Nos tempos do 20/20

 

Caríssim@s,

Estreamos hoje no blog da LBM uma série de guest posts mensais que, temos certeza, vocês vão adorar. É nossa forma de trazer outras vozes e experiências para nosso blog e contribuir para a disseminação de informação sobre legendagem e aumentar nosso escopo de discussão. Para o grande debute, ninguém menos que Sandra Schamas, pioneiríssima na legendagem, da época da chegada da TV a cabo ao Brasil. Nós nos conhecemos numa palestra que demos conjuntamente na Casa Guilherme de Almeida (clique aqui para ler o post pós-palestra), na qual reunimos nossas experiências de cunho e tempos diferentes para levar aos alunos da Casa uma noção da nossa área da tradução. Neste post, a Sandra nos conta como começou a legendar, como era legendar naquela época e como ela encara tudo isso. Coisa linda de se ver!

Sem mais delongas, senta que lá vem história.

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Entre dezembro de 1990 e o primeiro semestre de 2003 morei em Miami, uma época rica e intensa da minha vida, uma experiência inestimável. Ter um emprego nine to five, andar de escarpin, meia branca e taiêr era meu sonho de consumo. Depois do green card muitas aulas de inglês e um aprendizado informal do espanhol falado nas ruas, fui me aventurar pelo mundo corporativo. Essa trajetória, devo dizer, foi cheia de empecilhos, dificuldades e diferenças culturais. Tentei, tentei de todo coração me acertar, porém, ao perder o trabalho em um banco e dar de cara com a depressão, percebi que era melhor parar de insistir e buscar novos cominhos. Foi então que um amigo me ligou perguntando se eu não queria traduzir textos de embalagem de lâmpadas de Natal, brinquedos, etc. Insistiu, disse que eu levava jeito, que era só uma experiência e acabei topando. E me encontrando. Organizei os textos num McIntoch antigão, logo depois comprei um IMac, azulzinho, transparente, fofo. Animada com o projeto, vi que gostava dessa eterna investigação que é traduzir e acabei, alguns meses depois, aceitando o desafio de traduzir legendas. Trabalhava como freelancer em um canal de televisão que enviava o sinal de TV a cabo para o Brasil, a HBO ainda não tinha o sinal em Miami, nem as outras empresas de cinema, então tudo passava pela Globecast Hero.

Quem se lembra?

A primeira série que legendei era de um programa de fitness, em espanhol, e tudo que eu precisava saber o era nome dos músculos do corpo, além de ter uma paciência de Jó para marcar a legenda, acompanhando a contagem repetitiva do instrutor.   A marcação de legenda era feita separadamente, o programa fazia com que as legendas corressem paralelamente ao filme. Lembro-me bem que, às vezes, à noite, eu ia até uma sala de controle, com uma quantidade enorme de telas e via os filmes passando, com legendas em vários idiomas. Fixava em algum filme que eu tinha marcado e isso era ótimo para checar se a marcação estava em tempo certo.

Quando pensamos em “programa de fitness”, pensamos nisto.

O treinamento de como fazer legendas era basicamente era o seguinte: uma explicação de como funcionava o sistema de computador, que era o chamado 20/20, o número de caracteres por linha, dar enter em cada linha, evitar pronomes e não usar muita pontuação. Nada de gírias ou palavrões, boa sorte, se vira!

As discussões não tinham fim e logo que um revisor foi contratado, a coisa ficou pior. Não havia dicionários online, o uso da Internet não era permitido no trabalho, não havia corretor ortográfico no programa, não havia tempo para pesquisas. Quando alguém me perguntava se eu queria alguma coisa do Brasil, pedia dicionários, livros do Professor Pasquale, livros de gramática, a arte de escrever bem, e por aí afora.

Obras impressas e bate-papo eram as opções de pesquisa da época do 20/20.

Havia a dificuldade da nossa própria língua, o português cuja gramática é bem chatinha, a gente não consegue decorar todas as regras e tem que consultar sempre. Além disso, escrever bem depende de prática, sempre, e nem todos tinham. A dificuldade da tradução por si só já complica. As questões culturais têm um grande peso também, os jargões, as gírias, as especificidades de cada nacionalidade. No fim, a gente sempre acabava aprendendo com nossos próprios erros, e os dos outros, em um eterno aprendizado.

Aprendi a traduzir do inglês e do espanhol, aprendi a marcar legendas, depois passei a revisar legendas ao mesmo tempo em que marcava. Entrava às duas da tarde, saía as onze da noite e, uma vez por semana, saía as três ou quatro da manhã porque, junto com outro tradutor, traduzia o script de dublagem para uma programa de uma hora chamado Discovery News. Era super interessante no começo, mas foi ficando chato, pois apresentava sempre o mesmo tipo de assunto. Nós fazíamos assim: dividíamos o texto, cada um traduzia uma parte e depois trocávamos os textos para revisão. No fim, líamos o texto como se fôssemos os dubladores para ver se havia lipsync, ou seja a sincronização  com os movimentos labiais.

Quando passei a revisar legendas, logo entrei em contato com a empresa que fazia as traduções e, juntos, fomos escrevendo um manual para ter uma padronização e coerência entre tradutores, marcadores e revisores. Os produtores de cinema também passaram a ditar as regras, o que facilitou bem o trabalho.

As pessoas viviam me perguntando por que as legendas não eram completas, por que o personagem falava uma coisa e na legenda aparecia outra. De tanto explicar que há um limite de caracteres e uma porção de outras restrições de ordem estética para facilitar a leitura, fiquei achando que fazer legenda era um pouco parecido com fazer poesia tradicional, com métrica e rimas, o que também sempre gostei de fazer.

Nossa cara explicando pela milésima vez porque nem tudo nas legendas corresponde perfeitamente ao que é dito… Quem se identifica?

A linguagem da legenda está entre o português falado e o português escrito, e só isso já é um problemão. A começar por um simples “eu te amo”. Segunda pessoa. Geralmente se fala na terceira. Por um bom tempo essa declaração de amor ficou bem estranha: “ eu a amo”, “eu o amo”, “eu amo você”. Mas a língua é viva, vai se modificando com o uso, e o “eu te amo” finalmente parece que agora é aceito. Só para completar a lista de dificuldades, o inglês é bem mais conciso que o português, o que não facilita nada o trabalho do legendador.

O eterno dilema: se a legenda for muito grande, se tiver muito mais legendas do que a média, a pessoa não consegue assistir ao filme. Se as legendas são curtas, ou insuficientes, aparecem aquelas lacunas, e quem assiste acaba se perdendo.

A prática foi levando à proficiência, sempre interessada no assunto fui desenvolvendo cada vez mais esse meu lado Sherlock Holmes e a investigação é um hábito que considero muito saudável. O tradutor precisa ser um eterno desconfiado, um curioso de todos os assuntos.

O tradutor-Sherlock que há em todos nós.

Ainda no final dos anos 1990, a Florida International University – FIU – abriu um curso de Tradução e Interpretação e logo me inscrevi fazendo parte da primeira turma. Aprendi muito, foi muito produtivo, pois já trabalhava com tradução de legendas há algum tempo.

Gosto de pensar que cada legenda deve ser como um anúncio luminoso e precisa dar conta do recado. Quando alguém me diz que a legenda estava errada, eu desconfio. Porém, por hábito, continuo revisando as legendas dos filmes e programas que assisto e, às vezes, alguma coisa escapa. O tradutor é uma pessoa, não é uma máquina, e às vezes, pela quantidade e urgência de trabalho, o tradutor entra no piloto automático e algum erro pode passar. A mesma coisa o revisor. Além disso, devemos considerar que você pode saber muito bem inglês, pode ser um bom professor, mas pode não ser um bom tradutor. E ainda na área de tradução, vamos nos deparar com inúmeras especializações, tradução técnica, literária, da área médica, jurídica, de poesia, etc. Ainda bem, assim há espaço e trabalho para todos!

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Para saber mais e tudo sobre a Sandra, acesse o site dela: http://www.sandraschamas.com.br/

A LBM em cartaz: Fevereiro

Querid@s leitor@s,

Hoje já é dia 3? Sim. Mas estamos atrasados com nosso recap? Não. Pois se fevereiro fosse um mês como outro qualquer, ele teria acabado ontem.

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Fevereiro foi um mês bem gordinho de estreias para a LBM, nos estilos mais variados. Foram 6 estreias no total, a segunda vez que repetimos o feito! Agora, a comemoração vai ficar guardada para a mitagem das 7 estreias. Vamos começar?

 

Semana 1

Na quinta 4, começamos o mês com “A Escolha” (Paris Filmes) e “Tirando o Atraso” (Diamond Films). Dois filmes bem diferentes, com demandas de tradução bem diferentes também. “A Escolha” é um filme de diálogos menos complexos, bastante romântico, em que a maior dúvida é se você vai colocar aquele “merda”, ou vai mandar um “droga” para não destoar do resto do filme. A responsa, porém, era grande. Gazilhões de fãs de Nicholas Sparks aguardando ansiosamente pela próxima adaptação cinematográfica de um dos seus livros.

Já “Tirando o Atraso” é o típico filme de comédia pastelão, politicamente incorreto e cheio de coisas que você não conhece, demora para descobrir o que é e, quando descobre, não tem a menor ideia do que fazer com aquilo. Dentre eles uma apavorante sequência de diálogos em que o vovô taradão (Robert DeNiro) tira uma com o neto (Zac Effron) enquanto eles jogam golfe, chamando-o por nomes de jogadores de golfe famosos, só que não exatamente… Vejam alguns dos nomes:

Jack Dicklaus

Bubba Twatson

Gary Playing With My Balls

Michelle Wizzle All Over My Face

Eis aí uma boa deixa para praticar daredevilish subtitling! Deixem suas sugestões de tradução nos comentários (valendo uma lembrancinha da LBM)!

É disto que estamos falando…

 

Semana 2

Na quinta dia 11, “Brooklin” (Paris Filmes) abriu nos cinemas. A produção recebeu indicações ao Oscar por Melhor Filme e Melhor Atriz, mas não levamos nada. Mesmo assim, o filme é uma belezura que merece ser assistida. Sua tradução teve muitos toques de delicadeza e sensibilidade, e adotamos um estilo linguístico mais próximo à gramática padrão. Há uns bons anos, quando eu trabalhava numa escola internacional e fazia parte do clube do livro local, eu li Brooklin e gostei muito. Mesmo tendo feito essa leitura há muito tempo, ela me ajudou muito com a tradução. Eu já comecei a tradução conhecendo o espírito da história. Além disso, pequenos detalhes que no filme eram breves e ficavam confusos, eu lembrava com clareza. No filme, por exemplo, há um diálogo em que uma personagem menciona “nylons”, o que ficava um pouco no ar. Mas, no livro, falava-se muito em “nylon stockings”, então eu sabia do que se tratava sem ter que pesquisar muito. Às vezes, é engraçado ver como a tradução intersemiótica se dá: um termo/assunto tão frequente no livro vira um diálogo no filme (mas está lá!).

Cena de “Brooklin”

Uma das coisas mais difíceis do filme foi a marcação. O filme tinha uma edição muito picotada, a câmera passava muito de um rosto para outro, e foi desafiador aplicar o conceito de craft subtitling, no qual respeitamos cortes ao máximo.

 

Semana 4

Na semana 3 não tivemos estreias, mas só para ter um descanso até a quinta 25, quando 3 filmes traduzidos pela LBM estrearam juntos nos cinemas: “Presságios de um Crime” (Diamond Films), um thriller policial, cuja tradução transcorreu sem grandes problemas; “Boa Noite Mamãe!” (PlayArtePictures), o filme de terror austríaco que balançou a crítica; e “Deuses do Egito” (Paris Filmes), o tão aguardado blockbuster.

“Boa Noite Mamãe!” é um filme surpreendente e falar sobre sua tradução sem dar spoilers seria difícil! Então: SPOILER ALERT!!! No começo do filme, temos os irmãos gêmeos, mas no fim entendemos que um deles na verdade estava morto. E, antes da grande revelação, alguns diálogos podiam denotar isso por causa do sistema de singular/plural do português. Por exemplo, alguém dizia “Get out of the car!” e nós víamos dois meninos dentro, mas na verdade era um só; ou seja, a pessoa estava dizendo “saia” e não “saiam”. Assim, fomos rebolando durante o filme para modificar esses diálogos e não estragar a surpresa. Conforme as coisas vão ficando estranhas, no entanto, resolvemos soltar um singular aqui e ali para soltar uma pulga atrás da orelha do espectador. Alguém viu o filme no cinema e pode comentar se percebeu alguma coisa?

Olha eles aí…

“Deuses do Egito” foi um filmão mara de se trabalhar. Um pouco de pesquisa aqui e ali sobre nomes egípcios de deuses, cidades, entre outras coisas, mas nada que comprometesse. Um filme com bastante sarcasmo, o que nem sempre é fácil de transportar para a legenda, mas esperamos ter feito um bom trabalho.

“Deuses do Egito” te apresenta o seu próximo pet.

A propósito do filme, vamos relembrar uma postagem no Face que rendeu muitas risadas e likes na nossa página:

 

Show de bola. Em março tem mais!

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