Este é o blog da Little Brown Mouse, a LBM, empresa familiar de preparação de legendas para cinema, composta por Claudio Fragano e Ligia Sobral Fragano.
Para a estreia desta quinta nublada, trouxemos nosso espião gerente João Artur de volta. Ele veio comentar “Mark Felt – O Homem que Derrubou a Casa Branca”, coisa sigilosa e ultrassecreta!
Se não quiser virar cúmplice, não leia!
***
No atual cenário político do Brasil, a história de Mark Felt ganha contornos bem especiais. Afinal, um agente do FBI que provoca a renúncia (ou era isso ou era o impeachment) de um presidente (Nixon) após um escândalo de espionagem eleitoral poderia levantar vários pontos em comum com situações recentes na memória do povo brasileiro e cujos desdobramentos ainda estamos vivendo.
Em “Mark Felt – O Homem que Derrubou a Casa Branca”, Liam Neeson (“A Lista de Schindler”, “Busca Implacável”, “Silêncio”) dá vida ao agente do FBI que, secretamente, vazou informações para a imprensa americana sobre a invasão da sede do partido democrata no edifício Watergate, que virou sinônimo de escândalo. É sério! A língua inglesa e sua maravilhosa plasticidade logo adotou “-gate” como sufixo que indica escândalo. Divirta-se com essa incrível lista de escândalos com o sufixo “-gate”.
O atuação de Neeson dispensa comentários e mostra uma faceta humana do agente do FBI que é frequentemente reduzido aos feitos entregues por sua infame alcunha, “Garganta Profunda” – analogia que foi fruto do sucesso do filme pornográfico de mesmo nome naquele ano de 1972.
MOMENTO CURIOSIDADE!
“Lovelace”, a cinebiografia de Linda Boreman, a estrela de “Garganta Profunda”, foi traduzida pelo sócio-pai nos idos de 2013. No filme, Linda é interpretada por Amanda Seyfried.
Para quem quer fazer o dever de casa completo sobre o Escândalo de Watergate no cinema, o ratinho recomenda “Todos os Homens do Presidente” (1976), filme que venceu 4 estatuetas do Oscar e conta com atuações brilhantes de Dustin Hoffman e Robert Redford. A perspectiva narrativa desta vez é a dos jornalistas do Washington Post que colaboraram com Felt no vazamento de informações sobre as investigações de Nixon e seus aliados. Emocionante? Pode apostar!
Para não dizer que não falamos de tradução… além da dificuldade inerente a um filme recheado de termos políticos próprios de um sistema bem diferente do nosso, que precisam ser traduzidos ou adaptados e exigem muita pesquisa, vale destacar a atmosfera de suspense que envolve vários momentos do filme. Em diversas cenas, Felt encara seus próprios colegas e subordinados no FBI que nem suspeitam de sua atividade e todo cuidado é pouco na escolha do vocabulário para não escorregar e soltar informações antes da hora. Afinal quem sabe o quê? Desde quando? Enfim, todos esses detalhes devem ser levados em conta na hora de traduzir as falas de um homem que detém informações que podem derrubar a Casa Branca.
***
Obrigada Johnny! Voltamos semana que vem com mais uma estreia 🙂
Para esta semana, mais um post superespecial da nossa expert em rolês urbanos, Vanessa Bocchi. Desta vez, ela nos apresenta um panorama dos cinemas de rua em São Paulo, nos dando ótimos motivos para visitar esses espaços que tanto dizem sobre nossa cidade e cultura, mas que comumente não frequentamos. A Mostra de Cinema de São Paulo começa hoje, espalhada por diversos cinemas de rua de São Paulo, então fica a dica 🙂
***
Semana passada, andava pela Rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, onde moro há pouco mais de dois anos. Passei em frente ao Cinesala, cinema de rua tradicionalíssimo paulistano (se encontra no mesmo local desde 1962, com diferentes nomes ao longo dos anos). Sem compromissos agendados para a tarde, cogitei conferir a próxima sessão disponível, quando me dei conta que, naqueles últimos dois anos, havia ido ao Cinesala duas únicas vezes. Número baixíssimo para uma pessoa que se considera cinéfila e mora a um quarteirão do cinema, certo?
Depois de alguns bons minutos assimilando esse fato, comecei a tentar listar os motivos para que essa frequência fosse tão baixa. Seria por achar muito caro? Ou o comodismo de ter o combo sofá + TV me aguardando em casa do outro lado da Teodoro Sampaio era tentador demais para resistir?
Assumi para mim mesma que ambos os motivos eram verdadeiros (e não me orgulho de como o segundo me faz parecer preguiçosa, juro).
Com isso em mente, dediquei um tempo a pesquisar e escrever sobre cinemas de rua, mas não queria elaborar um ranking dos melhores e mais bonitos de São Paulo, como vejo constantemente pela internet. Queria engatar uma discussão sobre a importância de frequentá-los e percebendo ao mesmo tempo o papel deles na cidade, tanto na questão cultural quanto urbana.
Os cinemas de rua eram muito comuns na década de 60 e 70, mas ao longo dos anos que trouxeram exponenciais avanços tecnológicos, as redes de exibição preferiram investir em complexos com um grande número de salas dentro de shopping centers, aliando o cinema à sua área de lazer. Hoje são poucos os cinemas propriamente de rua espalhados pela cidade.
Abaixo, procurei listar os principais motivos para incluirmos esses incríveis espaços culturais e de entretenimento no nosso próximo roteiro de lazer.
Seleção dos Filmes
O primeiro pensamento que vem à mente quando falamos de cinema de rua é a escolha da programação. Expressões como “filmes cult” ou “filmes cabeça” sempre aparecem no assunto e, se às vezes esses podem não ser os termos mais apropriados, não podemos negar que a maior parte do circuito de exibição dessas salas escolhem filmes que vão na contramão dos blockbusters, preferindo exibir filmes independentes, de pequenas distribuidoras, ou até mesmo realizando pequenas mostras de filmes clássicos e participando de festivais cinematográficos.
Ambientação
Um elemento diferencial desses empreendimentos são os espaços onde estão construídos, seu design arquitetônico e decoração. Não há comparação entre qualquer sala de um grande complexo de shopping com o Cine Marabá, por exemplo. Inaugurado em 1944 e tombado como patrimônio histórico, seu grande salão de entrada, lustres e fachadas passaram por uma restauração em 2009 e hoje o cinema abriga cinco salas de exibição.
Também vale conferir o Cinearte no Conjunto Nacional e sua aparência que remete a um grande teatro, além de outras salas cuja decoração é uma atração à parte. É o caso da Cinesala, com pôsteres de filmes clássicos espalhados pelas paredes (desde Monty Python até Trainspotting) e mobiliário de Ruy Ohtake e Zanine Caldas.
História e Urbanismo
Se traçarmos uma rota pela cidade abrangendo a localização desses cinemas, temos mais do que um circuito de passeio, temos também um trajeto que conta a história da cidade. A localização do próprio Cine Marabá, na Av. Ipiranga, já diz muito sobre o cenário cinematográfico da época. Pertencente ao empresário paulista Paulo Sá Pinto, ele foi construído em frente ao antigo Cine Ipiranga, que pertencia ao espanhol Francisco Serrador, dono na época de um grande número de complexos na cidade. A escolha do local foi uma clara mensagem de oposição à hegemonia de Serrador nos cinemas paulistanos.
A Cinemateca Brasileira já teve suas projeções e eventos organizados no antigo Cine Fiametta (hoje o Cinesala!) até que, em 1992, a prefeitura cedeu o complexo tombado do Matadouro Municipal para abrigar sua vasta coleção de filmes. Ao longo dos anos, o espaço passou por diversas reformas e hoje nele também se encontra a Biblioteca Paulo Emilio Salles Gomes, que conta em seu acervo com quase 5.000 livros, revistas brasileiras e estrangeiras, estudos acadêmicos e diversos cartazes de filmes para fazerem a alegria de qualquer cinéfilo.
Infelizmente, quando falamos hoje do impacto desses cinemas nas metrópoles, o assunto é sempre acompanhado por um tom pessimista e nostálgico, já que a desativação da grande parte deles ao longos dos anos em todo o Brasil deixa um buraco na memória urbana e arquitetônica das cidades, alterando paisagens e a identificação dos polos culturais nos bairros.
Porém, para olhares mais otimistas, como o de Márcia Bessa e Wilson Oliveira Filho no excelente artigo “Nas ruas dos cinemas, cinemas nas ruas, cinemas de rua: a cidade como uma questão cinematográfica”, isso também significa que os espaços que ainda permanecem são um lembrete diário de sobrevivência e de revitalização de nossas áreas urbanas.
Manutenção
Falar sobre a importância histórica e de como a ambientação de um cinema de rua é muito mais agradável do que um shopping center é mais do que válido. Agora, quando olhamos para dentro da indústria das salas de exibições e entendemos como os pequenos espaços passam por ainda mais obstáculos para se manterem ativos, os motivos para os apoiar ficam ainda mais escancarados e deveriam influenciar na hora de escolher onde assistir ao próximo filme.
Por seu número reduzido de salas e seleção dos filmes exibidos (já discutido anteriormente), o lucro dificilmente é proveniente do faturamento da bilheteria. No modelo de negócio atual, as distribuidoras ficam com a maior parte do dinheiro arrecadado pelos filmes. Segundo o Sebrae, a lucratividade está baseada nos serviços complementares, como alimentos e bebidas, venda de espaço de mídia, aluguel da sala para eventos, etc. Tudo isso tem que acomodar os gastos elevados desse tipo de entretenimento, considerando equipamentos, estrutura e manutenção das salas.
Tudo isso complica ainda mais quando pensamos na concorrência. No mercado de exibidoras, os complexos com mais de 5 salas representam hoje quase 70% do faturamento desse mercado (Ancine, 2015).
Para os créditos finais…
Cada tópico abordado poderia se estender muito mais (há ótimos livros sobre o assunto, a história dos cinemas de rua cariocas, por exemplo, é riquíssima e recomendo muito o estudo), mas a mensagem que deixo é que há motivos para incluir esses cinemas no seu próximo passeio, que se torna ainda mais rico quando valorizamos a história e o cuidado que foi investido ali.
Infelizmente, a oferta atual dos cinemas de rua não atende aos bairros mais periféricos (e isso já renderia um outro post). Por outro lado, a maioria desses cinemas possui fácil acesso através de transporte público. Tentem marcar já na agenda uma visita a um deles o mais rápido possível e passem pela experiência de irem ao cinema para curtir e absorver muito além do filme.
Referências
Márcia Bessa e Wilson Oliveira Filho, « Nas ruas dos cinemas, cinemas nas ruas, cinemas de rua: a cidade como uma questão cinematográfica », Ponto Urbe [Online], 15 | 2014, posto online no dia 30 Dezembro 2014, consultado 13 Agosto 2017. URL : http://pontourbe.revues.org/2536 ; DOI : 10.4000/pontourbe.2536
Vanessa Bocchi é formada em Rádio e Televisão pela Faculdade Cásper Líbero, onde desenvolveu e praticou sua paixão pelo Cinema através da escrita de roteiros e produção de curtas-metragens. Hoje atua como publicitária, adora um bom café coado na Hario e divide seu tempo de lazer entre o eixo Pinheiros (SP) – Ipanema (RJ).
Após o descanso da semana passada, voltamos para estreia da semana. “Pô, ratinho tirou férias, maneiro!” Quem nos dera! As preparações para o Festival do Rio e a Mostra de SP consumiu todo o nosso tempo e energia.
O Festival do Rio já está rolando desde a semana passada, com cinco filmes superbacanas assinados por nós. Vamos guardar os comentários de TAV para as datas de estreia em circuito nacional, mas já podemos adiantar os títulos para vocês. No gênero documentário nacional, você pode assistir a “Maria – Não se Esqueça que Eu Venho dos Trópicos”. Já na ficção nacional, os filmes “Legalize Já” e “Motorrad” estão marcando presença com nossas legendas em inglês. Para finalizar, atacamos também com dois gringos: “Patti Cake$” e “Logan Lucky – Roubo em Família”.
E hoje estamos aqui para falar deles mesmos, os Logan azarados. A estreia do filme no festival chegou também com a estreia nacional. Parece que estamos com mais sorte que os Logan!
***
O filme, distribuído aqui no Brasil pela Diamond Films, já recebeu boas críticas da imprensa e acreditamos que vai conquistar o público também. Segundo o crítico youtuber Chris Stuckmann, o grande mérito do filme está na sua fotografia impecável e na despretensão em ser o melhor filme do diretor, que decidiu retornar com um filme de apelo mais comercial. Para mais detalhes, sem spoilers, vejam a crítica abaixo (em inglês).
Apesar de muito se falar na volta bem-sucedida de Soderbergh da sua pseudo-aposentadoria, achamos mesmo que o grande milagre desse filme foi fazer Adam Driver e Channing Tatum parecerem irmãos de verdade. Olha isso!
“Logan Lucky” foi um filme que nos permitiu muita liberdade criativa na tradução, o que é sempre uma satisfação. Os personagens da Virgínia Ocidental tinham um sotaque e um jeito de falar muito peculiar, o que obviamente não conseguimos reproduzir no português. Lembrando o post do Paulo há algumas semanas, não podemos ter a pretensão de passar tudo do original para o nosso texto. No entanto, esse nem deve ser o objetivo, pois o produto audiovisual fala muito por si só, colaborando para que a legenda não precise comportar todas as informações. Para além de legendas, o próprio roteiro do filme tem que tomar cuidado com o excesso de falas, para não se tornar redundante diante da imagem do filme. Alguma vez você já sentiu que um filme estava tratando você como idiota, com os personagens verbalizando coisas que você claramente já tinha entendido de alguma outra forma? Pois é.
Sendo assim, embora não tenha sido possível ficar reproduzindo cada maneirismo da fala de cada personagem, usamos de um mecanismo de compensação que é espalhar pelo texto algumas coloquialidades. Por exemplo, em algum momento, jogamos ali um “vambora!”. O texto escrito é tão impactante que uma fala mais coloquial pode definir o tom de uma personagem para o filme inteiro. #ficaadica
Quem assistir ao filme nos cinemas vai poder conferir muitas legendas legais. No entanto, o mais peculiar do filme não está registrado nas telonas. Os bastidores deixaram histórias para contar. A grande verdade é que o Soderbergh é o maior control freak da indústria cinematográfica. Como o Chris contou no vídeo ali em cima, ele assina a fotografia dos seus filmes como Peter Andrews. Chris também desconfia que a roteirista Rebecca Blunt seja mais um de seus pseudônimos.
Venho aqui apresentar a teoria da LBM: Soderbergh tem ainda um terceiro pseudônimo, o responsável pelo som de seus filmes, Larry Blake. Mas vamos voltar um pouco no tempo. Ninguém sabe, mas o diretor controla a tradução dos seus filmes em todos os territórios onde ele é distribuído. Já sabíamos disso desde a ocasião da legendagem de “Terapia de Risco”. Seus filmes vêm com documentos de orientação para tradução para legendagem e dublagem, e também a montagem do DCP. Além disso, recebemos um documento chamado KWP (Key Words and Phrases), que contém todas as frases que ele considera cruciais para o entendimento do filme. Nesse documento, que é de fato uma planilha, devemos colocar as soluções de tradução que demos para essas frases e depois traduzir nossa tradução para o inglês. Esse processo se chama backtranslation, e não é nada simples. Mas trabalhar com Soderbergh não é uma tarefa para qualquer um.
Voltando à nossa teoria conspiratória, esses documentos todos foram assinados pelo seu diretor de som, Larry Blake. As orientações eram longas e, como tradutora principal do filme, eu segui firme na leitura, até que me deparei com um item que dizia: “Special: To verify that this long document has indeed been read in its entirety, please stop reading right now and e-mail me at ***, with Special Prize in the subject field. I will let you know what that prize is when I get your e-mail.” Resumão: se você está lendo isso mesmo, me mande um e-mail agora que vou te dar um prêmio.
Intrigada, enviei um e-mail para o tal endereço reclamando meu prêmio. Claro que eu esperava que me dissessem que eu não estava fazendo mais do que a minha obrigação, o que era verdade. No entanto, para a minha surpresa, meu e-mail foi respondido pelo próprio Larry, que me prometeu uma cópia do seu novo livro!
Bom, vocês podem imaginar que eu estou aguardando esse livro ansiosamente. Continuando o e-mail, ele me perguntou como estava a tradução e se o KWP já tinha chegado até mim. Eu respondi toda pomposa com muitos detalhes, e nunca mais tive resposta. Pesquisando sobre o tal Larry, fui descobrir que sua situação existencial era a mesma da Rebecca Blunt no IMDB: nenhuma foto ou bio, apenas uma lista de créditos enorme de filmes do Soderbergh. Será possível que Soderbergh tenha se comunicado comigo por e-mail e me prometido uma cópia do seu livro? Cenas do próximo capítulo.
Após a entrega das legendas e dos documentos preenchidos, mais um fato engraçado. O documento foi de fato totalmente revisado por nosso amigo Larry, que destacou algumas poucas soluções das nossas legendas e escreveu um grande “NOOOO!” ao lado, explicando como deveria ser. É claro que, a princípio, ficamos um pouco ofendidos, mas depois demos muita risada e conseguimos fazer substituições a contento.
O documento de orientação também determinava que assinaturas não podiam aparecer antes do final dos créditos, então ficou por último mesmo. Comparecemos à sessão feita para a imprensa para checar nossas legendas e ficamos até o final. Pouca gente vai ver, mas nós sabemos <3 Obrigada ao pessoal da Diamond pelo convite!
***
É isso aí, rapaziada! Gostou, tem dúvidas ou reclamações? Deixe seu comentário e vamos bater um papo. Semana que vem tem mais 🙂