Audiodescrição na arte: Informação? Experiência?

Como nos relacionamos com a arte e com a experiência estética da arte? Som, imagem, texto, cultura, inferência. Isso tudo vem trançado. E o que a acessibilidade comunicacional, especificamente a audiodescrição, tem a ver com isso?

Nesse meu tempo como bacharel em Letras, e dentro dele o tempo como audiodescritora-roteirista, passei por várias questões, inquietações, propostas e missões! Isso tudo partiu de observação de vários formatos artísticos, estudo, prática e de ouvir a recepção do público. Pensando principalmente no audiovisual e no teatro, vou compartilhar um pouco dessas reflexões.

A Audiodescrição como fazer técnico e profissional

Se você está chegando e ainda não sabe quem é a Audiodescrição (AD para os íntimos ou necessitados de economia de caracteres) na fila do pão, aqui vai a bio dela: Audiodescrição é uma modalidade de tradução intersemiótica, pois traduz não entre línguas, mas entre linguagens. A linguagem de partida é a linguagem dos signos visuais. Tudo o que é imagético: cores, gestos, símbolos, feições. Existe uma divisão básica entre audiodescrição de imagens estáticas (o que não se move: foto, desenho, card, pôster) e audiodescrição de imagens dinâmicas (o que se move, seja gravado ou ao vivo: filme, série, peça de teatro). Em alguns contextos podemos ter híbridos, como uma aula em que existe o contexto geral que se move e as imagens estáticas de um slide.

Audiodescrição para quem?

O foco dessa técnica é criar acesso para quem apreende informações sem o uso da visão. Por isso é um dos recursos da acessibilidade comunicacional. A experiência de pessoas com deficiência visual (cegas ou com baixa visão) pauta a construção de uma AD, e por isso mesmo nós, audiodescritores-roteiristas, sempre trabalhamos em conjunto com um audiodescritor-consultor, que é uma pessoa com deficiência visual especializada na área. Mas há relatos que mostram que outros perfis se beneficiam dela. Por causa da característica básica da técnica, que é trazer as informações para as palavras, pessoas que têm mais facilidade para receber, se conectar ou manter atenção à informação verbalizada do que à não verbalizada podem acabar tendo na audiodescrição um apoio na construção do acesso. Trazer para o plano verbal e sonoro pode, em alguns casos, aproximar a informação de autistas, pessoas com TDAH, pessoas com deficiência intelectual. Ou alguém que assista a um filme sem ter muita inserção cultural no contexto dele e acabe captando mais nuances do que é apresentado através da verbalização.

E quando a Audiodescrição se encontra com a Arte?

Com base nisso tudo, como você deve imaginar, técnicas, diretrizes e recomendações foram se desenvolvendo para deixar essa modalidade de tradução funcional. E de fato, deixam. Mas quando experiência estética (estética aqui inclui imagem, som, texto, expressividade e significação) entra no jogo, temos que ter mais alguns tipos de cartas no nosso deck. E para isso, defendo a construção de uma audiodescrição que harmonize com a narrativa, que não seja nem intrusiva e nem isenta, aliando a voz discursiva (do roteiro), a intepretação vocal (da locução) e o ritmo (da mixagem do áudio).

Isso pode ser bem desafiador. Existe a reponsabilidade tradutória de definir o que terá destaque e o que será sacrificado em nome do ritmo. Pois audiodescrever é, como traduzir em geral, fazer escolhas. E essas escolhas direcionam o olhar do espectador de forma análoga à iluminação, que escolhe pontos e elementos para priorizar e definir o todo. Uma mesma cena em filmes diferentes pode receber audiodescrições diferentes, pois o foco de importância entre as várias coisas mostradas pode ser outro. Imagine: em uma cena de uma festa com 30 pessoas, é evidente que uma audiodescrição não poderia descrever em detalhes a aparência, as roupas e as atitudes das 30. Então entra a sensibilidade narrativa de entender o que é essencial ali e como transmitir isso. E é nesse como que moram as polêmicas. Mesmo com plena compreensão de que o público com deficiência visual não deve ser subestimado, e cada indivíduo tem seu próprio campo de interpretação, a máxima dos manuais “descreva o que você vê, não interprete” parece não dar conta da realidade da função de audiodescrever um filme. Mesmo que você não enfeite o pavão e não enverede para o qualitativo, descrevendo as coisas como “belas” ou “horrendas”, a escolha vocabular e o jeito de cadenciar as orações vai dar o tom do seu texto.

Alguns manuais de audiodescrição parecem feitos (com ótima intenção) com base em experiências pedagógicas, e não de arte, narrativa e entretenimento. E aí, quando a experiência artística entra em cena e você percebe que as soluções oferecidas por esses manuais soariam pedagógicas demais, anatômicas demais ou totalmente fora do ambiente lexical daquela obra, eles somem da sua frente como o Mestre dos Magos. E aí, coragem, roteirista. É a hora de usar todos os conhecimentos e habilidades que desenvolveu. Inclusive, mas não apenas, o que os manuais trouxeram. “Depende do contexto” são palavras que quem lida com tradução e audiodescrição poderia mandar grafitar na parede do lugar em que trabalha. Meu desafio tem sido nem pisar em ovos e nem viajar na maionese feita com os ovos nos quais estou tentando não pisar. Talvez fazer omelete seja uma boa. Mas não dá pra fazer omelete sem quebrar alguns… tá, parei.

A busca por uma AD nem intrusa nem isenta, e sim diegética

A busca pelo equilíbrio é um caminho que traz riscos, essa busca por não ser nem intrusa na narrativa nem isenta da narrativa. É possível ser direta, comunicativa e ter estilo com pequenas ousadias textuais, tomando liberdades com os pés no chão. Mas não existe deck infalível. Temos que saber combinar as cartas básicas, que dão conta quase sempre, segurando um jogo básico que cumpre sua função, e as cartas situacionais, aquelas que ganham o jogo quando usadas no momento certo, mas não seguram sozinhas (não tente montar um deck só com elas). Isso vale para as diretrizes básicas, para o banco de soluções audiodescritivas que a gente vai montando ao longo do tempo e para aquelas soluções específicas que têm tudo a ver com aquela cena e trazem um léxico autêntico para o texto.

Às vezes o estritamente descritivo não é diegeticamente interessante e vale a pena arriscar e lançar mão de um atalho comunicativo. Dois exemplos:

Estritamente descritivo: Uma criança de camiseta verde corre atrás de outras quatro crianças. A de camiseta verde toca o ombro de outra, de vestido vermelho, e esta começa a correr atrás das outras quatro.

Atalho comunicativo: Cinco crianças brincam de pega-pega.

Estritamente descritivo: Toca a bola com o peito do pé direito e a move para baixo do calcanhar. Posiciona a bola na parte lateral do pé. Corre e empurra a bola pelo campo, alternando-a entre a lateral interna e a lateral externa do pé direito enquanto mantém o pé esquerdo atrás.

Atalho comunicativo: Mantém a posse da bola.

Claro que, como sempre, depende do contexto. Mas percebe como, dependendo do tempo que você tem para inserir o segmento audiodescritivo no filme sem cobrir falas importantes, o atalho pode ser necessário, ou pelo menos ser mais dinâmico e proporcionar um ritmo mais interessante junto com os sons do filme, resultando em uma experiência artística mais afinada com o material?

Aumentando o Deck!

Isso tudo pode ser construído de diversas maneiras dependendo do projeto. A comunicação com a produção, por exemplo, pode dar à equipe de audiodescrição cartas que funcionam naquele material, através de respostas a perguntas, sugestões e divulgação conjunta, levando a AD para um lugar menos tímido dentro do projeto, menos tacanho, menos saindo da festa e se despedindo com “desculpa qualquer coisa” e mais “até a próxima, pode ficar com o resto do bolo salgado, que eu vou levar uns brigadeiros aqui na tupperware”.

Uma pintura tem as cores e os traços para compor uma experiência artística. Uma audiodescrição tem palavras, frases, entonação, pontuação vocal, ritmo em conjunto com o ambiente sonoro da obra. Esses recursos são maravilhosos, e se apropriando deles é possível ir para lugares mais poéticos, mais divertidos, mais formais ou informais.

Acredito que a AD brasileira ainda tem muitos caminhos para percorrer, e vamos construir pontes e sinalizar trilhas nos próximos anos. Bora andar!

Este texto foi escrito especialmente para o blog da LBM por Fernanda Brahemcha, Audiodescritora, Tradutora Audiovisual e amiga do ratinho.

“Cidade Invisível” e as brasilidades em inglês: quando a melhor tradução é não traduzir

No primeiro artigo do ano, Guilherme Gama, gerente de projetos da LBM, já nos brinda com polêmicas tradutórias #gostamosassim

O tradutor principal de Cidade Invisível para o inglês compartilha com os leitores da Toca do Mouse coisas que queremos saber sobre esse processo (mas não necessariamente gostamos de ouvir)!

Vamos lá?

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Em 5 de fevereiro deste ano, estreou a primeira temporada de “Cidade Invisível”, original Netflix que acompanha a trajetória de um agente da polícia ambiental do Rio de Janeiro num enredo cheio de mistérios e beirando o metafísico, envolvendo personagens do folclore brasileiro – queridos para nós, razoavelmente desconhecidos lá fora. E sempre que tratamos desse tipo de material, ouvimos uma pergunta muito frequente: como vocês traduziram X, Y, Z?

“Alô, LBM? É river dolphin ou pink river dolphin?”

A resposta, um tanto anticlimática, é quase sempre que… não traduzimos.

Convido você a uma reflexão: como se diz “pão de queijo” em inglês? “Coxinha”? “Samba-enredo”? São perguntas que surgem frequentemente entre brasileiros que têm contato com o pessoal de fora. Eu mesmo fui professor de inglês por quase 10 anos e tive que responder perguntas desse tipo. Algumas vezes sugeria soluções (meio desajeitadas, até), quando via que a pergunta vinha de uma necessidade genuína de comunicação. Afinal, por que não chamar de cheese bread se é um conceito que vai ser imediatamente entendido pelo interlocutor? Dá na mesma, não dá?

Depende. Anos atrás, eu teria adotado cheese bread sem nem pensar duas vezes, porque minhas responsabilidades eram outras. Minha missão era facilitar a comunicação entre dois ou mais indivíduos. Agora, minha responsabilidade – a nossa responsabilidade, aliás, como empresa – é de facilitar a comunicação de um material. Claro, facilitar às vezes pede adaptações, mas isso deve ser dosado. Quanto adaptar e quanto manter a fidelidade ao original? Onde fica esse limite? Essas são perguntas inerentes ao trabalho de tradução.

Aliás, a Little Brown Mouse nem sempre trabalhou com legendagem em inglês de material brasileiro. Boa parte da nossa história de 40 anos girou quase exclusivamente em torno de legendar para o mercado doméstico filmes que vinham de fora. Exceções a essa regra foram pipocando, a mais notável delas o longa “Que Horas Ela Volta?” de Anna Muylaert. Mas de uns cinco anos para cá, talvez menos, esse quadro mudou bastante. Quase da noite para o dia, tivemos um grande influxo de material tupiniquim para consumo externo: longas, séries, documentários, vídeos para redes sociais – sem contar material escrito, como roteiros, argumentos e bíblias de séries.

Independentemente do gênero, a esmagadora maioria desse material é sobre o Brasil. Sobre brasileiros em suas realidades brasileiras, tangendo a cultura brasileira por todas as perspectivas imagináveis. E traduzir o Brasil para o mundo externo é para nós motivo de muito orgulho. Mas, para fazer uma paráfrase equivocada daquela frase batida de “Homem-Aranha”, com grande orgulho vem grande responsabilidade.

(sim, eu sei que esse post é sobre “Cidade Invisível”. Já chego lá)

Inevitavelmente, quem traduz uma obra brasileira para estrangeiros está se colocando como vetor de acesso a esse material. Muitas vezes, a legenda é o único meio pelo qual uma pessoa não lusófona sequer conseguiria desfrutar daquela produção. Nossa primeira preocupação, portanto, é com essa pessoa que vai assistir. O que interessa a ela?

Esse famoso desastre teria sido evitado pelo Teste do Pão de Queijo.

Aí voltamos à questão do pão de queijo. Cheese bread vai ser entendido? Claro que vai. “Pão de queijo”, com esse rabisco esquisito em cima do “a”, não vai causar estranhamento? Talvez. Mas pensa um pouco: se a pessoa já parou o que estava fazendo para assistir a uma produção brasileira, será que usar o termo em português realmente vai ser um empecilho? Ou poderia ser um convite para ela ir buscar a informação na fonte e no idioma original?

Novamente, não existe resposta fácil, mas ao longo do tempo fomos desenvolvendo maneiras de tornar essa decisão mais consistente. Nosso processo pode ser resumido a duas perguntas de sim ou não. Não quero ser egocêntrico e batizar de Regras do Gama, então doravante vos apresento o Teste do Pão de Queijo:

  1. É importante para a obra que façamos referência especificamente a um pão de queijo?
  2. Existe um termo equivalente, razoavelmente conhecido em inglês, que vai remeter a um pão de queijo com uma margem razoavelmente baixa para ambiguidade?

A primeira pergunta é importante porque, por exemplo, podemos ter alusões figurativas como “ah, tá redondo igual um pão de queijo”. Se não for importante para a história que a pessoa se refira especificamente a um pão de queijo, podemos adaptar com alguma outra figura de linguagem.

Já se a resposta à segunda pergunta for “sim”, usamos então o termo estrangeiro. Senão, não. Aliás, muitas vezes nem consideramos o termo em português como palavra não inglesa! Por exemplo, “jaboticaba” aparece com essa grafia no dicionário Merriam-Webster e, portanto, consideramos como palavra da língua inglesa e vai na legenda sem itálicos. Já “doce de leite”, por exemplo, é vendido lá fora como dulce de leche por influência dos nossos vizinhos, e, portanto, atende à pergunta 2 do teste (sim, sim, eu sei que doce de leite uruguaio é muito diferente do nosso, mas tudo tem limite também, né?). Outra influência dos hermanos entra na nossa decisão de verter “novela” como telenovela e não soap opera, mas o motivo para isso é assunto para outro post.

Häagen-Dazs promovendo a Regra Número 2 pelo mundo.

Enfim chegamos ao “Cidade Invisível”. Traduzimos alguns termos? Algumas coisas sim. “Fubá” é corn flour ou raw corn flour, dependendo do contexto. Atende ao quesito 2 do Teste do Pão de Queijo.

Já os animais exigiram um cuidado especial. Por exemplo, o cetáceo de água doce que conhecemos como “boto” tem nome comum (e pouco criativo) em inglês: river dolphin ou pink river dolphin. Adotamos isso, fazendo questão, sempre que possível, de evitar abreviar como “dolphin” como jeito barato de economizar caracteres na legenda. Porco-do-mato? Peccary. É um termo razoavelmente conhecido e mais específico do que hog, que se refere ao porco mesmo, sem o “-do-mato”. Jacaré, por outro lado, é algo mais delicado. O termo certinho, certinho mesmo é caiman. O parentesco entre um caiman e um alligator, inclusive, é mais distante do que aquele entre o porco e o porco-do-mato. Mas esbarramos no quesito 1: um jacaré é mencionado apenas numa vez nessa temporada (spoilers!), citado de passagem e como parte de uma lista de animais que também inclui um macaco-prego (capuchin monkey). Ficamos – desta vez – com o bom e velho alligator.

E finalmente, as estrelas principais da noite, nossas figuras mitológicas. Com exceção do já citado boto cor-de-rosa, não traduzimos N-A-D-A. Cuca é Cuca, Curupira é Curupira, Saci é Saci. E feliz de quem conhecê-los por essa sensacional produção da Prodigo Filmes. Aqui na LBM somos fãs e aguardamos ansiosamente as próximas temporadas.

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Quer saber de que outros projetos originais Netflix já participamos? Dê uma olhada no nosso portfólio!

Tradução audiovisual e Pós-produção: um casamento feliz

Querides,

O mês do tradutor está chegando ao fim, mas nós não estamos prontos para entregar os pontos!

Para que todo o conhecimento que geramos neste mês não se dissipe no mundo digital, vamos retomar com vocês as conversas que tivemos, agora no blog, sempre trazendo as informações mais relevantes.

Começamos com a incrível live que fiz com Ivan M. Franco, meu digníssimo esposo e supervisor de pós-produção da LBM, realizada no último dia 7. Nela, conversamos sobre como a TAV e a pós se integram para entregar produtos completos, e como os profissionais das duas áreas devem se entender (o casamento é opcional!).

Vamos lá?

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1. A pós e a legendagem

Quem assistiu à live vai se lembrar que o meu trabalho com o Ivan se iniciou com trocas de informações sobre questões relacionadas à legendagem. “Por que as legendas estão sem sincronia alguma, ou começam sincronizadas e perdem a sincronia ao longo do vídeo?” são perguntas que todo legendador vai se fazer em algum momento. Uma pessoa da pós vai poder te explicar o que é framerate, por exemplo, e como essa característica do vídeo é de conhecimento fundamental para a correta confecção das legendas.

Entendedores entenderão!

Por outro lado, o editor de vídeo ou finalizador, que está recebendo as legendas em algum lugar distante, às vezes também não sabe se virar com o material que tem por falta de conhecimento sobre formatos de legenda. É comum que esses profissionais peçam coisas como “um SRT com fonte 20”. E nós, legendadores mais experientes, sabemos que isso não existe.

Com a rápida popularização das legendas para conteúdos digitais que temos testemunhado, mais ferramentas que simplificam essa integração estão surgindo e fica mais fácil fazer tudo junto e sem complicações. Porém, num cenário mais profissional e lidando com legendagem de materiais corporativos, de publicidade ou de entretenimento, as equipes de legendagem e finalização precisam caminhar juntas e entender melhor sobre as etapas do trabalho. Afinal, nesse sentido, legendagem também é pós-produção.

2. A pós e a dublagem

Já na dublagem, a integração entre pós e TAV é mais bem estabelecida, já que a mídia final dessa modalidade de tradução é a mesma do original: o áudio. Assim sendo, as casas de dublagem encabeçam todo o processo, desde a tradução do roteiro até a finalização de som.

A dublagem tem etapa que não acaba mais!

A ligação entre um tradutor para dublagem e um mixador de áudio pode não ser tão óbvia, mas ela certamente está lá. Esses profissionais são as duas pontas do processo; o que o primeiro criou, o segundo concretiza. A tradução caprichada dos diálogos, com foco na sincronia labial, pode se perder numa mixagem que não seja igualmente criteriosa. Por outro lado, nenhuma mixagem vai conseguir salvar um texto de dublagem que não tenha sido adequadamente adaptado. A pós faz milagre, mas nem tanto!

3. A pós e as acessibilidades

Para quem não está ligado no universo da acessibilidade, são três as modalidades no audiovisual: legendas descritivas, audiodescrição e janela de Libras. Nem preciso dizer que todas elas mais do que dependem da pós-produção, né?

As legendas descritivas não diferem de legendas transcritivas ou interlinguísticas na relação com a pós-produção, e o que foi dito no item 1 se aplica aqui também. Já as duas outras modalidades trazem ainda mais pontos de contato.

Costuma-se dizer que a audiodescrição possui três pilares: o roteirista (também chamado de audiodescritor), o consultor cognitivo e o locutor. Tudo verdade, mas só fica faltando um profissional: o carinha ou a moça da pós que transforma o áudio da locução no produto audiovisual que é consumido de fato! Esse profissional tem uma grande responsabilidade técnica na limpeza e tratamento do áudio, na edição e encaixe adequados dos trechos e no export do material que irá para o cliente. A famosa frase “deixa pra pós” se aplica muito na audiodescrição: o editor pode precisar dar seus pulos para que esse material cumpra com seu objetivo. Estamos falando de acelerar ou cortar frases para fazê-las caber nos silêncios; reconstituir palavras usando pedaços de áudios de outras partes para fazer algum conserto caso não seja possível regravar algum trecho que deu ruim; e até usar seu tempo de edição para pegar erros e inconsistências nas descrições.

Aqui na LBM, temos uma perspectiva da audiodescrição única, já que o Ivan, além de editor de vídeo, é roteirista também. Dessa forma, ele escreve ou revisa o roteiro, coordena o trabalho do locutor e depois edita o áudio. Com seu olhar de pós, o roteiro sai mais próximo ao áudio final do ponto de vista do que cabe ou não, e ele também faz o CQ enquanto edita. Ou seja, ele está lá o tempo todo cuidando para que a AD fique incrível!

Ser roteirista, editor e supervisor de pós é pra poucos!

Na janela de Libras, pós neles também! De que adianta uma interpretação primorosa em frente às câmeras se, quando chega à tela do computador, o tratamento de cor não está adequado e não se vê a expressão facial, ou o recorte de chroma-key está tão mal feito que distrai o espectador? Também é o editor lá da pós que vai fazer o fade-in e fade-out do intérprete na tela durante as pausas mais longas de interpretação, para que a experiência fique mais confortável para quem assiste.

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O vídeo, com seus componente de imagem e som, é a MATÉRIA PRIMA do tradutor audiovisual, seja ele legendador, tradutor para dublagem, audiodescritor ou intérprete de Libras. Não é só o editor de vídeo que tem que entender sobre o comportamento do material audiovisual. Será que você conhece a matéria prima do seu trabalho bem o suficiente? Em breve, a LBM trará uma novidade incrível pra te ajudar com isso 😉

Dia da fotografia: um relato

No dia da fotografia, nosso supervisor de pós e fotógrafo apaixonado Ivan M. Franco traz sua visão íntima dessa arte; um breve testemunho que é também uma declaração de amor.

Ivan e Ligia em projeto fotográfico na Pinacoteca de SP.

Cuidem bem de seus registros. Boa leitura!

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“Entendeu ou quer que eu desenhe?”

Essa frase não tem só sarcasmo embutido: ela imprime nosso desejo de expressar ideias. Às vezes, essas ideias são tão abstratas que, mesmo desenhando, não explicamos o que se passa em nossa cabeça.

Um estudo recente conecta os desenhos das cavernas com o início da linguagem. No estudo, os desenhos de animais, por exemplo, eram muito mais representações do tipo de som que reverberava no ambiente – um bisão ecoava grave em paredes úmidas, em um ruído rasgado e extenso – do que necessariamente um animal da região.

Desde então, toda forma de expressão foi transformada em linguagem e em arte. Provavelmente não existe diferença alguma. Matemática pode ser, talvez, a mais bela das artes. Não posso atestar por ninguém. Mas, para mim, uma das mais fascinantes é a fotografia.

Como se cálculos não fossem usados para enquadramentos, né?

“Um desenho pode ser extremamente realista. Porém, uma fotografia é mais fiel à realidade…” É com uma mentira dessas que a gente deixa de compreender todas as camadas tanto das artes, quanto da linguagem.

É fato que, se apontarmos uma câmera para uma pessoa e tirarmos uma foto, o retrato é daquela pessoa. Mas quanto daquilo é “real”? “Há um ilusionismo legítimo que constitui a base para o verdadeiro realismo” (Ismail Xavier, O Discurso Cinematográfico – A Opacidade e a Transparência). Uma foto em preto e branco já não reflete uma parte da realidade como a enxergamos; uma pose para uma foto é uma atuação para a captura de imagem; um enquadramento pode incluir ou excluir o que consideramos importante para certa realidade. A fotografia é usada para registros documentais, evidências em processos jurídicos, atestados de privilégios em postagens do Instagram e citações diretas em notas de suicídio.

O que está em uma foto é uma escolha!

A fotografia é um momento em perpétuo. Ainda mais hoje, em que qualquer imagem colocada na internet estará lá reservada para todas as futuras gerações que tiverem acesso à informação. Pode não ser para todos mas, para uma boa parte, rastrear a origem de uma imagem não é um trabalho investigativo hercúleo. E uma fotografia é uma viagem no tempo.

“Homem saltando uma poça” – Henri Cartier-Bresson

Um tanto já foi dito sobre a fotografia. Outro tanto já foi feito. O que falta? Não sei. Mas talvez a busca seja o que me motiva a fotografar.

Este texto é uma homenagem a Kevin Carter e a outras pessoas que vivem (e morrem) pela fotografia.

“O abutre e a menina” – Kevin Carter

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Para conhecer o trabalho fotográfico do Ivan, acesse seu insta!

Tradução e interpretação do francês

Caro, caras e cares,

No mês de julho, realizamos uma live mara com nosso amigo e colaborador Lucas Cureau. Ele, que fez seus estudos universitários na França, incluindo graduação, pós-graduação e mestrado, tornou-se tradutor em 2009 legendando filmes. Hoje, além de traduzir, atua como intérprete na área de cooperação internacional em Brasília, trabalho que o levou a diversos cantos do mundo, em especial ao continente africano. Marrocos, Argélia, Burundi, República do Congo, Etiópia, Mali, Ruanda, Quênia, Benim e África do Sul são alguns dos países que esse intérprete globetrotter já visitou em missões!

Aqui com a LBM, Lucas já traduziu e verteu diversos materiais, entre filmes, peças publicitárias e locuções originais. Dentre os trabalhos de maior destaque estão a versão para francês da animação “Tito e os Pássaros” e a tradução para português do longa ainda inédito “A Verdade”.

Durante a live, Lucas nos contou sobre sua trajetória e algumas coisas que considera importantes para a atuação na área de tradução e interpretação nos seus pares linguísticos. E nós, que não somos bobos nem nada, trouxemos as partes mais interessantes para vocês!

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1) INTERPRETAÇÃO DE GUERRILHA

Ao retornar ao Brasil após seus estudos na França, Lucas foi contratado por uma embaixada em Brasília e passou a interpretar com bastante frequência em missões diplomáticas. Hoje, seu trabalho é focado na cooperação técnica brasileira, ou seja, ele se dedica a 1) traduzir qualquer documentação relacionada à cooperação técnica, como manuais, projetos e correspondências; 2) interpretar principalmente reuniões políticas de comitês gestores de projetos e sessões de capacitação técnica em missões internacionais.

Com as experiências acumuladas nessas andanças, Lucas cunhou o termo “interpretação de guerrilha”, que ele usa para designar a interpretação feita em condições adversas, frequentemente no campo. Segundo ele, é uma interpretação feita “sem aguinha na cabine”, e muitas vezes sem cabine também! Imagine interpretar um professor brasileiro treinando agricultores africanos francófonos com o vento batendo, pessoas caminhando em direções diversas e falando ao mesmo tempo. Talvez adicione a esse cenário um equipamento de interpretação desatualizado, que não funciona nada bem!

Lucas interpretando sobre tanques-rede à margem do Rio Níger.
Inveja, sim ou sim?

O segredo para a interpretação de guerrilha é um alto grau de reatividade e o foco em viabilizar a comunicação em todos os momentos, independentemente das condições. Citando o próprio Lucas, até a situação boa de interpretação surgir, o ínterim tem que ser interpretado de qualquer jeito. E atenção: esse modo de trabalho pode ser viciante! Apesar do longo background interpretando o alto escalão político, Lucas não dispensa uma guerrilha por nada: a realização profissional de passar conteúdo que vai transformar a vida das pessoas é insuperável.

2) ÉTICA PROFISSIONAL

Durante a live, ouvimos não só do Lucas, mas também de espectadores, que a questão da ética tem sido bastante discutida entre profissionais e acadêmicos da nossa área.

A verdade é que o profissionalismo no mundo da tradução e interpretação tem várias facetas. De forma mais ampla, é preciso valorizar e respeitar a profissão, para que a noção deletéria de que traduzir e interpretar é “bico” seja cada vez menos prevalente. E a principal parte da profissão são justamente as pessoas.

Na nossa área, temos ainda um longo caminho a percorrer em direção à colegialidade que fortalece as profissões. Vemos profissionais experientes culpando iniciantes por diversas falhas do mercado, quando, na verdade, somos nós com experiência que encaminhamos as melhores práticas e damos o exemplo. A ética passa pela troca e aprendizado entre profissionais; pela crença de que não se ganha nada “fritando o coleguinha”, como colocou Lucas.

Os deputados franceses Patrice Anato e Danièle Obono visitam a Câmara dos Deputados com acompanhamento de Lucas. Respira fundo e vai!

Partindo para a postura profissional do intérprete em campo, vemos a importância de manter o emocional sob controle e não levar nada para o lado pessoal. Dentre situações tensas, Lucas relatou que já precisou interpretar uma autoridade estrangeira cobrando uma dívida do Brasil e uma vice-ministra que desconfiava do que ele dizia, fazendo cara feia e correções desnecessárias (o que pode ocorrer quando o interpretado conhece a língua de chegada). Torta de climão!

3) FRANCOFONIA

A diversidade de sotaques e variantes não é uma dificuldade exclusiva de quem trabalha com língua francesa. Então o que a francofonia apresenta de peculiar para quem traduz e interpreta?

Lucas nos conta que o francês da capital é extremamente apegado à norma culta e considera-se o único francês “correto”. Aparentemente, o questionamento à norma culta não foi interiorizado pela elite cultural, e o apego à suposta excepcionalidade do francês padrão segue forte. É frequente que, ao escorregar no francês padrão conversando na França, você ouça em resposta: “Isso não é francês.”

Essa rigidez tem algumas implicações. Para a tradução escrita, que se vale principalmente do francês padrão, há um empobrecimento da língua e suas possibilidades. O francês falado no Canadá, por exemplo, apresenta soluções de tradução bastante diferentes e, muitas vezes, mais criativas. Já para o intérprete, que precisa variar mais o registro para contemplar a audiência, é necessária muita cautela para escolher o registro certo no contexto certo.

Lucas acompanha uma delegação de congoleses na Universidade Federal de Lavras, para um projeto de agroecologia. Vai, mundo!

O francês falado nos países africanos, além de apresentar profunda influência das línguas locais, não raro é marcado por uma variedade datada do francês padrão. Somente por esses dois traços, já é possível imaginar línguas completamente diferentes da imposta pelo colonialismo, com toda a riqueza cultural agregada. Em suas passagens pelo Benim, Lucas aprendeu que os falantes locais se despedem nos eventos dizendo Merci pour votre aimable attention (“Obrigado por sua amável atenção”), um jeito totalmente próprio (e simpático) de se comunicar. Ainda no Benim, o posto de gasolina se chama essencerie, algo como “gasolinaria”, sendo, em realidade, uma barraquinha com galões de gasolina dispostos. Conhecer a variedade a fundo, com seus detalhes até poéticos, é o que permite uma interpretação sensível e bem-sucedida.

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Foi um prazer imenso conhecer melhor a trajetória do Lucas e as particularidades do francês no âmbito da tradução e interpretação. Para assistir à live, acesse nosso insta.

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