A LBM em cartaz: Março

Car@s leitor@s distantes da LBM,

Azinimiga da floresta dirão que o ratinho estava de férias, mas ele mandou um vídeo sobre seu paradeiro:

Março já ficou lá atrás, mas teve cinco estreias lbmísticas ótimas para a conta, então vamos mergulhar de cabeça.

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Março teve duas estreias internacionais em cantos opostos do espectro de gênero: “Motorrad”, ficção de suspense/terror; e “A Imagem da Tolerância”, um documentário de temática religiosa.

O último, obra da diretora Joana Mariani, com quem já havíamos trabalhado no doc “Marias”, é um estreitamento da temática das Marias latino-americanas: “A Imagem da Tolerância” trata do papel da Nossa Senhora aqui no Brasil, em vários níveis. Os entrevistados mais variados compõem a obra, como o padre Fábio de Melo, Nany People, Maria Bethânia e o pastor Nilton Bonder, que foi o meu preferido (leiam “A Alma Imoral”!). O longa foi legendado em inglês pela nossa equipe para ser exibido nos seus primeiros festivais internacionais, e também teve seus 15 minutos (mais para 72) de fama na Mostra de SP ano passado.

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Maria Bethânia: fã #1 da outra Maria.

Já “Motorrad”, ou MTRD para os íntimos, já tinha sido legendado em inglês por nós há um bom tempo para ser exibido no Festival de Toronto. O projeto pequeno, baseado na obra original do cartunista Danilo Beiruth, ganhou proporções incríveis e foi chamado para diversos outros festivais. Até a presente data, ele já ganhou legendas em espanhol também e um lindíssimo CCSL para ser lido por muitos executivos do cinema mundão afora. Para quem  nunca ouviu falar, a Combined Continuity and Spotting List é um documento parecido com um roteiro, só que apresentando a versão final do filme já rodado. Ele contém todas as falas com seus falantes, timecode, breves descrições de cena e esclarecimentos sobre falas e expressões que podem causar dificuldade. Legal, né? Mais uma especialidade do ratinho.

Para seu lançamento por aqui, fizemos a acessibilidade completa do MTRD. O maior desafio, sem dúvidas, foi na confecção da janela de Libras. Nossa heróica intérprete Paloma descreveu seu processo nesse baita textão para nós:

Este filme trouxe um desafio diferente, o de traduzir mais efeitos sonoros diegéticos e não-diegéticos que causam (indicam) as reações das personagens, como sustos, motivação para fugir ou esconder-se dos malvados. A intensidade desses sons foi traduzida usando recursos como duplicação de mãos, expressão facial e/ou tensão considerando a relevância para o contexto. Primeiramente, para os sons de moto, quando distantes, a sinalização se inicia normalmente, e, quando aproximada e muito mais barulhenta, a sinalização foi mais intensa usando mais tensão, expressão e duração do sinal. De igual modo para os trechos de música de rock não-diegética, a sinalização buscou referenciar a dinâmica de cada trecho, considerando a tensão proposta para a cena a seguir. Finalmente e não menos importante, para os gritos, a sinalização foi adaptada de acordo com o contexto, por exemplo, a duração do sinal foi mais longa para gritos mais prolongados.

Resumindo, em termos de musicalidade na Libras, o desafio é transmitir ritmos, intensidade, dinâmicas, crescentes e decrescentes para um público com muita ou pouca referência auditiva, mas que é de extrema relevância para compreensão de reações e atitudes das personagens.”

Para filmes como esse, com muitos sons que por vezes podem confundir o/a intérprete, é bom contar com um editor de vídeo que preste atenção à interpretação e saiba diferenciar certos sinais, corrigindo equívocos e tornando o CQ mais fácil.

Para encerrar a saga desse filme inovador na nossa indústria cinematográfica, rolou uma pré-estreia aqui em SP. [MINI SPOILER] O ator Alex Nader compareceu com sua cabeça decapitada logo no início do filme, e deixou a gente se divertir um pouco.

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O cabelo era real e eu levei a maior bronca por segurar assim.

As outras três estreias do mês ficaram por conta dos internacionais. Vamos a um resumão:

PROJETO FLÓRIDA

Nossa maior aposta para levar um Oscar para casa este ano, com a atuação de Willem Dafoe. A Academia negligenciou, mas a maioria dos críticos por aqui deu 5 estrelas para esse filmão. Um filme duro de assistir, porém com grande apelo de forma e estética, uma obra incrível mesmo. Nossas legendas logo chegam à Netflix, prometemos.

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E essa paleta, hein? <3

 

MEDO PROFUNDO

Não, espera. Agora é “47 Metros Para Baixo”. O filme, que foi lançado com o título acima, acabou em conflito com os direitos de outro filme que já tinha esse nome. Mas, apesar de parecer bobinho, é um thriller de tubarão bem legal! Mandy Moore passa apertos numa gaiola a 47 metros da superfície, falando durante quase todo o filme através de uma máscara de oxigênio. Só não passou mais apertos que a Paloma interpretando, que às vezes não entendia nada do que ela estava falando! Pois é, além de legendagem, rolou acessibilidade completa também.

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Fico sem ar só de olhar essa foto.

 

12 HERÓIS

Filme de guerra, imperialismo Yankee. Yadda yadda. Testosterona define. Mas tem uns homi bonito? Tem.

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Oh Thor.

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É isso, então. Em breve, atualizações sobre as estreias de abril 🙂

 

A LBM em cartaz: Fevereiro

Querid@s leitor@s,

O tempo passou e o blog saiu de férias sem dar notícia. Mas tudo bem, Renato, não foi tempo perdido!

O ratinho retorna hoje, em plena segundona, para contar o que rolou no mês de fevereiro e começar a tirar o atraso.

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Relembrando “Tirando o Atraso”, grande clássico do cinema legendado pela LBM.

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No mês de fevereiro, tivemos um total de quatro estreias no cinema. No dia primeiro, postamos aqui sobre “Todo O Dinheiro do Mundo” (clique aqui para relembrar a pessoa maravilhosa que foi J. Paul Getty). Já na segunda quinta do mês, os cinemas abriram dois filmes by LBM: a simpática animação “Meu Amigo Vampiro”, cuja acessibilidade foi feita toda por nós, e “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, legendado por nossa talentosa equipe. Mas os dois filmes não poderiam ser mais distintos!

“Meu Amigo Vampiro” (PlayArte Pictures) conta a história de amizade entre um vampirinho e um humaninho lá na Transilvânia, uma animação feel-good para entreter a molecada. A produção é baseada nos livros infantis de Angela Sommer-Bodenburg e já havia ganhado um filme live action em 2000. Um desenho no molde clássico, com muita ação – nossa intérprete de Libras teve muito cuidado ao fazer o levantamento dos sons para não se perder na hora da gravação. Em casos como esse, é importante também manter o ritmo de interpretação quando há muitas falas consecutivas, pois, do contrário, fica difícil fazer a sincronia com as falas na pós.

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Quem tem presa vai a Roma.

Por outro lado, “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (Diamond Films) foi um dos filmes mais macabros que já traduzimos. O filme de terror psicológico é daqueles que te deixa com sensações estranhas em lugares da sua mente que você nem sabia que existia, e você nem sabe o porquê. Também é daqueles que exigem uma bela explicação de um belo crítico de cinema. Mas como não gostamos de spoiler, deixamos aqui essa apresentação do CinePOP que não fala o que não deve.

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Elenco e diretor do Cervo: não se iluda, eles não são normais.

Avançando para o dia 15, tivemos a estreia de “Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi” (Diamond Films). Esse filmão maravilhoso nos encheu de orgulho com 4 indicações ao Oscar. Uma das indicações, a de melhor canção original, rendeu uma apresentação ao vivo durante a premiação na voz da incrível Mary J. Blige, que também estava indicada por Melhor Atriz Coadjuvante. Apesar de não ter levado nenhuma estatueta para casa, o filme ganhou o Robert Altman Award no Independent Spirit Award, além do prêmio de Melhor Fotografia para Rachel Morrison do New York Film Critics Circle. O trabalho da diretora de fotografia foi realmente espetacular e por si só já é um excelente motivo para assistir ao filme. Não foi à toa que ela fez história este ano sendo a primeira mulher a ser indicada para a categoria no Oscar (o que diz tanto sobre o talento dela quanto sobre as tendências machistas da Academia). Uma referência mais mainstream de tirar o chapéu sobre o trabalho de Rachel foi sua direção de fotografia em “Pantera Negra”, que me fez ir ao decolar.com procurar passagens para Wakanda.

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Essa molier <3

Para fechar o mês curto, na quinta 22 tivemos a estreia de “A Grande Jogada” (Diamond Films), o longa que conta a história da esquiadora, jogadora de pôquer e alvo de investigação do FBI, Molly Bloom. O filme é longo, com duas horas e vinte de duração, mas é dinâmico, cobrindo muitos eventos e não deixando ponta sem nó. O canal de crítica Meus 2 Centavos resume bem, veja só:

Nossa equipe perseverou e superou quase 2500 diálogos (bendito voice-over) para que o filme fosse exibido nos telões com o glamour e sagacidade que a protagonista merecia. Honestamente, é um sopro de ar fresco assistir a uma biografia feminina que coloca a mulher numa situação de tanto poder e evidencia tantas qualidades. Queremos ver mais disso por aí.

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Só se for com essa lacração toda.

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Voltamos logo mais com as estreias de março e quem sabe um dia não chegamos a abril? :*

A LBM em cartaz: “Todo O Dinheiro do Mundo”

Car@s colegas da LBM,

Sorte a de vocês que são caros para nós; se fossem caros para Paul Getty, ele não compraria!

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Infâmias à parte, a estreia lbmística de hoje é o comentadíssimo “Todo Dinheiro do Mundo”, o novo filme de Ridley Scott distribuído aqui no Brasil pela Diamond Films. Cercado de polêmicas e contratempos, a produção seguiu firme até sua estreia e agradou a muita gente. O ratinho fez essa legendagem e garante: é muita história para contar!

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Para quem não conhece a figura (histórica), J. Paul Getty foi  possivelmente o homem mais rico do mundo, tendo feito sua fortuna com dinheiro de petróleo. Sua notória sovinice deu cria a crônicas familiares tão chocantes que sua biografia ficou digna de novela cinema. A mais famosa dessas histórias, o sequestro de seu neto preferido pelo qual ele se recusou a pagar o resgate, é o tema principal do filme. Ao assistir o filme pela primeira vez, achei tudo muito hiperbólico e inverossímil, ao que Johnny me alertou: a realidade havia sido ainda pior. Um rápido fact-checking mudou totalmente a minha perspectiva sobre o filme: a vida ganhou da ficção na corrida do absurdo.

A narrativa do filme inclui famosas frases e atitudes do velho avarento, como a entrevista que ele cedeu após a divulgação do sequestro do seu neto. Um jornalista lhe perguntou se ele pagaria o resgate pedido pelos sequestradores, ao que ele respondeu que tinha 14 netos e, se pagasse um resgate, logo estaria pagando 14. O filme dá a entender que o momento era bom para o mercado petroleiro e que, nessa época precisamente, Getty estava ganhando mais dinheiro do que nunca. O que fatos históricos confirmam, no entanto, é ainda mais chocante: o valor pedido pelos criminosos da Mafia para libertar seu neto equivalia nessa época ao que o empresário estava ganhando em apenas um dia com seus rendimentos! Para contar mais fatos, teríamos que dar spoilers do filme, então nos absteremos. Quem quiser saber mais sobre as relações da obra com a história real, pode ler esta matéria da Vanity Vair (em inglês).

As aparências certamente enganam.

Passando da realidade ao longa, o inacreditável também aconteceu. O papel de J. Paul Getty havia sido escrito para o ator Kevin Spacey, que gravou o filme inteiro como protagonista. Mas não era o Christopher Plummer no gif ali em cima? SIM! Com o filme já pronto, Spacey foi acusado publicamente de assédio sexual por várias pessoas, culpa que ele não negou. Assim sendo, os produtores do filme decidiram simplesmente riscar o ator do filme e regravar todas as cenas dele com Plummer em seu lugar, facilitando a vida dos cinéfilos que não precisaram sabotar filme de ator pedófilo. A LBM, no entanto, recebeu os screeners poucos dias antes do escândalo e pudemos ver o filme original Imagem relacionada Ele já foi devidamente deletado de todos os lugares, mas não pudemos deixar de fazer essa inveja nas inimigues.

Yuck.

Essa reviravolta foi complicada para a nossa equipe, que teve que lidar com materiais não finalizados. Foram muitas mudanças e refações nas legendas, trabalhamos com versões parcialmente sem áudio; parecia mais um trabalho de produtora do que de distribuidora. As cenas regravadas, porém, ficaram impecáveis e a crítica elogiou muito o trabalho de Plummer, que ganhou indicações de melhor ator coadjuvante para as principais premiações da temporada. Michelle Williams também roubou a cena no papel da mãe do garoto sequestrado. Já Mark Wahlberg dividiu opiniões, como você pode ver na crítica do What The Flick?!, que também apresenta o trailer:

Encerramos o post com o depoimento emocional do tradutor principal do filme, gerente de projetos e super-herói Johnny, que mais do que ninguém tem a falar sobre essa personalidade:

J. Paul Getty construiu sua vida para a posteridade, afinal o bilionário tinha uma obsessão com a história, a do mundo e a própria. Os livros que publicou, que incluem o título “How to be Rich” e uma autobiografia, são prova disso. A ode ao passado o levou a criar uma cópia idêntica da Vila Adriana de Tivoli, Itália, em Los Angeles. Como um Tio Patinhas que acumula obras de arte em mansões em vez de moedas de ouro em cofres, Getty buscava preencher um vazio que arte nenhuma é capaz.”

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Voltamos semana que vem com mais uma estreia incrível!

Tradução para cinema: a evolução

Caríssim@s leitor@s,

O primeiro guest post deste ano é mais do que especial. Depois de um bom tempo de espera, enfim recebemos em nosso blog a tradutora de cinema Marina Fragano Baird, vulga minha tia Marina, para um relato de coração sobre a tradução para cinema através das décadas.

Duas dicas bacanas que darei totalmente de graça para vocês. A primeira é: o texto a seguir discorre longamente sobre a moviola e a pietagem. Então, se ainda não leram o post inaugural deste blog especial sobre a moviola, cliquem aqui e leiam agora para entender melhor sobre a máquina e seu funcionamento. Ele foi repostado semana passada com nova introdução e arte. A segunda dica? Só aproveitem!

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Olá, pessoal! Depois de meses ensaiando para escrever no blog do ratinho, aqui estou.

Pois é, a vida de tradutor de cinema é assim, corrida, cheia de imprevistos. Fica difícil se programar. E, mesmo tentando se programar, quando seu corpo e sua mente resolvem por você que é hora de parar, descansar, fazer aquela viagem revigorante, você corre o risco de deixar de fazer aquele filme que você tanto queria traduzir! Mas você volta renovada para novos desafios. Relaxada e com mais experiências e conhecimento para usar nas suas traduções.

Férias de tradutor de cinema?

É, acho que é uma profissão na qual as férias proporcionam um descanso necessário, claro, mas também reforçam o estoque de conhecimentos a serem aproveitados no seu ofício. Pelo menos, para mim, é assim desde a década de 70. Por mais complexo que fosse traduzir um filme no início, antes mesmo da existência da máquina de escrever elétrica, e marcar manualmente (que mais tarde começou a se chamar também “pietar”) na moviola a entrada e saída de cada legenda para o laboratório saber onde colocar cada uma delas, esse foi sempre um trabalho estimulante.

Sem contar que os roteiros não eram bem elaborados como nas últimas décadas, e era preciso “levantar” muitas palavras e frases na moviola (tarefa difícil, pois sendo ela manual, era difícil dar a velocidade precisa na fala), ou então “levantar” o que faltava na cabine onde o tradutor assistia ao filme. E, quando queríamos voltar atrás no filme para rever uma cena ou ouvir novamente um diálogo, era preciso pedir para o operador parar o filme, voltar atrás manualmente até um ponto que provavelmente seria o ideal, montar novamente e religar a máquina. E lá se iam muitos e muitos minutos, sem contar o risco de ter que ver mais uma vez!

Somado a isso, na época da ditadura, por exemplo, corríamos o risco de ter que marcar (pietar) o filme três ou quatro vezes, pois nossos austeros censores abominavam, por exemplo, o uso da palavra “droga” usada como tradução de “damn” ou “shit” (“merda” nem por sonho), pois podia remeter a “drogas” (“drugs”), e cortavam a cena inteira, o que obrigava a remarcar o rolo a partir daquele corte.

A tia Marina ainda tem a sua moviola, que está parada há cerca de 3 anos. É uma versão mais moderna e menos penosa de usar, otimizada para não sobrecarregar o braço do marcador.

“Calígula”, por exemplo, eu tive que marcar quatro vezes! A marcação, ou pietagem, consistia em anotar o número (que aparecia no marcador em pés da moviola) no início e no fim de cada legenda. Essa marcação servia também para o tradutor saber qual deveria ser o tamanho da legenda para que houvesse tempo de leitura da mesma.

Algumas décadas se passaram, passamos da máquina de escrever manual, à elétrica, e depois ao computador. Os filmes passaram há uns três ou quatro anos, a ser todos digitais. Os filmes que eram vistos em cabines, passaram a ser entregues ao tradutor em VHS (é só dar um Google para saber que bicho é esse!), depois DVD, blu-ray, pendrives. Hoje em dia, ou você recebe o link para baixar o filme, ou então você recebe um aviso de que determinado filme está disponível para você. E então, você já recebe a imagem, o template com as legendas na língua original e um template em branco para fazer a tradução, já indicando de que tamanho deve ser a legenda, que tende atualmente a ser mais curta. (Ou seja, um trabalhinho mental a mais, pois você tem que dar ideia do que está sendo dito com menos palavras!)

Só a tradutora oficial da Warner poderia dar essa letra, né, migues?

Os roteiros agora costumam estar completos e, por vezes, com explicação de determinadas palavras ou expressões. E a imensa quantidade de dicionários digitais e sites de pesquisa nos permitiu aposentar os vários dicionários, que iam sendo substituídos por novos, ou por terem se tornado obsoletos ou por já terem perdido várias folhas por excesso de uso. Para nos adaptarmos às novas tecnologias, de vez em quando temos que fazer alguns treinamentos. Às vezes, confesso, dá preguiça de ter que aprender algo novo, mas depois de dominada a nova técnica, a sensação é de satisfação, e normalmente o trabalho torna-se um pouco mais ágil.

Foram tantas e tantas mudanças através das décadas, mas o que não muda é o aprendizado a cada filme traduzido. Não só em termos de aprender novos vocábulos e expressões, mas de viver diferentes experiências com cada personagem, formar opiniões a respeito de determinados fatos e descobrir suas opiniões com relação a certos temas, antes desconhecidas até por você. E conseguir transmitir para os espectadores a ideia de cada frase, já que geralmente não existe um tempo de leitura suficiente para traduzir tudo que é dito, dá uma sensação de missão cumprida.

Inventar trocadilhos onde a tradução literal tiraria a graça de determinada legenda é outro desafio. E algumas traduções de termos ou expressões que fizemos e não nos satisfizeram nos perseguem no banho, na refeição, no supermercado, até que encontremos uma que nos convença.  Além das pesquisas habituais, às vezes temos que ler livros nos quais certos filmes se baseiam, para que sejam mantidos os nomes dos personagens, locais, determinadas expressões características, etc. Foi assim, por exemplo, com os oito filmes “Harry Potter”. Para traduzi-los, li os sete livros, mantendo assim os nomes dos personagens, das casas, dos feitiços, dos lugares, etc., para não frustrar os fãs, muitos dos quais sabiam cada nome contido no livro de cor. O mesmo aconteceu com outras franquias como “O Senhor dos Anéis”, “O Hobbit”, e os filmes de super-heróis: “Batman”, “Mulher-Maravilha”, “Esquadrão Suicida”, “Liga da Justiça”, entre tantos outros. Os fãs dos quadrinhos não perdoam um mínimo deslize! Assim como os das franquias para adolescentes, como “Divergente”, “Crepúsculo”, etc., além de filmes baseados em livros famosos, como “O Pequeno Príncipe”, “A Cabana”, “O Nome da Rosa”.

Estamos fazendo uma vaquinha virtual para comprar um novo apê onde a tia Marina possa colocar sua lista de filmes traduzidos, que já não cabe mais em seu apartamento.

E assim, depois de mais de 1.500 filmes traduzidos, continuam iguais o entusiasmo pela profissão, pelo aprendizado a cada filme, a sensação de satisfação ao final de cada trabalho concluído, principalmente os que requerem maior esforço, e a alegria ao ver reconhecido o valor do próprio trabalho.

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Marina Fragano Baird formou-se em Letras na USP e começou a traduzir para cinema aos 18 anos. Com mais de 40 anos de carreira, tem uma lista invejável de mais de 1500 filmes traduzidos. Viajou boa parte do mundo atrás de renovação mental, espiritual, corporal e, sobretudo, cultural para seguir traduzindo. Pioneira na pietagem de filmes 35 mm, aprendeu sobre marcação na antiga Labocine do Rio de Janeiro e seguiu marcando filmes até que todos os cinemas brasileiros estivessem digitalizados. Uma referência na tradução para cinema, com a qualidade que estabeleceu padrões no mercado, e ícone para fãs brasileiros das maiores franquias culturais do planeta.

A LBM em cartaz: “O Estrangeiro”

Queridões e queridonas,

voltamos nesta quinta para o primeiro “LBM em cartaz” do ano com uma estreia que só pode ser definida como muito d-a-o-ra: filme do Jackie Chan! O enredo, no entanto, traz surpresas.

Para aquecer, vamos assistir a uma cena épica de “Quem Sou Eu?”:

Preparad@s?

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Quando soubemos que o filme do Jackie Chan viria para a LBM, nosso gerente Johnny logo se jogou na frente do projeto e disse que seria ele a traduzir. Logo, seu depoimento é indispensável:

Traduzir um filme do Jackie Chan foi como visitar uma parte da minha infância. Quando moleque, eu vibrava com as estripulias do baixinho chinês em filmes como O Caçador de Encrencas (City Hunter), O Mestre Invencível (Drunken Master) e Arrebentando em Nova York (Rumble in The Bronx). Depois de anos sem contato com a filmografia de Chan, confesso que me surpreendi com a pegada dramática e o tom soturno de O Estrangeiro. Diferente dos personagens que o consagraram, distanciando-se da veia cômica, Chan mostra que ainda tem lenha para queimar e pode surpreender, principalmente quando vai além da pancadaria.”

O que o querido Johnny não contou foi que a parte dramática deu mais trabalho na tradução do que o antecipado! O filme tem um contexto político tão elaborado que até engole a ação em muitos momentos. Esse contexto é desenrolado no enredo pela morte da filha de Chan num atentado terrorista assinado por um grupo dissidente do IRA (será porque ninguém aguenta mais filmes ambientados na Guerra Fria?). Para efeito de tradução, o sotaque irlandês por si só já cria barreiras – no que fomos ajudados pelo roteiro. Foi necessário também entender melhor a história do IRA para fazer escolhas adequadas em relação a termos e tom para o filme.

Falando em xenofobia!

Uma das escolhas mais interessantes para o filme foi a tradução do termo Chinaman. O termo dá nome ao livro que deu origem ao roteiro do filme, que acabou levando o título mais genérico de “O Estrangeiro” (The Foreigner). A troca de título é bem óbvia na sua intenção: não ofender ninguém antes mesmo de o filme começar. Como muito bem colocado pela crítica da Variety, o termo não tem equivalência alguma com outros rótulos de nacionalidade, como Britishman ou Frenchman. No entanto, o termo é usado largamente durante o filme, deixando o tradutor numa situação delicada. A decisão final foi utilizar duas opções de tradução: para os personagens pró-Chan, usamos “chinês”; já quando os anti-Chan o chamavam, era “china”. Quem quiser ler mais sobre o termo, pode dar uma olhada nesta página da Wikipédia, está bem legal!

Mas voltando às surpresas que Jackie Chan nos traz, a verdade é que há muito que não sabemos sobre o ator. Alguém aí sabia que ele já fez um filminho adulto, ou que ele é cantor de ópera? Quem quiser saber mais curiosidades sobre Chan, pode ler este artigo que lista 16 coisas surpreendentes sobre ele. A verdade, no entanto, é que Chan não foi somente visionário ao criar o gênero de comédia com kung-fu. Ele antecipou a moda de hoje já nas décadas de 70 e 80!

Eu facilmente pegaria coisas emprestadas desse closet.

Encerramos esse post com o espírito de luta renovado. Até semana que vem!