A LBM em cartaz: “Patti Cake$”

Rapaziada, Johnny Boy na parada

Pra contar a história dessa mina bolada

Que de bolinho não tem nada

Lil B. Mauz, 2017

 

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Patti Cake$, quem é essa mina? 

Patricia Dombrowski mora com a mãe e a avó, e as três cortam um dobrado pra manter as contas em dia. A saúde debilitada da ácida porém carismática avó da moça, interpretada pela veterana Cathy Moriarty, e o comportamento errático da mãe, Barb (Bridget Everett), apenas tornam a vida da jovem ainda mais complicada. As contas se amontoam e um emprego já não é mais o suficiente. Será que sobra tempo para correr atrás do sonho de ser rapper e dar uma vida melhor para todo mundo? Essa grande pergunta move o filme, mas não sem alguns percalços e personagens adoráveis para nos guiar pelo caminho. O Ministério do Rap adverte: esse post fica muito mais legal quando lido com a trilha sonora INCRÍVEL do filme: Apple Music e iTunes e Spotify.

Essa semana vim falar de um filme que tem os dois pés na quebrada e o linguajar das minas e dos manos. Uma questão de agendas e uma intensa vivência em escolas públicas da capital do Rio de Janeiro me tornaram o mais apto à tarefa. Das várias reflexões que esse filme despertou em mim, destaquei uma bem relacionada à linguagem para compartilhar com vocês e aproveitei para relacionar minhas ideias a um post muito bacana de um colega. Espero que gostem.

 

As (várias) traduções de bitch

Se tem uma coisa que eu adoro num trabalho, é receber carta branca ou o mais perto possível disso, principalmente em obras desafiadoras e/ou naquelas que possuem algum compromisso com a oralidade em seus roteiros. Quem me conhece pessoalmente sabe do carinho que tenho por roteiros com diálogos bem escritos e com uma boa dose de naturalidade; refletida na legendagem, é claro. E “Patti Cake$”, distribuído pela RT Features, é um terreno fértil para isso: gírias aos baldes, tiradas divertidas, sacadas geniais e tudo ao som de batalhas de rap que exalam tensão; afinal, a intenção numa batalha dessas é, digamos… desmerecer o coleguinha. E ao longo de “Patti Cake$”, não só das batalhas, temos uma chuva de bitch! O filme foi traduzido no começo de setembro, a tempo para a pré-estreia no Festival do Rio, mas quiseram os astros que no dia 9 deste mês de novembro o professor John Whitlam, da pós-graduação em tradução da Estácio de Sá, publicasse um post que teve tudo a ver com a tradução desse filme.

Essa é pra quem não sabia que “bitch” tem várias traduções!

Foi muito curioso encontrar um eco tão forte das minhas reflexões no post de um colega. E para deixar isso claro vou citar alguns trechos do post do meu xará inglês. Ah, é claro que ler o post original vai ajudar sua compreensão, mas vamos lá:

 

  1. De forma resumida, Whitlam argumenta que em filmes, séries e realities traduzidos na TV brasileira (essa tá na nossa conta, hein, pessoal da TAV?) o termo bitch constantemente é traduzido como “vadia” ou “vagabunda”, ou seja, fazendo referência ao comportamento sexual da mulher, o que raramente é verdade nos dias de hoje.
  2. Com base nisso, o autor desenvolve um raciocínio muito interessante sobre a etimologia da palavra e seus possíveis usos, apresentando possíveis soluções mais adequadas para o termo. Mas vamos arregaçar as mangas e falar da Patricia Bolinho$ na prática!

 

Logo no começo do filme, um integrante de um grupo de rap com letras pra lá de machistas e agressivas quase atropela nossa heroína e solta um sonoro:

 

“A parada é GSM, vaca!”

 

GSM = Goon Squad Mob, um grupo de rap.

 

Esse é o exemplo clássico em que bitch pode ser traduzido por praticamente qualquer coisa negativa, como “escrota”, “vacilona” ou, se você estiver se sentindo mais conservador, “babaca”.

 

Mais tarde, numa batalha de rap, um dos integrantes do Goon Squad de descendência italiana, manda a letra já num contexto em que mostra desprezo por mulheres:

 

“ganho dinheiro que nem o De Niro

em seu carrão

 

vadias, cheguei,

quero calcinhas no chão”

 

Nenhuma surpresa aí, afinal é a tradução mais esperada para o termo. Mas como muito sagazmente John Whitlam apontou, as rappers feministas se apropriaram do termo e deram uma conotação positiva a ele, uma conotação de “poderosa”, e essa é que mais chama a atenção no filme. Afinal, Patti Cake$ é uma boss bitch, e ninguém a convence do contrário, nem a realidade contrastante com suas letras. Por isso ela diz para o espelho:

 

“Você é gata,

um mulherão da porra

Para mim, por mais que a gente se sinta vivido, “descolado”, culto e por dentro dos assuntos é sempre bom ter humildade e reconhecer a importância dos colegas de trabalho. Nesse filme, por exemplo, o olhar da Ligia foi essencial para chancelar as escolhas tradutórias e percepções sobre as personagens femininas. Na minha leitura, Patti Cake$, sua mãe Barb e avó, Nana, formam um núcleo de três gerações de mulheres fortes e que contam umas com as outras para superar as dificuldades impostas pela vida. Em última instância, “Patti Cake$” é uma história de sororidade e empoderamento, tanto que antes de encarar um grande desafio, nossa heroína diz:

 

“A oportunidade bate à minha porta,

eu chego de sola

 

um brinde à Patti, gatas

 

Vou me despedindo por aqui, mas espero voltar em breve com mais temas bacanas sobre tradução. Espero que esse post, ao expandir a discussão originalmente proposta por John Whitlam, contribua para outros tradutores e entusiastas da tradução. Você tem alguma crítica ou sugestão? Fala que eu te escuto! Eu tenho uma dica: assista “Patti Cake$”.

Daredevilish Subtitling III – Especial Netflix

Intrépid@s leitor@s,

Hoje, fazemos uma pausa após quatro semanas seguidas comentando estreias. Ufa! Mas isso não é motivo para lamentações. Nesta quinta, essa janelinha dará espaço à terceira edição do “Daredevilish Subtitling”, nossa série de posts sobre ousadias em legendagem. Se você perdeu as duas primeiras edições, clique aqui.

Anteriormente, nos dedicamos basicamente a mostrar exemplos internos. Para democratizar a bagaça, hoje trazemos apenas exemplos encontrados externamente, mais especificamente na Netflix. A qualidade das legendas do Netflix é sempre tema de muita discussão na nossa área, mas principalmente junto aos assinantes da plataforma. Pasmem, chegou até no Reclame Aqui!

Se todos os espectadores fossem educados assim, eu até pensaria em ser legendadora.

O aprendiz de língua japonesa só se equivocou em um aspecto: qualidade de tradução não é um aspecto bobo. Não sabemos se as reclamações específicas dele procedem, porém sabemos que um punhado de gente em geral tem as mesmas queixas. Quem trabalha legendando para a Netflix há algum tempo sabe que as diretrizes mudaram de uns tempos para cá, e agora ela exige vários tipos de padronização que não existiam no início do serviço. Também foi lançada a plataforma Hermes para seleção de tradutores em resposta a uma suposta “dificuldade em arranjar legendadores” (os desempregado pira). Qualquer pessoa pode se candidatar através da plataforma para tentar a sorte, e o feedback geral é que a maioria das pessoas não é aprovada – a nota de corte é altíssima.

Notem que minha observação a seguir é baseada meramente em percepção, mas a qualidade da tradução das séries originais produzidas pela Netflix mais recentemente está melhor. Melhor não somente por não apresentar tantos erros básicos ou mais graves, mas a naturalidade dos diálogos me parece mantida com mais facilidade, com mais coloquialidade e maior fluidez gramatical. Isso sem contar as muitas ousadias que já testemunhei, causando reações que vão desde engasgar com o lanche da tarde até me pegar gargalhando alguns dias depois por causa de uma legenda.

Apesar de o ratinho estar todo saidinho na capa chamando as miga de loca, os exemplos de hoje são ousadias mais sutis, mas que deixaram a legenda tão luminosa que deu vontade de levantar para polir a tela. As ousadias tradutórias envolvendo assuntos relacionados a sexo e linguagem vulgar são as mais fáceis de encontrar (não que sejam de fato fáceis de encontrar) e abundaram nas duas primeiras edições. Então, hoje, fiquem com essas pequenas pérolas de inocência.

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Exemplo ousado #1

ODIOSO

O primeiro exemplo de hoje não é particularmente ousado tanto quanto é um excelente uso da língua portuguesa. A verdade é que o trecho todo que separamos aqui é um show de naturalidade em tradução de diálogos. Mas vamos ao vídeo:

Primeiramente, a fala “Why do you smell like Christmas?” foi traduzida como “Que cheiro de Natal é esse?”, uma adaptação não literal tão natural que passa pela fala de qualquer brasileiro. Depois, a expressão “feels right” foi traduzida como “tem a ver”, dando sequência impecável à naturalidade. E aí, para fechar numa reviravolta chocante, “I hate this day” foi traduzido como “Que dia odioso”. Esse adjetivo, “odioso”, é uma palavra que usamos pouco, causa estranhamento. Numa tradução em outro contexto, em que talvez o termo “hateful” fosse empregado, provavelmente o leitor já sentiria a necessidade de uma adaptação. No entanto aqui, onde nenhum adjetivo foi empregado em inglês, o tradutor optou por usar um em português e o jeito de falar ficou muito peculiar, meio engraçado. Soa como se alguém em português estivesse propositalmente empregando esse vocábulo meio incomum para chamar a atenção, não é? Mil pontos para esse tradutor que equilibrou todas as bolas no nariz e criou um trecho invejável!

 

Exemplo ousado #2

GOIABINHA

Essa série “Big Mouth” chegou roubando o meu coração, foi um binge-watching lascado. É o exemplo mais recente de todos, e me pareceu que a tradução da série toda tomou muita liberdade e foi uma experiência muito agradável ler as legendas. O trecho a seguir mandou ver na adaptação e, enfim, dispensa comentários!

 

Exemplo ousado #3

SEMANCOL

Todo mundo que assiste a “Stranger Things” se apaixona por aqueles meninos e o jeito deles de falar. Cada um com seu jeito peculiar, eles são juvenis e sofisticados ao mesmo tempo. Isso sem contar que trata-se da década de 80, com todas as suas características marcantes. Dá uma olhada no trecho abaixo:

O Semancol, esse remédio que a gente às vezes tem vontade de prescrever mesmo sem diploma de médico, foi uma solução genial e bastante ousada para adaptar “obliviousness”. Essa palavra difícil de sofisticada que o Dustin usou poderia ter encontrado uma tradução mais literal e perfeitamente adequada, mas o efeito não teria sido o mesmo, e nem a comicidade da fala teria permanecido a mesma. Mandar um semancol ali conjurou toda a aura que o momento pedia para o personagem: maturidade, superioridade e um certo quê de coisa antiquada.

E vocês, como teriam traduzido?

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Seguimos firmes recolhendo material para as próximas edições! Mandem seus próprios exemplos audazes ou de outrem para ola@www.littlebrownmouse.com.br/toca-do-mouse e nos ajudem a dar sequência na série 🙂

A LBM em cartaz: “Uma Razão Para Viver” e “Maria”

Car@s colegas,

Voltamos hoje com a programação normal de quinta-feira, depois do pequeno bug que nos fez perder a mão no calendário das últimas duas semanas! Procuramos da melhor forma nos redimir com um post no último domingo. Se você ainda não leu, clique aqui.

Anyways, vida que segue né, amoras? Esta semana, chegamos chegando com uma dobradinha nas estreias: um nacional e um internacional; um documentário e uma ficção; uma protagonista mulher e um protagonista homem. Affe, diz aí: é muita versatilidade, né não?

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Depois de um longo trajeto (o documentário concorreu no festival É Tudo Verdade, passou pelo Festival do Rio e pela Mostra de SP), o filme “Maria – Não se Esqueça que Eu Venho dos Trópicos” finalmente chega ao circuito cult nacional. A produção é uma visão geral sobre a carreira e vida pessoal da artista brasileira Maria Martins, pouco conhecida no próprio país, mas um expoente internacional no mundo das artes. Para simplificar, a mulher era um lacre sem fim. No começo do século passado, ela se divorciou de um homem poderoso, casou de novo, virou escultora, teve ateliê em NY, onde reunia a nata da arte mundial, tinha um casamento aberto e teve um romance com Marcel Duchamp, tendo sido uma grande influenciadora da arte dele (e não o contrário, valeu, críticos machistas do universo?). Assista ao trailer:

A obra de Maria Martins foi uma parte importante do nosso surrealismo, e se conectava com a sexualidade humana em vários níveis. Em sua crítica ao filme, Leonardo Ribeiro aponta: “Se valendo de um vasto acervo de imagens dos trabalhos, cartas, vídeos e fotografias particulares, o longa transmite com eficácia o olhar instigante e o desejo de subversão da protagonista, externado através da exploração do corpo humano (…).” Em tempos de reacionarismo quase medieval na nossa sociedade, em que a nudez e a relação orgânica com o corpo nu têm sido colocadas em foco como algo problemático, entrar em contato com a obra de Maria pode ser um sopro de ar fresco. Leia a crítica na íntegra aqui.

“O Impossível”. Qualquer associação a corpos nus e sexualidade NÃO É MERA COINCIDÊNCIA.

A produção é falada em português e inglês, e ganhou legendas by LBM nas duas línguas para ser exibido internacionalmente e agora por aqui, em salas selecionadas.

Hoje também, a Diamond Films traz para as telonas “Uma Razão Para Viver”. O drama no estilo cinematográfico britânico num estilo mais clássico foi dirigido por Andy Serkis, responsável pela caracterização de personagens épicos como a criatura Gollum (“O Senhor dos Anéis”) e o macaco César (“Planeta dos Macacos”). É no mínimo surpreendente que alguém associado a criações tão futuristas tenha dado início à sua carreira de diretor com um filme tão conservador, ainda retratando a trajetória de um homem que fica tetraplégico por causa da polio. Ou seja: zero movimento! 😨

O fato obviamente não passou despercebido por nenhum crítico. Dessa vez, no entanto, preferimos focar na reação do coração. Trouxemos para vocês o vídeo do canal The Reel Rejects, com o pessoal reagindo ao trailer em tempo real e fazendo comentários interessantes sobre Andrew Garfield! Sem spoilers, em inglês.

Aqui para os lados do ratinho, a novidade ficou por conta da assinatura: pela primeira vez, um colaborador nosso pôde assinar sua tradução junto ao crédito da LBM. A estreia da nova política nos deixa muito contentes e esperamos que traga satisfação e bons frutos para nossos colaboradores também! Para marcar a ocasião, convidamos a tradutora do filme, Samantha Silveira, para dividir conosco um pouco da experiência dela:

O filme tem um pano de fundo histórico, da época em que o Quênia era uma colônia britânica, mas o foco é a história pessoal do casal central. Apesar da gravidade da doença, os personagens são bem-humorados. Isso ajudou na tradução! Claro que, por ser um filme de época, foi preciso tomar cuidado com o registro, mas a linguagem dos diálogos era irreverente. A parte mais complicada foi a terminologia relativa ao cuidado médico, mas não era um jargão maçante que pesava no filme. Além disso, a fotografia é linda, e isso trazia leveza pra um tema tão complicado.

Parece que alguém gostou do filme!

Sempre bom renovar as esperanças com uma história de superação!

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Assim acaba mais uma edição do LBM em cartaz! Gostou ou amou? Deixe seus comentários e até semana que vem 😉

 

A LBM em cartaz: “A Noiva” e “Um Perfil Para Dois”

E, com vocês, ele. O único, incomparável e indispensável gerente de projetos da LBM: Johnny.

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Semana passada o ratinho não deu as caras aqui, mas como vocês já sabem, isso só acontece quando ele está muito atarefado, aka trabalhando pra caramba, e não sobra um tempo digno pro blog. Mas não tem problema, hoje a gente se redime! Vamos falar de “A Noiva”, esse terrorzão medonho que estreou semana passada, no Dia de Finados (Paris Filmes, we see what you did you there, OK?), e “Um Perfil para Dois”, o romance francês que tem um pé na comédia e outro no drama, a receita perfeita pra deixar qualquer trama bem interessante. Duvida? Vem comigo! Tá na hora de falar de dois trabalhos bem diferentes e que foram feitos em momentos beeeem diferentes também.

Vai com calma, J!

“Um Perfil Para Dois” é um filme muito agradável, com uma narrativa bem construída e uma boa pedida para os menos habituados com o cinema francês fugirem dos blockbusters americanos… por que, né? Nem tudo é filme de herói. Vale a pena “arriscar” ver algo diferente de vez em quando! Não vou me alongar na trama do filme, mas posso dizer que quem assistiu gostou  e recomenda. Leia aqui a crítica da Bianca Zasso para o Papo de Cinema para saber um pouco mais.

Por incrível que pareça, o ratinho já trabalhou em “Um Perfil Para Dois” há alguns meses, afinal a película fez parte da programação do Festival Varilux, que ocorreu de 7 a 21 de junho em diversas cidades do país. Perdeu esse festivalzão lindo? Não chora! Ano que vem tem mais! Fica ligado no site e ativa todas as notificações possíveis.

Quando foi a última vez que você viu um filme francês? Amelie Poulain não conta!

O ratinho fez barba, cabelo e bigode e cuidou tanto da legendagem quanto da acessibilidade de “Um Perfil Para Dois”, e duas coisas chamaram a atenção da nossa equipe dessa vez. A leitura de diálogos e a preparação para a interpretação de Libras. “Um Perfil…” não conta com cópias dubladas nos cinemas, isso significa que, para tornar o filme completamente acessível ao público com deficiência visual, gravamos além da audiodescrição, a leitura dos diálogos, ou seja, um profissional que não pode ser o mesmo audiodescritor do filme, lê os diálogos dos personagens ao longo do filme.

Não decepcione o Pierre e vá ver o filme nas telonas antes que ele saia de cartaz.

Muita gente pode achar estranho ter uma única voz responsável pelas falas de todos os personagens, mas acreditem, é questão de costume e, com uma boa mixagem, fica bacana. O que está se convencionando chamar de leitura de diálogos aqui, na verdade, nada mais é do que o bom e velho voice-over, que desde sempre é a modalidade de tradução preferida de alguns países do leste europeu como a Polônia. Confiram aqui a Julia Roberts e o Hugh Grant trocando uma ideia com a mesma voz. Depois de alguns minutos, já estou curtindo o filme. Sem entender lhufas, é claro! kk

Em seguida, partimos para a janela de Libras, que foi um desafio à parte. Nos dias que antecederam a gravação, eu e a Paloma Bueno, nossa incansável e dedicadíssima intérprete, seguimos o protocolo para esse tipo de filme: uma decupagem simples do roteiro, com todo tipo de anotação pertinente para a interpretação. Paloma dá a letra sobre o processo:

Num primeiro momento, durante o estudo da obra, trabalhamos com base no arquivo de legenda em português, claro! Nosso gerente Johnny estava presente, esclarecendo e dando dicas do francês que não tenho, contribuindo com a tradução para a Libras.

Os três principais desafios foram: primeiro, decidir as expressões equivalentes para a Libras, considerando que isso não é tão explícito nos falantes do francês; a expressividade não é entonada se comparada ao português. O segundo foi decidir quando e como fazer indicações da trilha sonora, que acabamos indicando como “música”, e sons ambiente como “som de sirene de ambulância”; esse último relevante para a compreensão do contexto [ação-reação] em cena. Já o terceiro e não menos importante foi diferenciar “voz em off” quando uma imagem aparece. Decidimos por redução articulatória, uma forma equivalente para fazer narração discreta sem aparição de falante.

Ufa! Não parou por aí… na decupagem, identificados os personagens, partimos para a criação dos sinais com base na característica física mais marcante e permanente no decorrer do filme. Por fim, tivemos a alegria de compartilhar esse processo na XXXVI Semana do Tradutor/II Simpósio Internacional de Tradução e II Encontro do Setembro Azul em Campos do Jordão – Surdez e Acessibilidade.

Nem tudo é romance no Rio Sena e aventuras em Libras na vida do ratinho! Às vezes, ele se mete numa história de amor pra lá de macabra nos recônditos sombrios da Rússia. Em “A Noiva”, um fotógrafo descobre uma forma de perpetuar a presença de sua falecida esposa ao seu lado. (Terapia pra quê, migo?) Só que coisa boa não podia sair dessa situação, convenhamos. Mas meus posts são spoiler free, então paro por aqui.

A grande curiosidade de “A Noiva” ficou por conta de o filme, uma produção original russa, ter sido lançado no Brasil com o áudio dublado em inglês, o que fez muita gente torcer o nariz  e se perguntar: “Por que não deixar o áudio original?”. Além disso, optamos por manter os nomes dos personagens como no original, sem adaptações, da mesma forma que a dublagem americana fez. Tal adaptação seria motivada, principalmente, pelo nome do casal protagonista: Ele = Vanya e Ela = Nastya, o que poderia causar uma confusão para o espectador, mas resolvemos honrar a tradição de Tchekhov e esperamos que ele esteja orgulhoso da gente.

Calma, ninguém tá tentando matar a noiva, não. Ela já está morta!

Tem um comentário bacana? Uma curiosidade? Fala com o ratinho nos comentários ou no Facebook.. Ele adora trocar ideia. Até a próxima!