Este é o blog da Little Brown Mouse, a LBM, empresa familiar de preparação de legendas para cinema, composta por Claudio Fragano e Ligia Sobral Fragano.
Vira e mexe alguém inculca com o nome da empresa. “Little Brown Mouse?”
Na verdade, vamos voltar a fita.
Muita gente demora um tempo para ter a curiosidade em saber o que significa LBM. “LBM?” Ah sim, “Little Brown Mouse”. Mas e aí? Qual é a do ratinho marrom? O que ele tem que os ratinhos brancos, pretos e malhados não têm?
Nós amamos todas as cores de ratinhos, mas o ratinho marrom é especial em nossos corações porque ele é um dos protagonistas no livro infantil “O grúfalo” (“The gruffalo”, no original). O outro protagonista é (SHOCKER) o grúfalo. O grúfalo é um monstrão grande, assustador, dono da floresta. Mas de onde ele saiu?
Curiosamente, da imaginação do ratinho. Confrontado por bichos predadores durante sua caminhada pela floresta, o ratinho vai engenhosamente se esquivando através da narrativa de que encontraria um certo “grúfalo”, uma criatura horrenda que ele vai descrevendo para os seus predadores para assustá-los e ser deixado em paz. A criatividade vai longe e, a cada predador encontrado, as características do tal companheiro do ratinho que está prestes a chegar se agravam e ficam mais ameaçadoras.
Mas eis que, quando todos os predadores foram engambelados, surge quem? O G-R-Ú-F-A-L-O. E ele é tão raiz quanto o ratinho o havia descrito, e está pronto para fazer sanduíche de mouse. E agora, como se livrar da criatura mais assustadora da floresta? Acho que não é exagero dizer que a mente que criou o grúfalo poderia dar conta dele também. Numa sacada genial, o minúsculo ratinho diz ao grúfalo que ele não sabe com quem está mexendo. Como prova, pede que o grúfalo o siga pela floresta, pois assim ele veria que todos os animais tinham medo dele. Dito e feito: os predadores, que já haviam se reunido e manjado o esquema do ratinho, já o esperavam para o bote no caminho de volta. Ao baterem o olho no ratinho acompanhado do grúfalo, eles somem com os rabos literalmente entre as pernas e o ratinho retorna são e salvo, com histórias para contar por muitas gerações.
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O ratinho somos nozes nós. A empresa pequena, que se vira e faz acontecer. Tudo com muita graça, carisma e qualidade. Tudo feito por nós, da nossa imaginação e inteligência, driblando as dificuldades com perspicácia. No mercado da tradução, onde imperam grandes empresas grúfalas e abundam profissionais freelance, o ratinho acha o seu lugar oferecendo a gama de serviços que uma pessoa sozinha não conseguiria oferecer, com a excelência e atendimento que uma grande empresa tem dificuldade de atingir. Go, mouse! <3
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Sobre o livro
O livro de Julia Donaldson é um clássico britânico traduzido para diversas línguas. Aqui em território brazuca, ele pode ser encontrado em português nas principais livrarias. É um texto incrível, todo rimado, com ilustrações lindonas de Alex Scheffler. O livro ganhou um curta-metragem há alguns anos com narração da diva Helena Bonham-Carter, com visual muito fiel ao livro, que vale muito a pena ver.
O post de hoje é dedicado à divulgação de uma plataforma que a LBM considera muito importante, e que achamos que todos merecem conhecer.
Estamos falando do VIDEOCAMP. A plataforma VIDEOCAMP se dedica a fazer exibições gratuitas (online ou offline) de conteúdos relevantes, de cunho social, de qualquer parte do mundo. Ela faz parcerias com muitas produtoras e distribuidoras. Nós aqui da LBM, em particular, descobrimos essa maravilha através da Maria Farinha Filmes que, mesmo quando seus filmes são lançados no cinema, também são simultaneamente colocados à disposição no VIDEOCAMP, para que quem não mora numa cidade onde o filme está em cartaz não deixe de ter acesso ao conteúdo.
Para saber como fazer uma exibição pública e gratuita, você pode assistir ao tutorial aqui. Educadores têm um login especial 🙂 Ao organizar sua exibição, você pode escolher o título e algumas especificidades, como legendas ou acessibilidade. O catálogo é vasto e engloba muitos temas importantes, como: infância, educação, cultura popular, mobilidade urbana, consumo de carne, prostituição, entre outros. Atualmente no VIDEOCAMP, estão disponíveis para exibição filmes incríveis nos quais o ratinho trabalhou. Fizemos um top três para vocês se inspirarem. Vamos lá?
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1) NUNCA ME SONHARAM
O documentário do Cacau Rodhen, produzido pela Maria Farinha Filmes, acabou de sair de cartaz, mas esteve no VIDEOCAMP desde o seu lançamento. Lá, você vai encontrar nossas legendas em inglês e espanhol, além de legendas descritivas e janela de Libras. Uma reflexão de primeira sobre o sonho da educação no Brasil esperando por você.
2) O COMEÇO DA VIDA
Também da Maria Farinha, o documentário da Estela Renner sobre a primeira infância que ganhou o mundo está disponível na plataforma. Um bônus: além do longa, lá você também encontra a série de seis episódios temáticos. O ratinho assinou as legendas em português, inglês, espanhol, italiano, alemão e francês. Lembrando que o filme é falado em várias línguas, então nós por aqui também precisamos de legendas.
3) MARIAS
Dessa vez da Primo Filmes, mais um documentário fera. Segundo a própria sinopse, o filme é “Uma jornada pelo feminino através das festas marianas da América Latina. A diretora Joana Mariani viajou pelo Brasil, Cuba, México, Peru e Nicarágua acompanhando as festas das padroeiras desses países, todas Nossas Senhoras, observando as semelhanças e diferenças entre suas culturas e buscando vozes com grandes histórias para contar. O resultado é um filme singular que demonstra que a figura de Maria é maior que qualquer religião”. Assista ao filme com legendas em português by LBM!
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Além do nosso top três, outros filmes imperdíveis com legendas do ratinho estão no aguardo de uma exibição sua. Veja alguns deles:
Dê uma fuçada lá e seja um exibidor na sua escola, local de trabalho, instituição ou onde quer que seja! E esteja preparado para aprender muito e se emocionar 🙂 Acesse: www.videocamp.com/pt
O post de hoje é muito especial. Dando uma pausa no tradicional boletim de estreias e nas costumeiras discussões sobre temas de TAV, hoje trazemos o debute da nossa vinheta de acessibilidade!
A LBM vem prestando serviços de acessibilidade já há algum tempo com muita dedicação e parceiros de primeira. Hoje, vocês assistirão à interpretação de Libras da Paloma Bueno Fernandes, com voz de Christiano Torreão e montagem e edição de Ivan M. Franco. As legendas foi o Maluf ratinho que fez.
Se você tem materiais audiovisuais que precisam de um delivery acessível, entre em contato conosco para saber sobre o nosso portfólio. Vamos acessibilizar esse Brasilzão!
Se você é tradutor de AV, com certeza já interagiu com alguém que babou no seu ofício: “Nossa, que trabalho maneiro!”. Verdade que encontramos dificuldades e percalços pelo caminho, mas nossa profissão é de fato muito maneira. O principal motivo pelo qual se demonstra tanto interesse e admiração pelo que fazemos é que manipulamos muitos materiais audiovisuais. “Você trabalha assistindo a vários filmes e séries!”. Mais uma vez, verdade seja dita, muitas vezes legendamos materiais que não causariam muita inveja na galera, mas trabalho é trabalho e nem tudo são flores.
Mas pendendo para o lado realmente interessante, que é assistir a muitos filmes e séries, você já parou para se perguntar, como tradutor de AV, o quanto você entende de cinema e o quanto o seu conhecimento da área influi no seu trabalho? Ou mesmo como curioso, já pensou em como o seu entendimento dos elementos cinematográficos te ajuda a entender uma produção audiovisual e se relacionar com ela? Interessar-se por cinema é o pré-requisito mais importante para ser tradutor audiovisual, mas se considerarmos a TAV uma etapa da pós-produção do filme, o que ela de fato é, entender de cinema se torna condição sine qua non para atingir um nível de qualidade elevado na tradução.
Pensando nisso, resolvemos trazer para você uma série de posts que vai ajudar a todos a entender mais sobre cinema e transportar isso para os nossos trabalhos com TAV e nossas vidas de espectador também. Em colaboração com o editor e finalizador da m.art.ucci Ivan M. Franco, trazemos nesta quinta a primeira edição da série. Vamos lá?
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Quando imaginamos um diálogo qualquer entre duas pessoas, utilizamos artifícios comuns e já estruturados nas formas narrativas conhecidas: podemos imaginar esse diálogo escrito como em romances, separado por travessões entre cada personagem; talvez com balões mostrando quem diz cada fala num quadrinho. Em um filme, provavelmente nós faríamos como um diretor: as pessoas envolvidas não ficam completamente de frente uma para a outra, mas um tanto perpendicular, para que a câmera possa enquadrá-las e captar um número maior de gestos e expressões.
No cinema, essa maneira de apresentar um diálogo já é considerada como clássica, o enquadramento comumente usado para situar pessoas e diálogos em um determinado ambiente de forma eficiente. Após estabelecer a posição das personagens dentro daquele local, podemos trocar os pontos de vista e acrescentar novos elementos e camadas ao diálogo. Isso pode ser feito de inúmeras maneiras: um enquadramento baixo virado para cima pode causar a impressão de superioridade de uma personagem sobre a outra; um enquadramento muito fechado nos olhos pode demonstrar surpresa (ou basta contratar o Marlon Teixeira); algumas perspectivas podem ser completamente subjetivas, através do uso de pontos de vista peculiares, seja de animais ou até de objetos inanimados. Tudo isso ainda é considerado clássico.
Esses recursos narrativos vêm de um planejamento anterior e passam, de maneira resumida, pelo roteiro, direção de fotografia, direção de atores e edição. Mas resumir dessa forma é desconsiderar cada outro elemento que acompanha uma narrativa audiovisual: deixamos de citar as cores usadas, caso sejam usadas cores; a produção de arte e todo seu figurino ficam negligenciados; o próprio trabalho dos atores fica em segundo plano. Queremos dizer que cada profissional ou artista responsável por algum elemento da narrativa precisa considerar os outros elementos para que a obra possa expressar ao máximo o que o autor pretende. Se por alguma razão o filme for preto e branco, não fará muito sentido o diretor de arte trabalhar com milhares de cores diferentes. O cinema é uma arte feita por muitos autores, por mais que seja idealizada por apenas uma pessoa.
Ao chegar à tradução audiovisual, é a nossa vez de considerar o máximo de elementos em cena para fazer o nosso trabalho. Apenas escutar a fala e olhar brevemente para a cena, desconsiderando as sutilezas que marcam aquele momento pode, em menor escala, tirar da beleza que um diálogo traduzido com sensibilidade cinematográfica poderia adicionar à cena; ou, em maior escala, causar discrepâncias e tornar grosseira a TAV. Dar atenção ao enquadramento permite que as falas traduzidas acompanhem a intensidade desejada pela cena. De forma semelhante, a luz e cor apresentadas pela produção dizem muito sobre o que se quer comunicar ao espectador, bem como as palavras escolhidas na tradução. Assim, se luz e iluminação são relevantes para o filme, devem ser para a tradução também.
O filme vencedor do Oscar deste ano “Moonlight – Sob a Luz do Luar”, legendado pela LBM, dá vida à dura vivência do protagonista Chiron, menino negro, pobre, mãe dependente química, que se descobre homossexual, acaba espancado, vai preso e se torna traficante de drogas. Diante dessa sinopse, o tradutor poderia facilmente adotar uma linguagem igualmente dura todo o tempo, que refletisse a realidade ali ilustrada. As cores do filme, no entanto, vêm nos dizer o oposto: ao dividir o filme em três capítulos, cada qual com um tratamento de cor diferente, a produção se afasta de um registro realista e documental para criar uma atmosfera onírica, em que o espectador não só é testemunha dos duros eventos vividos por Chiron, mas também pode mergulhar na sua vida emocional.
Em outubro do ano passado, o IndieWire publicou um artigo extremamente detalhado sobre esse aspecto do filme, com imagens inéditas que comparavam cenas do filme extraídas diretamente da câmera e suas versões pós tratamento (leia o texto em inglês na íntegra aqui). Na imagem abaixo do ator Mahershala Ali, vemos que a alta saturação deixa o visual muito mais quente, trazendo mais textura ao tom de pele. Não coincidentemente, o primeiro capítulo do filme traz diálogos de reflexão sobre a cor de pele negra dos personagens e considerações sobre a luz do luar cubano, contrastando com a paisagem californiana. Confirmando essas relações, o colorista do filme Alex Bickel disse que “foi seu trabalho desenvolver paletas que proporcionassem o impacto emocional desejado pelos criadores do filme”.
O diálogo entre a TAV e esse movimento estético, trazido pelos elementos cinematográficos da luz e do tratamento de cor, se dá numa trama muito delicada de legendas que mistura registros formais e informais, gírias e linguagem poética, expressando ao mesmo tempo profundidade e sensibilidade, num contexto em que seria difícil de desvincular o conteúdo do filme a visões clichês de questões sociais sem a ajuda dessa tensão visual. Um filme como “Moonlight”, preenchido de silêncios brilhantes e às vezes até devastadores, determina esse cuidado com as legendas para que a experiência proposta pela obra não fique prejudicada. O resultado é uma narrativa que nunca viola a nossa suspensão da descrença e permite que todas as suas camadas sejam absorvidas e contempladas pelo espectador. O diálogo perfeito entre artistas e público.
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Ivan M. Franco é formado em cinema pelo curso de Imagem e Som da UFSCar, especializado em roteiro e direção, trabalhando há mais de 10 anos com montagem e finalização de obras audiovisuais. Também se dedica a experimentações artísticas com fotografia, vídeo e música.