair da boca de várias classes de cidadão. Gírias mais atualizadas parecem ter conotação seriamente pejorativa e, em muitos casos, poderiam ser más opções. Traduzir simplesmente por “policial” é uma opção neutra, mas menos fiel se considerarmos que a personagem está se expressando com uma gíria, e não uma palavra neutra. Dependendo do caso, também pode não ser a melhor opção. Usar “tira” é uma estratégia de tradução que, como qualquer estratégia, tem seu lado bom e ruim. O ruim já sabemos bem, na época de Matusalém já não se falava mais assim. Mas o bom é bom mesmo: a preservação de um componente cultural presente na escolha da linguagem usada que, nos filmes, pode ser crucial.

Cops be like…

Outro bom exemplo é “Que diabos”, algo ainda muito comum nas legendas para traduzir “What the hell”. Não é aquela coisa mais natural de sair da boca de alguém que você conhece, mas passa bem a ideia. Nesse caso, outras estratégias poderiam incluir omissão total (ex. “What the hell are you doing?” vira “O que você está fazendo?” simplesmente), um tanto infiel e sem graça, ou apelar para uma coisa mais vulgar, como palavrões, o que não é nada interessante (nem permitido) na esmagadora maioria das vezes. O que você preferiria?

3) Uma preocupação

 O uso de gírias é algo delicado na tradução, em especial na legendagem, por dois motivos. O primeiro é que gírias são muito regionais e representam muito bem uma parcela muito pequena de pessoas. Na compreensão do tradutor, uma gíria pode traduzir com perfeição e humor o que está sendo dito em outra língua, mas, se não for algo consagrado nacionalmente, não há garantias de que aquilo vá cair bem para todos os públicos. A legenda dura segundos e é o dever do legendador procurar não dificultar o trabalho do leitor sempre que possível. Na tradução de legendas para cinema, que é o ramo da LBM, é pior ainda, já que não é possível nem voltar um pouquinho para tentar entender e refletir sobre o que uma palavra possa significar. O segundo motivo é que gírias também são passageiras e podem ser maravilhosas agora e totalmente esquecidas mês que vem. Mais uma vez, o uso de gírias não consagradas, aquelas que resistiram ao tempo, pode ser problemático. O tradutor deve estar atento ao fato de que a legenda deve estar o mais atual possível após alguns anos da sua confecção.

Não poderíamos deixar as rosquinhas de lado.

***

O uso de gírias consagradas, porém desatualizadas, pode ser tema de discussão no mundo da tradução. A convenção, a estratégia e a preocupação podem oferecer bons argumentos, mas são também fruto de conservadorismo no nosso ramo. Com isso, quero dizer que não acho reprovável o uso de gírias atuais e admiro tradutores que correm riscos para tornar seu trabalho mais interessante e rico, contanto que estejam pensando sempre no público leitor, de uma forma ou de outra. É preciso que se siga uma linha de raciocínio ao escolher um termo, visando sempre uma reação do leitor, que nem sempre precisa ser a mais confortável para ele. E, mais importante, TUDO depende do contexto. “Tira” não é a mesma palavra em cada diálogo em que é dita, pois cada contexto é um. Assim, cada contexto aceita diferentes possibilidades de tradução.

E agora, caro amigo curioso, tira ou não tira?

Imagem relacionada
Tira: “Tem drogas ou álcool aí?” Motorista: “Não, valeu. Já estou carregado.”

Heist Films Entertainment

Fim de semana retrasado, eu me encontrava de folga passeando em Curitiba. Não será grande surpresa para o meu leitor se eu disser que resolvi visitar o Museu Oscar Niemeyer, o MON. O “Olho”, como é comumente chamado em referência ao formato do seu incrível vão livre, é um destino turístico popular não somente por sua óbvia atratividade arquitetônica, mas também pela excelência de suas exposições que, segundo descrição do próprio museu, colocou o MON no mapa dos museus brasileiros importantes, que antes de limitava à rota SP-RJ. Para minha grata surpresa, ao perambular pelo museu visitando seus espaços e exposições, percebi que ele se propunha a ser casa de todas as artes visuais e que o cinema não era exceção. Foi assim que conheci a Heist Films Entertainment, uma produtora de filmes nada convencional.

***

O Olho fica lá no alto. Para chegar até o Olho propriamente dito (que abriga uma deslumbrante exposição sobre João Turín), é preciso atravessar um corredor cujo teto não se enxerga, ainda que seja todo iluminado.  Ele dá numa pequena sala, na qual encontrei um gigantesco pôster de um filme intitulado originalmente “Paranormal”, porém com título em português “Garota Diabólica”. Nele, uma moça se sentava à beirada de uma cama com o olhar tresloucado que só os possuídos têm, punhos medonhamente retorcidos. “Até aí”, pensei, “mais um clichê e desinteressante filme de terror”. Porém, à direita do pôster, no canto inferior da salinha, uma velha televisão 14″ ligada, sem nenhum sinal. Olhando o pôster mais de perto, entre as clássicas folhinhas de louro que anunciam a participação dos filmes em festivais importantes, em vez de Cannes ou Sundance, lia-se Hoax Festival. Hum.

***

Gustavo Von Ha tem sido apontado por muitos críticos como um dos mais inventivos artistas contemporâneos por aqui. É ele o criador da Heist Films Entertainment, uma empresa fictícia dedicada a produzir e distribuir trailers de filmes que jamais serão feitos. Não, “Garota Diabólica” não é um filme de verdade, embora tivesse tudo para ser.  Na pequena sala introdutória do MON citada acima e em mais três pequenos espaços verticalizados a caminho do Olho (a parte amarela que sustenta o Olho), estão em exibição os mais variados objetos sobre quatro trailers de filmes que não existem. Pôsteres, fotos, vestimentas, perucas, roteiros em papel (quem saberá se realmente há alguma coisa escrita neles?) e os próprios trailers se juntam para uma celebração improvável do trailer como obra de arte, absoluto em si mesmo. A fragmentação narrativa proporcionada pelo trailer, que normalmente serviria para motivar o espectador a assistir a obra completa, passa a ser um gênero narrativo completo, algo de muito pós-moderno. Saber que não há nada além do próprio trailer para ser visto causa um estranhamento muito grande, uma reação muito intensa que se contrasta com a simplicidade da exposição. A exposição é open-ended; um convite à imaginação para montar sua própria narrativa final. Muito tentador.

gustavo-von-ha-projeto-solo-expo

É difícil ignorar, no entanto, que os quatro trailers de filmes em exibição, a saber “Garota Diabólica (Paranormal),  “Hollywood em Chamas 1” (Gasoline 1), “Hollywood em Chamas 2” (Gasoline 2) e “A Busca do Amor” (TokyoShow), fazem alusão aos grandes clichês dos gêneros cinematográficos (a começar pela tradução de seus títulos para o português). Não seria difícil imaginar desenvolvimentos e finais para tais filmes, mas talvez não fossem dos mais originais. Mas tudo isso não parece ser à toa. Segundo o encarte da exposição, “[Todos os trailers] possuem peças publicitárias, atores e atrizes profissionais, páginas na internet e nas redes sociais, DVDs distribuídos em bancas de filmes piratas e cartazes – em suma, tudo o que um filme real deve ter por convenção”. Mas que filme real deve ter tudo isso por convenção? Certamente, um filme que visa alcançar grandes públicos, vender bem. E dinheiro é a alma do negócio, não é? Ao produzir trailers que “emulam uma realidade que nunca se concretiza em sua totalidade”, o autor está, ainda que em segundo plano, mostrando a própria desvalorização do filme como objeto final do público e, em oposição, escancarando a ênfase dada ao processo de venda do filme antes mesmo que ele exista. A realidade ou concretização aqui não são importantes, mas sim a fantasia. Fantasia criada em torno da criação cinematográfica, das pessoas nela envolvidas, nos objetos utilizados, tudo elevado a um status de proporção descabida. Por quê? Dinheiro. No mundo em que vivemos, a “realidade” do filme, sua mensagem, sua essência, é pouco importante perto do quanto se pode lucrar com ele. Franquias de filmes, bem simuladas por Hollywood em Chamas 1 e 2, talvez sejam o maior exemplo disso. Filmes muitas vezes sem sentido já têm seus nomes e informações vendidos e marketados antes mesmo de existirem, pois o público parece não se cansar. Será que não nos cansamos mesmo ou somos eternamente levados a verificar algo que foi tão incessantemente martelado em nossas cabeças? Ah, a expectativa.

“Heist Films Entertainment” (que é, a propósito, o nome da exposição) pode ser um mágico convite ao universo de possibilidades que o cinema nos proporciona ou um não tão mágico convite ao pobre universo da mesmice a que ele nos condena. Por ambos os motivos, imperdível.

http://www.heistfilms.org/

PS: fiquem, então, com a cena de Alessandra Negrini segurando uma peruca de forma irresistível no trailer de “Em Busca do Amor” (TokyoShow). A peruca, objeto tornado praticamente mítico, pode ser encontrada na exposição (ah, vá?).

tokyoshow