A LBM em cartaz: As Golpistas

Hoje é dia de estreia nos cinemas – segurem suas carteiras!

Para comemorar a estreia desse filmão encabeçado por ninguém menos que uma das mulheres mais poderosas do show biz na atualidade, Jennifer Lopez, trazemos uma tradução super especial. Nossa colaboradora Paula Barreto, em parceria com João Artur, preparou uma versão em português da crítica da revista Variety para o filme, publicada na ocasião da sua estreia oficial no Festival de Toronto, em setembro deste ano (saiba mais sobre a nossa equipe).

Que comece o golpe!

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Resenha do Festival de Toronto: “As Golpistas”.

Levando seu sex appeal a um nível impressionante, Jennifer Lopez interpreta uma dançarina empreendedora com um esquema para ficar rica no filme de Lorene Scafaria baseado num crime real.

Hustlers
Crédito: STXFILMS

A sexualidade é uma arma que empodera as mulheres em “As Golpistas”, uma saga sedutora que retrata um crime real e é para uma gangue de bad girls de Nova York o que “Os Bons Companheiros” foi para a máfia – ou seja, mistura glamour e sex appeal regado a champanhe com a loucura de um grupo de dançarinas que reduziu a fortuna de vários endinheirados de Wall Street. Extravagante, erótico e impossível de ser ignorado, “As Golpistas” representa nada menos que um momento cultural, inspirado por um artigo escandaloso da “New York Magazine” (que sustenta firmemente o filme em saltos agulha de 15cm).O artigo adaptado pela roteirista e diretora Lorene Scafaria, que bebeu da fonte de  Scorsese, é estrelado por uma Jennifer Lopez como você nunca viu.

“Este país inteiro é uma boate de striptease. Tem quem jogue dinheiro e tem quem dance,” diz Ramona, a personagem de Jennifer Lopez, a Julia Stiles (toda profissional, ao estilo “A Identidade Bourne”). Stiles interpreta Jessica Pressler, que, sem julgamentos, investiga o caso. Praticamente todas em “As Golpistas” interpretam uma versão de uma pessoa real, embora Julia Stiles seja a única que ao ser escalada não precisou de uma mudança de visual milionária. Entre as atrizes que entram na dança, estão a estrela de “Podres de Rico” Constance Wu e a atriz de “Riverdale” Lili Reinhardt, além de participações coadjuvantes de Keke Palmer, Cardi B e Lizzo – que juntas valorizam uma profissão antes vista como imoral.

No aniversário de 25 anos do lançamento de “Showgirls”, uma profissão que já foi considerada degradante tem sido quase completamente repensada devido à terceira onda feminista – que tem Madonna (uma óbvia inspiração para a carreira de Jennifer Lopez) como símbolo, uma dominatrix da cultura pop que fez do sexo sua marca e da lingerie sua armadura no palco.  Em vez de rejeitar tudo que parece misógino e corrupto na sociedade, a geração X procurou subverter as instituições por dentro.

De repente, aulas de pole dance passaram a ser oferecidas em vários estúdios dos Estados Unidos e garotas festeiras e estrelas pornô passaram a ser tratadas como celebridades. Diablo Cody, uma jovem escritora brilhante que fez sua fama escrevendo na internet sob a alcunha de candy girl, ganhou um Oscar por escrever uma comédia agradável a favor do aborto. E strippers de Nova York – que enganaram, drogaram e roubaram dos ricos para dar a suas relativamente pobres carteiras – foram consideradas heroínas desafiadoras no que a imprensa chamou de “uma história moderna de Robin Hood”.

Ao transpor o artigo de Pressler para sua visão cinematográfica, Scafaria levanta questionamentos sobre representação logo de cara: que tipo de preconceitos as pessoas têm quando pensam em strippers? “As Golpistas” humaniza as mulheres que são o centro do enredo, dando a elas namorados, histórias de vida e, mais importante, autonomia. As dançarinas são espertas o bastante para incorporar qualquer fantasia masculina, mas fazem isso do seu próprio jeito, e Scafaria nunca se esquece do fato de que são elas que estão no comando o tempo todo: “Enrole na r*** do cara”, Ramona aconselha a ingênua Destiny (Wu), explicando de modo grosseiro porém chiclete que strippers ganham dinheiro para provocar, e não para realizar os desejos de seus clientes.

Samantha Foxx (nome verdadeiro: Barbash), a Ramona da vida real, já estava na casa dos 30 quando conheceu Roselyn Keo (que inspirou a personagem Destiny). A multitalentosa Jennifer Lopez, que sempre foi a personalidade mais elétrica em todos os filmes que já fez, tem uma diferença de idade de mais de uma década para a personagem que interpreta , mas ainda assim a estrela – que teve seu início de carreira dançando na série “In Living Color” – surpreende, mostrando movimentos de dança dignos de uma medalha olímpica em sua primeira cena. Destiny fica hipnotizada (e nós também) ao ver Ramona botar o Cirque Du Soleil no chinelo, girando e deslumbrando no palco como se fosse uma esplêndida sereia “rodopiante”, antes de deslizar até o chão e abrir espacates que fazem suas sandálias estalarem no piso.

Foi isso que o malsucedido diretor Steve Antin tentou fazer com a vergonha que foi “Burlesque”. “As Golpistas” é uma exaltação acrobática da feminilidade desmedida, na qual moças “saidinhas” deitam e rolam com o poder que têm sobre os homens – que, nesse caso, sem dúvida são o sexo frágil, escravos de uma libido que só é satisfeita quando gastam dinheiro. Claro que muita gente consideraria isso uma flexibilização da verdadeira força feminina, mas “As Golpistas” não tem tempo para esse tipo de argumento. O filme parece dizer que “tudo que é bonito é para se mostrar”, enaltecendo vários tipos diferentes de corpo, mas limitando o quanto os espectadores cobiçosos podem realmente admirar.

O fato de Destiny ser iniciante serve como desculpa para os movimentos desajeitados de Constance Wu (e, de qualquer forma, o foco de sua interpretação está em ser o núcleo em conflito moral da história) e dá a Scafaria um motivo para ir explicando a profissão aos espectadores. A menos que você já tenha feito ou recebido uma lap dance, nem todas as regras são óbvias – e, sinceramente, continuam sendo um tanto misteriosas, mesmo com a explicação imparcial do filme. Na boate Moves (uma mistura das boates Scores, Flash Dancers e Larry Flynt’sHustler Club), as meninas não são pagas para dançar e trabalham ganhando gorjetas, tendo que dar uma parte considerável (de 40% a 50%) para a boate, que fornece os aposentos onde os clientes começam a abrir de verdade a carteira.

Em “As Golpistas”, são as mulheres que objetificam os homens, reduzindo os clientes a uma variedade de estereótipos superficiais (só Usher, que interpreta uma versão ostentadora de si próprio, escapa ileso). A maioria é como Frank Whaley, um cliente ricaço presunçoso e bajulador que entra na boate pela porta dos fundos, como Ray Liotta no Copacabana em “Os Bons Companheiros”. Essa tomada capturada com Steadicam também serviu como inspiração para a cena de abertura em luz fluorescente que acompanha Destiny do camarim até o palco.

Alguns desses caras rasos de Wall Street – banqueiros e corretores que ganham milhões de várias maneiras desonestas – não pensam duas vezes antes de gastar um valor na casa dos seis dígitos numa única visita a Moves. “Eles podem te diminuir, ser possessivos, agressivos e violentos”, conta Destiny para sua entrevistadora, e cabe à nossa imaginação interpretar isso (a minha não parece ser muito boa, já que a filosofia “vale tudo” da personagem pareceser contraditória à cena em que ela chora após ultrapassar seu limite com um cara babaca).

É mais seguro para as mulheres trabalharem juntas – como Destiny começa a fazer com Ramona-, e isso também as ajuda a tirar mais dinheiro de seus caixas eletrônicos humanos. “São negócios, o mais honesto que eles fizeram durante o dia todo”, explica Ramona, comprando bolsas da Gucci com um maço de notas de um dólar ensopadas de suor enquanto uma vendedora certinha observa com olhar desaprovador.

E é quando a economia despenca e os clientes começam a ficar mesquinhos. Da noite para o dia, os homens passam a ser mais espertos com seu dinheiro – e uma nova leva de lindas imigrantes está disposta a fazer sexo oral por 300 dólares. O filme quase se rende ao slut-shaming, tentando diferenciar striptease de prostituição enquanto apresenta uma mudança nos negócios, no qual as mulheres vão acabar levando os homens a casas chiques e hotéis para roubar seus cartões de crédito. Durante a crise, Destiny acaba tendo uma filha, e apesar de Ramona insistir que “a maternidade é uma doença” – culpando a mãe pela vida que leva -, ela também tem uma filha, e as amigas precisam ser criativas para sustentar suas famílias.

Ramona chama isso de “pescar”: como os ricaços não estão mais indo até a boate, são as dançarinas que têm que ir até eles e seduzi-los. Quando conseguem atrair um desavisado (que acha que é seu dia de sorte), elas o levam até a Moves, onde já fizeram um acordo com a boate para dividir o lucro da conta exorbitante. Isso funciona por um tempo, até Ramona decidir que seria mais fácil se elas começassem a adulterar a bebida dos homens com uma receita caseira, uma mistura de MD e cetamina que os deixa apagados.

“As Golpistas” não tem apenas uma, mas duas cenas em que Jennifer Lopez apresenta o plano para suas “irmãs”, sem contar a cena em que Constance Wu o descreve com indignação fingida para a jornalista interpretada por Julia Stiles – e nenhuma delas parece especialmente plausível, muito menos necessária. Os espectadores não precisam acreditar que elas achavam que seria seguro ou que usar entorpecentes era “normal”, mas teria sido bom entender melhor o esquema, que envolve algo como ligar para os clientes regulares e oferecer a eles muita diversão enquanto estouram o limite do cartão de crédito deles.

Na vida real, Foxx e Keo foram longe demais, mas se divertiram horrores enquanto o esquema durou, e suas vítimas eram homens que, por terem dinheiro e status, achavam que a grana era uma boa desculpa para a forma como tratavam as strippers. Claro que isso é simplificar demais as coisas, só que normalmente as predadoras não são as mulheres. Pouquíssimos filmes retratam o efeito e a proporção do mercado do sexo nos EUA, e “As Golpistas” pelo menos mostra a adrenalina de um caso em que foram as mulheres a explorar os homens. É só lembrar da cena em “Psicopata Americano” em que o serial killer Patrick Bateman mata mulheres com uma serra elétrica e pronto! Esse filme passa a ser uma vingança das boas.

É com essa atitude que Scafaria conduz o longa e celebra de maneira perspicaz o excesso materialista. Filmado e editado como um clipe musical, cheio de movimentos de câmera para chamar a atenção e montagens gratuitamente longas, “As Golpistas” é uma subversão radical da percepção da profissão no século passado. Marisa Tomei pode ter aproveitado ao máximo seu papel em “O Lutador”, mas Shirley MacLaine, ao defender suas escolhas de carreira, disse que chegou um momento em que se cansou de interpretar prostitutas, capachos e vítimas – que eram os melhores papéis disponíveis para ela na época. E todas aquelas jovens buscando uma carreira que foram relegadas a fazer pole dance, seminuas e anônimas, em uma série como “Os Sopranos”? Bom, agora elas têm seu próprio “Os Bons Companheiros”.

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Ah! Você pode ler a publicação original em inglês aqui 😉