Dia da fotografia: um relato

No dia da fotografia, nosso supervisor de pós e fotógrafo apaixonado Ivan M. Franco traz sua visão íntima dessa arte; um breve testemunho que é também uma declaração de amor.

Ivan e Ligia em projeto fotográfico na Pinacoteca de SP.

Cuidem bem de seus registros. Boa leitura!

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“Entendeu ou quer que eu desenhe?”

Essa frase não tem só sarcasmo embutido: ela imprime nosso desejo de expressar ideias. Às vezes, essas ideias são tão abstratas que, mesmo desenhando, não explicamos o que se passa em nossa cabeça.

Um estudo recente conecta os desenhos das cavernas com o início da linguagem. No estudo, os desenhos de animais, por exemplo, eram muito mais representações do tipo de som que reverberava no ambiente – um bisão ecoava grave em paredes úmidas, em um ruído rasgado e extenso – do que necessariamente um animal da região.

Desde então, toda forma de expressão foi transformada em linguagem e em arte. Provavelmente não existe diferença alguma. Matemática pode ser, talvez, a mais bela das artes. Não posso atestar por ninguém. Mas, para mim, uma das mais fascinantes é a fotografia.

Como se cálculos não fossem usados para enquadramentos, né?

“Um desenho pode ser extremamente realista. Porém, uma fotografia é mais fiel à realidade…” É com uma mentira dessas que a gente deixa de compreender todas as camadas tanto das artes, quanto da linguagem.

É fato que, se apontarmos uma câmera para uma pessoa e tirarmos uma foto, o retrato é daquela pessoa. Mas quanto daquilo é “real”? “Há um ilusionismo legítimo que constitui a base para o verdadeiro realismo” (Ismail Xavier, O Discurso Cinematográfico – A Opacidade e a Transparência). Uma foto em preto e branco já não reflete uma parte da realidade como a enxergamos; uma pose para uma foto é uma atuação para a captura de imagem; um enquadramento pode incluir ou excluir o que consideramos importante para certa realidade. A fotografia é usada para registros documentais, evidências em processos jurídicos, atestados de privilégios em postagens do Instagram e citações diretas em notas de suicídio.

O que está em uma foto é uma escolha!

A fotografia é um momento em perpétuo. Ainda mais hoje, em que qualquer imagem colocada na internet estará lá reservada para todas as futuras gerações que tiverem acesso à informação. Pode não ser para todos mas, para uma boa parte, rastrear a origem de uma imagem não é um trabalho investigativo hercúleo. E uma fotografia é uma viagem no tempo.

“Homem saltando uma poça” – Henri Cartier-Bresson

Um tanto já foi dito sobre a fotografia. Outro tanto já foi feito. O que falta? Não sei. Mas talvez a busca seja o que me motiva a fotografar.

Este texto é uma homenagem a Kevin Carter e a outras pessoas que vivem (e morrem) pela fotografia.

“O abutre e a menina” – Kevin Carter

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Para conhecer o trabalho fotográfico do Ivan, acesse seu insta!

Tradução e interpretação do francês

Caro, caras e cares,

No mês de julho, realizamos uma live mara com nosso amigo e colaborador Lucas Cureau. Ele, que fez seus estudos universitários na França, incluindo graduação, pós-graduação e mestrado, tornou-se tradutor em 2009 legendando filmes. Hoje, além de traduzir, atua como intérprete na área de cooperação internacional em Brasília, trabalho que o levou a diversos cantos do mundo, em especial ao continente africano. Marrocos, Argélia, Burundi, República do Congo, Etiópia, Mali, Ruanda, Quênia, Benim e África do Sul são alguns dos países que esse intérprete globetrotter já visitou em missões!

Aqui com a LBM, Lucas já traduziu e verteu diversos materiais, entre filmes, peças publicitárias e locuções originais. Dentre os trabalhos de maior destaque estão a versão para francês da animação “Tito e os Pássaros” e a tradução para português do longa ainda inédito “A Verdade”.

Durante a live, Lucas nos contou sobre sua trajetória e algumas coisas que considera importantes para a atuação na área de tradução e interpretação nos seus pares linguísticos. E nós, que não somos bobos nem nada, trouxemos as partes mais interessantes para vocês!

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1) INTERPRETAÇÃO DE GUERRILHA

Ao retornar ao Brasil após seus estudos na França, Lucas foi contratado por uma embaixada em Brasília e passou a interpretar com bastante frequência em missões diplomáticas. Hoje, seu trabalho é focado na cooperação técnica brasileira, ou seja, ele se dedica a 1) traduzir qualquer documentação relacionada à cooperação técnica, como manuais, projetos e correspondências; 2) interpretar principalmente reuniões políticas de comitês gestores de projetos e sessões de capacitação técnica em missões internacionais.

Com as experiências acumuladas nessas andanças, Lucas cunhou o termo “interpretação de guerrilha”, que ele usa para designar a interpretação feita em condições adversas, frequentemente no campo. Segundo ele, é uma interpretação feita “sem aguinha na cabine”, e muitas vezes sem cabine também! Imagine interpretar um professor brasileiro treinando agricultores africanos francófonos com o vento batendo, pessoas caminhando em direções diversas e falando ao mesmo tempo. Talvez adicione a esse cenário um equipamento de interpretação desatualizado, que não funciona nada bem!

Lucas interpretando sobre tanques-rede à margem do Rio Níger.
Inveja, sim ou sim?

O segredo para a interpretação de guerrilha é um alto grau de reatividade e o foco em viabilizar a comunicação em todos os momentos, independentemente das condições. Citando o próprio Lucas, até a situação boa de interpretação surgir, o ínterim tem que ser interpretado de qualquer jeito. E atenção: esse modo de trabalho pode ser viciante! Apesar do longo background interpretando o alto escalão político, Lucas não dispensa uma guerrilha por nada: a realização profissional de passar conteúdo que vai transformar a vida das pessoas é insuperável.

2) ÉTICA PROFISSIONAL

Durante a live, ouvimos não só do Lucas, mas também de espectadores, que a questão da ética tem sido bastante discutida entre profissionais e acadêmicos da nossa área.

A verdade é que o profissionalismo no mundo da tradução e interpretação tem várias facetas. De forma mais ampla, é preciso valorizar e respeitar a profissão, para que a noção deletéria de que traduzir e interpretar é “bico” seja cada vez menos prevalente. E a principal parte da profissão são justamente as pessoas.

Na nossa área, temos ainda um longo caminho a percorrer em direção à colegialidade que fortalece as profissões. Vemos profissionais experientes culpando iniciantes por diversas falhas do mercado, quando, na verdade, somos nós com experiência que encaminhamos as melhores práticas e damos o exemplo. A ética passa pela troca e aprendizado entre profissionais; pela crença de que não se ganha nada “fritando o coleguinha”, como colocou Lucas.

Os deputados franceses Patrice Anato e Danièle Obono visitam a Câmara dos Deputados com acompanhamento de Lucas. Respira fundo e vai!

Partindo para a postura profissional do intérprete em campo, vemos a importância de manter o emocional sob controle e não levar nada para o lado pessoal. Dentre situações tensas, Lucas relatou que já precisou interpretar uma autoridade estrangeira cobrando uma dívida do Brasil e uma vice-ministra que desconfiava do que ele dizia, fazendo cara feia e correções desnecessárias (o que pode ocorrer quando o interpretado conhece a língua de chegada). Torta de climão!

3) FRANCOFONIA

A diversidade de sotaques e variantes não é uma dificuldade exclusiva de quem trabalha com língua francesa. Então o que a francofonia apresenta de peculiar para quem traduz e interpreta?

Lucas nos conta que o francês da capital é extremamente apegado à norma culta e considera-se o único francês “correto”. Aparentemente, o questionamento à norma culta não foi interiorizado pela elite cultural, e o apego à suposta excepcionalidade do francês padrão segue forte. É frequente que, ao escorregar no francês padrão conversando na França, você ouça em resposta: “Isso não é francês.”

Essa rigidez tem algumas implicações. Para a tradução escrita, que se vale principalmente do francês padrão, há um empobrecimento da língua e suas possibilidades. O francês falado no Canadá, por exemplo, apresenta soluções de tradução bastante diferentes e, muitas vezes, mais criativas. Já para o intérprete, que precisa variar mais o registro para contemplar a audiência, é necessária muita cautela para escolher o registro certo no contexto certo.

Lucas acompanha uma delegação de congoleses na Universidade Federal de Lavras, para um projeto de agroecologia. Vai, mundo!

O francês falado nos países africanos, além de apresentar profunda influência das línguas locais, não raro é marcado por uma variedade datada do francês padrão. Somente por esses dois traços, já é possível imaginar línguas completamente diferentes da imposta pelo colonialismo, com toda a riqueza cultural agregada. Em suas passagens pelo Benim, Lucas aprendeu que os falantes locais se despedem nos eventos dizendo Merci pour votre aimable attention (“Obrigado por sua amável atenção”), um jeito totalmente próprio (e simpático) de se comunicar. Ainda no Benim, o posto de gasolina se chama essencerie, algo como “gasolinaria”, sendo, em realidade, uma barraquinha com galões de gasolina dispostos. Conhecer a variedade a fundo, com seus detalhes até poéticos, é o que permite uma interpretação sensível e bem-sucedida.

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Foi um prazer imenso conhecer melhor a trajetória do Lucas e as particularidades do francês no âmbito da tradução e interpretação. Para assistir à live, acesse nosso insta.

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